Teones França –
Historiador (23/6/14)
Acompanhar
a Copa de futebol tem nos permitido observar o orgulho nacional expresso em
cânticos de amor à pátria e hinos entoados à capela com fervor exacerbado. Em
plena era da chamada Globalização ficamos intrigados sem saber até que ponto o
sentimento de amor nacional é realmente verdadeiro e o quanto ele pode ser
contraditório no mundo posterior à guerra fria, onde vivenciamos, ao menos na
aparência, a sensação de um globo único, sem repartições.
Para compreender melhor o presente é sempre salutar
irmos ao passado em busca das raízes históricas dos processos contemporâneos. Nesse
caminho identificamos que o sentimento de amor à pátria é algo que pode ter
tido origem com a formação dos estados nacionais europeus em fins da Idade
Média. Naquele momento, a unificação de vários territórios nacionais num único
grande país era algo extremamente importante para os rendimentos da nascente
burguesia que, dessa forma, passou a pagar impostos a um único rei, necessitar
de apenas uma moeda para realizar suas transações comerciais e alcançar mais
prestígio numa época que ainda não valorizava tanto o dinheiro.
Tendo em vista que unificar várias nações em uma
única não era algo tão simples, guerras e casamentos entre reis foram as estratégias
mais utilizadas para conquistar a aceitação e a unidade da população dentro das
fronteiras delimitadas para os novos países. É a partir daí que passam a surgir
os principais símbolos em torno dos quais se assentarão as bases do nacionalismo
moderno: bandeiras, hinos e língua única. Esta última nem sempre foi de fato
aceita, apesar da imposição dos governantes, e os primeiros nem sempre foram
respeitados a contento. Prova disso é a Espanha, que até hoje não tem a sua
unidade nacional muito bem resolvida, vide os conflitos separatistas dos povos
basco e Catalão; assim como a gama de países que surgiram a partir da
desintegração da Iugoslávia e da União Soviética no início dos anos 1990. Ou
seja, o sentimento nacional, de pertencimento a uma nação, não cabe necessariamente
dentro das fronteiras de um país. Estas em algumas vezes são amplas e, em
outras, pequenas demais.
No caso brasileiro a unidade nacional começou a fazer
parte dos objetivos de nossa elite de maneira mais detida após a independência
em 1822. A fragmentação da América espanhola em vários países após se livrar do
domínio europeu era algo que amedrontava a classe dirigente brasileira, não por
nutrir um sentimento nacional, mas por almejar obter melhores dividendos
econômicos com a manutenção da unidade daquilo que fora a América portuguesa
(Brasil). Com as guerras separatistas violentamente derrotadas, valores
nacionais precisavam ser divulgados para se educar a população, mesmo que de
maneira autoritária, e se alcançar o sentimento de pertencimento à nação
brasileira.
Para isso, era imprescindível a criação de uma bandeira,
de um hino e de heróis. Se ao período imperial (1822-1889) coube manter o
território unido a ferro e fogo, a República, após 1889, se incumbiu da divulgação
dos valores nacionais. Já que nossa população via com bons olhos os valores
imperiais, a bandeira manteve-se quase a mesma do Império de D. Pedro, com o
acréscimo do globo azul, das estrelas representando as federações e da frase
“Ordem e Progresso”, retirada do ideal dos militares positivistas que tinham
muita influência no país no início do período republicano. O hino também teve
suas origens no tempo imperial. À música, composta logo após a independência e
idolatrada pelo povo, foi adequada uma letra no início do século XX num
concurso realizado pelo governo republicano. Já quanto aos heróis a figura de
Tiradentes era a que mais se adequava a esse panteão, pois sua trágica morte na
forca seguida pelo esquartejamento de seu corpo era bem propícia à sua elevação
a mártir da nação e à invenção de sua imagem análoga a de Jesus Cristo
caminhando para a crucificação.
Entretanto, apesar de serem bastante divulgados nas
escolas infantis, esses valores não conseguiram ser incutidos nos corações e
mentes das gerações seguintes de uma forma totalizante. Sendo assim, eles não
estão inseridos no nacionalismo brasileiro de maneira uniforme e o sentimento de
pertencimento à nação não é tão forte em algumas regiões. Os gaúchos, por
exemplo, têm como característica o culto à bandeira de seu estado com mais fervor
que à bandeira brasileira, resquício da derrotada Revolução Farroupilha, de
intenções separatista, ocorrida entre 1835 e 1845. Tal fato só enfatiza mais a
certeza de que o nacionalismo é antes de tudo um sentimento fabricado.
Ao final da guerra fria, com a fragmentação da União
Soviética e com a reunificação alemã o termo globalização começou a ser
utilizado a todo instante para caracterizar o cenário mundial desde então. Mas
a ideia de uma aldeia global, onde os valores nacionais deveriam ser pouco
valorizados não condiz com o nacionalismo identificado no surgimento de novas
nações e no orgulho de um povo diante de sua bandeira e da execução de uma
música num simples jogo de futebol.
O sentimento exacerbado de amor à pátria observado
nos noventa minutos de duração do jogo torna-se, contudo, tanto quanto
fantasioso quando no dia-a-dia a maioria das pessoas abre mão de tradições nacionais
– até mesmo a própria língua – e anseia pelo consumo de valores culturais de
outras nações que não a sua. Apenas a título de ilustração podemos citar em
nosso país a mudança de hábitos alimentares nacionais em prol de um hambúrguer
do Mc Donald’s, a popularização da calça jeans e do terno com gravata num clima
tropical, as diversas músicas em inglês que cantamos diariamente numa
quantidade certamente maior do que as cantadas em português, a comemoração do
Halloween etc., sem contar que só ouvimos o hino nacional em jogos de futebol e
mesmo assim só o cantamos com fervor em jogos da seleção. Parece que apenas
nesse momento lembramos que nascemos no Brasil e mesmo assim é algo que
esquecemos fácil caso nossa seleção não se sagrar vitoriosa.
Nesse sentido, mais uma vez, só podemos concluir que
o nacionalismo nada mais é do que um sentimento fabricado originalmente pela
burguesia quando se fortalecia enquanto classe social, o que não impede que as
pessoas sigam se sentindo mais confortáveis quando agrupadas dentro de
fronteiras ao lado daqueles que possuam valores culturais mais próximos aos
seus. No entanto, apesar de ser um mero sentimento o nacionalismo não é
inofensivo. Criou e segue criando sérios problemas para a humanidade.
Em nome da
pátria várias atrocidades foram cometidas ao longo da história: guerras mataram
e seguem matando milhões; em nome da nação (Grande Alemanha) o nazismo convenceu
o povo alemão de que o extermínio de outros povos era necessário já que são
arianos e, portanto, os melhores entre os seres humanos; não é por outra razão,
senão pelo sentimento nacional, que a xenofobia impera atualmente na Europa no
expurgo de imigrantes, que acirrarão a concorrência no mercado de trabalho, e
na proliferação de atos racistas. Nesse aspecto, é irônico observar tantos
negros compondo as seleções de futebol dos principais países europeus, talvez
seja o preço que tenham que pagar pela exploração colonialista sobre a África
no século XIX.
É racional que num jogo de futebol escolhamos um time
para torcer e que essa escolha quase sempre recaia sobre aquele que seja
composto por jogadores que estejam mais próximos de nosso círculo social. O que
é irracional é considerar como traidor da pátria os que numa copa do mundo não
torçam pelo seu país de origem; da mesma maneira que se considere como
antipatriota os que defendam outras cores que não as da bandeira sob a qual
nasceram. Na verdade, não há o que estranhar já que nacionalismo e
irracionalidade são bastante compatíveis.