Resenha

GUIA POLITICAMENTE REACIONÁRIO DA HISTÓRIA DO BRASIL
Teones França – Historiador (12/08/14)



Após muito relutar, finalmente aceitei ler o livro de Leandro Narloch, Guia politicamente incorreto da História do Brasil. Minha relutância inicial devia-se às críticas que tal “guia” havia recebido desde seu lançamento há três anos, porém, a partir do empréstimo de um amigo empolgado com a sua leitura resolvi encarar a empreitada, pois que mal poderia haver?
Ledo engano. O jornalista Narloch me irritou profundamente – apesar de meus conhecimentos históricos não serem lá essas coisas – e precisei escrever esta resenha como forma de terapia para diminuir minha irritação.
A lógica do livro segue a mesma dos outros títulos dessa coleção que é a de cativar o leitor com informações pouco conhecidas e até pitorescas a respeito da temática. Até aí, tudo bem. No entanto, desde o início o autor deixa clara a sua principal intenção: ridicularizar a literatura marxista que, em sua visão, dominara a historiografia brasileira desde a segunda metade do século passado, indicando a existência de uma suposta luta de classes ao longo de nossa história a fim de sempre enfatizar os explorados (índios, negros, sertanejos) como bem-feitores e os exploradores (portugueses, senhores de engenho) como seus algozes. A safra mais recente de historiadores teria libertado os estudos sobre o passado do Brasil dessas amarras maniqueístas.
Munido dessa estratégia Narloch vai discorrendo sobre índios e negros destacando que os primeiros nunca foram defensores da natureza e que a mata atlântica, na verdade, foi protegida pelos portugueses e não devastada pela ânsia desse povo em cortar árvores de pau-brasil. Os negros que aqui chegavam, por sua vez, padeciam da escravidão porque esta era uma prática usual na África e que enriquecia os reis daquele continente. Os próprios quilombos escravizavam negros, e Zumbi nem de longe seria o líder inconteste enaltecido pelo Movimento Negro. A relação dos negros com os seus senhores é vista pelo autor como sendo tão ou mais amistosa do que a retratada por Gilberto Freyre. Já os bandeirantes, ao invés de serem execrados, deveriam ser elevados novamente ao panteão de heróis da pátria.
Muitas dessas conclusões a que chega o autor são, de fato, inquestionáveis há bastante tempo, assim como não podemos acusá-lo de se negar a buscar suas informações em autores renomados nos campos da historiografia e sociologia. A questão é que para corroborar sua tese central o autor descontextualiza as afirmações feitas pelos autores por ele pesquisados e, assim, consegue realmente atingir o seu objetivo “de enfurecer um bom número de cidadãos” com sua coletânea, atribuindo-lhe a tarefa pouco modesta de destruir “os falsos estudos acadêmicos”.
Entretanto, se o seu objetivo fosse apenas esse, no rol de personalidades históricas a serem desmistificadas no livro estariam incluídos ícones ainda venerados pelos setores conservadores em nosso país como, por exemplo, Duque de Caxias e sua fama de pacificador ou ainda Getúlio Vargas e a lenda que o cerca de “pai dos pobres”. Esses nomes, contudo, extrapolariam as fronteiras delimitadas pelo autor em seu trabalho: questionar apenas as figuras que em nosso passado são bem vistas pela literatura marxista, tais como Zumbi, os cabanos, Antonio Conselheiro, Luis Carlos Prestes e outros. Assim, na prática, o jornalista procura reduzir a importância em nossa história das revoltas e dos revoltosos que atentaram contra o status quo.
O último capítulo do livro, referente aos comunistas, revela toda a ira e sarcasmo de Narloch contra os adeptos dessa ideologia. Inicia ridicularizando a trajetória de Prestes, acusando-o de assassino da menina Elza – justiçada no episódio que ficou conhecido como Intentona Comunista. A partir daí parte para a crítica aos militantes que aderiram à luta armada contra a ditadura militar e, apoiando-se no historiador Marco Antônio Vila, advoga a ideia de que eles foram os responsáveis pela irrupção da ditadura, em 1964, e pelo endurecimento desse regime em 1968 através da implementação do AI-5. De acordo com o autor, os militares teriam com o golpe defendido o país dos “terroristas” comunistas que queriam instalar uma ditadura por aqui aos moldes da União Soviética e de Cuba e, com o AI-5 buscavam restabelecer a ordem posta em xeque pelos atos terroristas dpoos guerrilheiros. Trata-se, na realidade, de um revisionismo histórico em que os algozes tornam-se protetores da pátria e dos homens de bem.
Cabe aos marxistas rechaçar “guia” tão reacionário quanto esse, pois representa mais do mesmo na recente ofensiva ideológica liberal no Brasil de utilizar-se de intelectuais relativamente jovens para apresentar idéias velhas. Narloch é mais um a adentrar o clube do qual já faz parte Marco Antonio Vila, Rodrigo Constantino e Guilherme Fiúza.

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