terça-feira, 24 de junho de 2014

EM NOME DA NAÇÃO! FANTASIAS E REALIDADES DO NACIONALISMO BURGUÊS NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO.

Teones França – Historiador     (23/6/14)

 


                Acompanhar a Copa de futebol tem nos permitido observar o orgulho nacional expresso em cânticos de amor à pátria e hinos entoados à capela com fervor exacerbado. Em plena era da chamada Globalização ficamos intrigados sem saber até que ponto o sentimento de amor nacional é realmente verdadeiro e o quanto ele pode ser contraditório no mundo posterior à guerra fria, onde vivenciamos, ao menos na aparência, a sensação de um globo único, sem repartições.

                Para compreender melhor o presente é sempre salutar irmos ao passado em busca das raízes históricas dos processos contemporâneos. Nesse caminho identificamos que o sentimento de amor à pátria é algo que pode ter tido origem com a formação dos estados nacionais europeus em fins da Idade Média. Naquele momento, a unificação de vários territórios nacionais num único grande país era algo extremamente importante para os rendimentos da nascente burguesia que, dessa forma, passou a pagar impostos a um único rei, necessitar de apenas uma moeda para realizar suas transações comerciais e alcançar mais prestígio numa época que ainda não valorizava tanto o dinheiro.

                Tendo em vista que unificar várias nações em uma única não era algo tão simples, guerras e casamentos entre reis foram as estratégias mais utilizadas para conquistar a aceitação e a unidade da população dentro das fronteiras delimitadas para os novos países. É a partir daí que passam a surgir os principais símbolos em torno dos quais se assentarão as bases do nacionalismo moderno: bandeiras, hinos e língua única. Esta última nem sempre foi de fato aceita, apesar da imposição dos governantes, e os primeiros nem sempre foram respeitados a contento. Prova disso é a Espanha, que até hoje não tem a sua unidade nacional muito bem resolvida, vide os conflitos separatistas dos povos basco e Catalão; assim como a gama de países que surgiram a partir da desintegração da Iugoslávia e da União Soviética no início dos anos 1990. Ou seja, o sentimento nacional, de pertencimento a uma nação, não cabe necessariamente dentro das fronteiras de um país. Estas em algumas vezes são amplas e, em outras, pequenas demais.

                No caso brasileiro a unidade nacional começou a fazer parte dos objetivos de nossa elite de maneira mais detida após a independência em 1822. A fragmentação da América espanhola em vários países após se livrar do domínio europeu era algo que amedrontava a classe dirigente brasileira, não por nutrir um sentimento nacional, mas por almejar obter melhores dividendos econômicos com a manutenção da unidade daquilo que fora a América portuguesa (Brasil). Com as guerras separatistas violentamente derrotadas, valores nacionais precisavam ser divulgados para se educar a população, mesmo que de maneira autoritária, e se alcançar o sentimento de pertencimento à nação brasileira.

                Para isso, era imprescindível a criação de uma bandeira, de um hino e de heróis. Se ao período imperial (1822-1889) coube manter o território unido a ferro e fogo, a República, após 1889, se incumbiu da divulgação dos valores nacionais. Já que nossa população via com bons olhos os valores imperiais, a bandeira manteve-se quase a mesma do Império de D. Pedro, com o acréscimo do globo azul, das estrelas representando as federações e da frase “Ordem e Progresso”, retirada do ideal dos militares positivistas que tinham muita influência no país no início do período republicano. O hino também teve suas origens no tempo imperial. À música, composta logo após a independência e idolatrada pelo povo, foi adequada uma letra no início do século XX num concurso realizado pelo governo republicano. Já quanto aos heróis a figura de Tiradentes era a que mais se adequava a esse panteão, pois sua trágica morte na forca seguida pelo esquartejamento de seu corpo era bem propícia à sua elevação a mártir da nação e à invenção de sua imagem análoga a de Jesus Cristo caminhando para a crucificação.

                Entretanto, apesar de serem bastante divulgados nas escolas infantis, esses valores não conseguiram ser incutidos nos corações e mentes das gerações seguintes de uma forma totalizante. Sendo assim, eles não estão inseridos no nacionalismo brasileiro de maneira uniforme e o sentimento de pertencimento à nação não é tão forte em algumas regiões. Os gaúchos, por exemplo, têm como característica o culto à bandeira de seu estado com mais fervor que à bandeira brasileira, resquício da derrotada Revolução Farroupilha, de intenções separatista, ocorrida entre 1835 e 1845. Tal fato só enfatiza mais a certeza de que o nacionalismo é antes de tudo um sentimento fabricado.

                Ao final da guerra fria, com a fragmentação da União Soviética e com a reunificação alemã o termo globalização começou a ser utilizado a todo instante para caracterizar o cenário mundial desde então. Mas a ideia de uma aldeia global, onde os valores nacionais deveriam ser pouco valorizados não condiz com o nacionalismo identificado no surgimento de novas nações e no orgulho de um povo diante de sua bandeira e da execução de uma música num simples jogo de futebol.

                O sentimento exacerbado de amor à pátria observado nos noventa minutos de duração do jogo torna-se, contudo, tanto quanto fantasioso quando no dia-a-dia a maioria das pessoas abre mão de tradições nacionais – até mesmo a própria língua – e anseia pelo consumo de valores culturais de outras nações que não a sua. Apenas a título de ilustração podemos citar em nosso país a mudança de hábitos alimentares nacionais em prol de um hambúrguer do Mc Donald’s, a popularização da calça jeans e do terno com gravata num clima tropical, as diversas músicas em inglês que cantamos diariamente numa quantidade certamente maior do que as cantadas em português, a comemoração do Halloween etc., sem contar que só ouvimos o hino nacional em jogos de futebol e mesmo assim só o cantamos com fervor em jogos da seleção. Parece que apenas nesse momento lembramos que nascemos no Brasil e mesmo assim é algo que esquecemos fácil caso nossa seleção não se sagrar vitoriosa.

                Nesse sentido, mais uma vez, só podemos concluir que o nacionalismo nada mais é do que um sentimento fabricado originalmente pela burguesia quando se fortalecia enquanto classe social, o que não impede que as pessoas sigam se sentindo mais confortáveis quando agrupadas dentro de fronteiras ao lado daqueles que possuam valores culturais mais próximos aos seus. No entanto, apesar de ser um mero sentimento o nacionalismo não é inofensivo. Criou e segue criando sérios problemas para a humanidade.

Em nome da pátria várias atrocidades foram cometidas ao longo da história: guerras mataram e seguem matando milhões; em nome da nação (Grande Alemanha) o nazismo convenceu o povo alemão de que o extermínio de outros povos era necessário já que são arianos e, portanto, os melhores entre os seres humanos; não é por outra razão, senão pelo sentimento nacional, que a xenofobia impera atualmente na Europa no expurgo de imigrantes, que acirrarão a concorrência no mercado de trabalho, e na proliferação de atos racistas. Nesse aspecto, é irônico observar tantos negros compondo as seleções de futebol dos principais países europeus, talvez seja o preço que tenham que pagar pela exploração colonialista sobre a África no século XIX.

                É racional que num jogo de futebol escolhamos um time para torcer e que essa escolha quase sempre recaia sobre aquele que seja composto por jogadores que estejam mais próximos de nosso círculo social. O que é irracional é considerar como traidor da pátria os que numa copa do mundo não torçam pelo seu país de origem; da mesma maneira que se considere como antipatriota os que defendam outras cores que não as da bandeira sob a qual nasceram. Na verdade, não há o que estranhar já que nacionalismo e irracionalidade são bastante compatíveis.

 

A COPA DAS LUTAS!


Apesar da truculência de Alckmin, metroviários/SP indicam a melhor tática para vitórias.

 

Teones França - Historiador - 10/06/14

 


                Diferentemente do ano passado, o outono de 2014 trouxe lutas organizadas de maneira mais tradicional e várias greves são deflagradas pelos sindicatos nas principais cidades do país. Insufladas por uma nova reorganização do sindicalismo – na qual bases de diversas categorias atropelam direções sindicais – essa onda grevista que se espalha pelo Brasil tem, no entanto, o mesmo motivador principal que originou as jornadas de junho em 2013: a Copa do mundo.

                O descontentamento gerado pelo desperdício do dinheiro público destinado à construção de estádios de futebol e obras que facilitarão, prioritariamente, o acesso dos visitantes do aeroporto aos seus hotéis e aos locais de competição tem sido o elemento determinante para trazer a classe trabalhadora de volta à sua tradição de luta organizada como há tanto tempo não se via. Se não há mais dúvida de que haverá Copa, também é inquestionável que esta será conhecida futuramente como a Copa das lutas. Dessa forma, para que ela não seja vencida apenas pelos empreiteiros, pelos grandes conglomerados empresariais e pela Fifa, que lucrarão de maneira absurda com o evento, é fundamental que os trabalhadores busquem a unidade, pois somente assim será possível sagrarem-se vencedores também.

                Pressionados pela Fifa e escaldados após as manifestações ocorridas no ano passado, os governos e a burguesia brasileira souberam se preparar previamente para enfrentarem as lutas que sabiam que despontariam nesse momento. Alteraram leis, aumentaram o efetivo de repressores fardados nas ruas, mantêm-se inflexíveis diante das reivindicações dos trabalhadores e obtiveram o apoio incondicional da Justiça do Trabalho, que finalmente mostra que é um mero sustentáculo dos governos e do grande capital. Demonstrando que estão em plantão diuturno, nossos magistrados estão atentos para logo após a deflagração de uma greve decretá-la abusiva, garantindo a “legalidade” da truculência dos governos e da repressão contra os trabalhadores.

                A recente greve dos metroviários de São Paulo exemplifica isso de maneira muito nítida. A divergência entre a solicitação de reajuste dos grevistas e o índice oferecido pelo governo do estado é ínfima, mas este não pode ceder, pois o caminho da luta se tornaria um modelo a ser seguido por outras categorias, o que precisa ser impedido pelos governantes. Ao contrário, além de toda a repressão na tentativa de conter as manifestações dos metroviários, o governador Alckmin demitiu, no último dia 9, cerca de 45 grevistas por justa causa, utilizando-se de critérios como mínimo questionáveis, mas contando com toda a complacência dos juízes.

 Mais uma vez tivemos a confirmação de que a lei de greve é mais uma das existentes no Brasil apenas para permanecer no papel. Todas, ainda no início, são consideradas abusivas, embora na maioria dos casos governos e patrões não tenham cumprido com o que reza a nossa Constituição, concedendo reajustes salariais anuais. Os ditos “serviços essenciais” então sofrem ainda mais, pois são tantas as exigências existentes na regulamentação dessa lei que, caso as sigam integralmente, os trabalhadores desses setores nunca realizarão uma greve de fato.

Na atual greve, os metroviários paulistas fizeram uma contraproposta ao governo para que a paralisação não prejudicasse a população – crítica primeira feita por Alckmin e todos os governantes que se vêem às voltas com um movimento grevista. Sugeriram retornar ao trabalho, porém com as catracas liberadas para que os usuários viajassem gratuitamente. O governo, claro, recusou a proposta, sob o argumento de que “o Metrô é uma empresa e, como empresa, precisa ter equilíbrio financeiro”. Em outras palavras, o lucro tem primazia sobre o conforto da população trabalhadora, a que necessita realmente do transporte público.

Uma greve, mesmo que se torne vitoriosa, não melhorará significativamente a vida dos trabalhadores, que pouco tempo depois perceberão a necessidade de realizar outro movimento grevista para novamente conquistar melhorias salariais. Contudo, a greve é o momento privilegiado para escancarar as contradições e os limites do sistema capitalista ao expor sem tergiversações os dois campos antagônicos nessa sociedade: de um lado, os trabalhadores e, de outro, os patrões, auxiliados pelos governos e pela justiça. Nesse cenário, caso não lute, o trabalhador não obterá avanços trabalhistas.

Categoria de destaque no bojo do que se tornou conhecido como “novo sindicalismo” na década de 1980, os metroviários já eram inovadores em suas formas de luta naquele momento. Na greve de 1990, no Rio de Janeiro, enfrentando o autoritário governo de Moreira Franco, implementaram o que eles próprios denominaram como “Operação roleta livre”. Num dia inteiro, os grevistas bancaram liberar a passagem de todos que quisessem fazer uso do serviço do Metrô, numa operação que contou com um diretor do sindicato responsável por cada estação, 14 trens circulando e o trabalho integral de todos os funcionários. O objetivo era conquistar o apoio da população, tão difícil de ser obtido em greves do serviço público.

Nesse dia, 250 mil pessoas viajaram de graça, configurando um grande sucesso dessa atividade. De acordo com o presidente do sindicato na ocasião, Geraldo Cândido, na assembleia em que se decidiu a utilização dessa tática foi dito o seguinte para os participantes: “nós vamos assumir a empresa e nós vamos distribuir o produto para a população”, o que em sua opinião seria algo análogo “à apropriação dos meios de produção” pelos trabalhadores.

Ao resgatarem essa tática de luta na atual greve na capital paulista, os metroviários contribuíram duplamente. Por um lado, indicaram que é salutar buscar nas experiências vivenciadas ao longo da história da classe trabalhadora ensinamentos para as lutas contemporâneas e, por outro, expuseram as contradições e hipocrisias do governo burguês de plantão, forçando-o a retirar sua máscara de mantenedor do bem-estar de todos e mostrar sua verdadeira face de garantidor dos interesses do grande capital.

 

CRESCEM AS GREVES DEFLAGRADAS À REVELIA DOS SINDICATOS.

 

Há uma nova reorganização do sindicalismo no Brasil?


Teones França (Historiador)      26/5/14

              O número de greves vem aumentando no Brasil nos últimos anos fruto de uma série de fatores, dentre eles a redução do poder de compra dos salários associada à diminuição do índice de desemprego. Dentro desse contexto o ano de 2014 tem apresentado, num efeito cascata, um aspecto que não era observado por aqui desde os tempos em que a CUT foi fundada: greves organizadas à revelia dos sindicatos e/ou que atropelam direções sindicais, rejeitando acordos considerados rebaixados chancelados por estas. Rodoviários, garis e Comperj, no Rio de Janeiro são exemplos desse processo.

                Diante desse cenário algumas perguntas surgem clamando por respostas: o que explica o aparecimento desse fenômeno? Ele torna essas greves mais fracas? O sindicalismo em nosso país se fortalecerá com esse processo?

                Comecemos pela primeira questão. É nítido que vivenciamos um novo momento na história do sindicalismo brasileiro, em especial porque neste movimenta-se hoje uma classe trabalhadora diferente, mais jovem, mais escolarizada e, consequentemente, mais crítica, que não se resigna a qualquer pressão diante de uma conjuntura em que se combina rendimento salarial reduzido e taxa de desemprego em declínio. O clima tenso aberto pela proximidade da copa do mundo desde as jornadas de junho também contribui para insuflar ainda mais a rebeldia desse setor.

                Há outro elemento, este talvez até mais decisivo, que ajuda a explicar a rebelião das bases contra as direções sindicais: a relação promíscua entre a maioria dos movimentos sociais – especialmente a CUT – e os governos petistas. Seja por confiança cega (caso de um grupo minoritário de militantes que ainda enxerga os presidentes petistas como heróis por terem posto fim ao neoliberalismo no Brasil, melhorado o rendimento do salário mínimo e reduzido bastante o número de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza) ou para angariar benesses pessoais, dirigentes de movimentos sociais contribuíram na sustentação dos governos de Lula e Dilma – o primeiro necessitava mais – evitando que a classe trabalhadora organizada batesse às portas do Palácio do Planalto reivindicando melhorias sociais. Agindo dessa maneira, esses dirigentes perderam o respeito perante seus dirigidos e contribuíram para aumentar o questionamento aos sindicatos.

                Quando estabelecemos uma comparação entre o momento atual e a metade da década de 1980, concluímos que há, de fato, uma nova reorganização do sindicalismo no Brasil. Naquela ocasião, a CUT fora fundada pelos setores que se consideravam mais combativos, rompendo com o grupo que identificava como pelego, o mesmo que logo a seguir irá fundar as CGT’s e, anos mais tarde, a Força Sindical. Os cutistas, quando não dirigiam os sindicatos dos quais faziam parte, organizavam Oposições Sindicais e, assim, atuavam em assembleias e greves até vencerem as eleições, se tornarem maioria nessas entidades sindicais e filiá-las à CUT.

Da mesma maneira que a fundação da CUT foi fruto de um processo de reorganização do movimento sindical brasileiro, as greves recentes quando atropelam as direções dos sindicatos dessas categorias parecem indicar um caminho análogo. Por razões diversas – algumas destacadas acima –, a CUT atualmente ocupa o espaço que outrora era ocupado pelos pelegos das CGT’s.

                Certas características das recentes greves (garis, rodoviários, comperj, por exemplo) nos dão a certeza que esse processo é extremamente positivo para o sindicalismo brasileiro. Elas demonstram a recusa da maioria dessas categorias em se submeter às atitudes antidemocráticas de direções sindicais burocratizadas, que não têm a preocupação em ouvir e organizar suas bases. Também indicam que diminui a autonomia desses dirigentes para realizarem acordos rebaixados em gabinetes fechados e para adotarem como principal estratégia priorizar a negociação em detrimento de uma postura mais conflituosa com governos ou patrões.

                Os rebeldes que promovem dissidências em seus sindicatos nos dão mostras de que discordam dessa estratégia pouco combativa adotada pelos dirigentes, seguem acreditando que a luta coletiva pode diminuir a exploração a que são submetidos e, por conseguinte, confiam que a greve permanece sendo um dos principais instrumentos que a classe trabalhadora possui à sua disposição para obter vitórias.

                Por fim, ao contrário dos que entendem que greves organizadas à revelia das direções dos sindicatos tornam-se mais fracas, esses movimentos inovadores se fortalecem justamente nesse fato, pois ignoram, concomitantemente, a nossa autoritária estrutura sindical e o Estado brasileiro. A estrutura sindical, presente na Consolidação das Leis do Trabalho, estabelecida na era Vargas há cerca de setenta anos, exige a assinatura dos sindicatos de patrão e trabalhador para formalizar um acordo trabalhista. Com esse mecanismo, Vargas pretendia controlar melhor a sociedade, mas, na prática, acabou dando aos sindicatos todo esse poder, facilitando o surgimento de sindicatos de carimbo (aqueles que só existem para pôr seu carimbo nos acordos trabalhistas). A postura burocrática e pouco combativa desses sindicatos passa a ser questionada pela recente onda grevista, o que é algo bastante positivo.

                Dando pouca importância à necessidade de uma instituição reconhecida pelo Estado para representá-los, os dissidentes rebeldes se negam a andar sob a tutela pré-estabelecida pelo aparato estatal através do que rege a nossa legislação trabalhista. Essa atitude, mesmo que indiretamente, questiona o poder da própria Justiça do Trabalho, tão forte nas últimas décadas, mas sempre se posicionando em suas decisões de maneira contrária à classe trabalhadora, como por exemplo, no tocante a abusividade das greves.

                As vitoriosas greves do Comperj e dos garis, com adesão e participação massiva das categorias, demonstram, por si, a fortaleza desses movimentos. Ao apresentarem um frescor de novidade e rebeldia no viciado sindicalismo brasileiro apontam para uma reorganização deste que pode trazer resultados bastante positivos para a luta coletiva dos trabalhadores em nosso país num futuro próximo.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

A PÁTRIA DE CHUTEIRAS! COPA DO MUNDO DE FUTEBOL E POLÍTICA: UMA RELAÇÃO HISTÓRICA (PARTE 5 / 5)



Teones França (Historiador)

 
O “padrão-Fifa”: política + futebol = $$$$$$$

Vimos, assim, que política e futebol sempre andaram de mãos dadas e, ao contrário do que pensam os ingênuos, há muito mais coisas envolvidas numa partida de futebol do que entretenimento. Oitenta e quatro anos depois da disputa do primeiro Mundial, o campeonato de futebol aterrissa em terras brasileiras novamente, apresentando um cenário que demonstra muitas continuidades com o que era observado na década de 1930: o racismo ainda está presente em muitos estádios de futebol mundo afora, dando mostra de que esse esporte é um espelho que reflete valores contidos na sociedade. Não é de estranhar que o ideal nazista ainda encontre seguidores, como o jogador da seleção croata, Josep Simunic, suspenso pela Fifa por dez jogos sob a acusação de ter entoado cânticos hitleristas após a classificação de sua seleção para o mundial deste ano e, por isso, está fora da copa.
 

De microfone em punho e braço esquerdo erguido, após a classificação croata para a copa 2014 Simunic grita slogans nazistas: “pela Pátria!” e “preparados!”.

 
Da mesma maneira, quando ouvimos o técnico de nossa seleção, Luís Felipe Scolari, afirmar que seus comandados têm que entender que jogam por um país inteiro, chegamos à conclusão de que o ideal da “pátria de chuteiras” também segue tendo continuidade. A existência de leis estaduais que obrigam a execução do hino nacional antes de partidas de futebol indica o mesmo e, diferente do que dizem os que as defendem, o seu principal objetivo não é ensinar a letra à população – se assim o fosse o hino teria que ser executado antes da novela das nove, evento cotidianamente de maior audiência – e sim, aos nossos jogadores.

O que mudou bastante em comparação às primeiras copas foram os gastos para a sua realização. A copa do mundo do Brasil será a mais cara da história. Apenas em estádios deve-se gastar mais de dez bilhões de Reais, enquanto a Alemanha, em 2006, gastou a quarta parte desse valor. No total a gastança deverá atingir valor superior a trinta bilhões, sendo que mais de 90% desse montante terão saído dos cofres públicos. No entanto, se estes ficarão vazios, os bolsos de empreiteiras e da própria Fifa ficarão abarrotados de dólares. O legado da copa de 2014 beneficiará poucos privilegiados.


Para um reduzido grupo de pessoas (Fifa, donos de times, jogadores de ponta, TV’s, patrocinadores) o futebol é cada vez mais rentável, alimentado pela paixão de milhões de pessoas carentes

 É contra essa farra com o dinheiro público que manifestações públicas acontecem desde o ano passado no Brasil. O governo já escolheu sua estratégia: criminalizar os participantes desses atos como se estivessem cometendo um crime contra a pátria e não lutando a favor dela. A presidente, por seu turno, certamente torcerá pela vitória de nossa seleção para acalmar os manifestantes e associar a conquista à sua gestão, o que lhe facilitará a reeleição em outubro próximo. Para isso, conta com seus exércitos, dentro de campo – para conquistar a taça – e fora – para calar os manifestantes.

 

quarta-feira, 4 de junho de 2014

A PÁTRIA DE CHUTEIRAS! COPA DO MUNDO DE FUTEBOL E POLÍTICA: UMA RELAÇÃO HISTÓRICA (PARTE 4 / 5)


Teones França (Historiador)

Na era da Globalização, o fim do “futebol-arte”
Os planos iniciais não previam o México como sede do mundial de 1986. A escolhida era a Colômbia, entretanto, no início da década de 1980 o país, assim como outros na América Latina, vivia um momento econômico bastante negativo o que levou o presidente Belisario Betancur a desistir da candidatura, declarando que “não há tempo para atender as extravagâncias da Fifa e de seus sócios”. Alguns tentaram convencer o governo brasileiro, ainda chefiado pelo General Figueiredo, a promover o evento, o que foi prontamente recusado sob a argumentação de que a situação vivida por nosso país exigia “irrestrita austeridade”. Diante disso, o México se prontificou, mesmo porque os estádios utilizados em 1970 ainda estavam em boas condições.
Muitos craques se despediram das copas nesse mundial. Foi o caso de Platini, Zico, Sócrates, Falcão, Rummenigge entre outros. O jogador do torneio foi Maradona, levando a Argentina ao bicampeonato e marcando, no confronto contra a Inglaterra nas quartas de final, o que é considerado por muitos o gol mais bonito da história das copas, driblando seis jogadores desde o meio de campo, além do goleiro, antes de marcar. Quanto ao Brasil, tínhamos uma seleção que se não possuía a qualidade da que havia disputado o mundial anterior, nem um craque em plena forma como o baixinho argentino, como mínimo se equivalia às outras maiores forças da competição.
E ainda contávamos com o talento de Zico. Porém, ele passou a maior parte dos jogos no banco de reservas já que vinha de uma cirurgia no joelho. Nosso selecionado foi eliminado pela França, nas quartas de final. O jogo estava empatado em 1X1 quando, no meio do segundo tempo, o lateral Branco foi derrubado pelo goleiro Bats após um passe magistral do ídolo rubro-negro. O normal seria Sócrates bater, mas este entregou a bola para Zico que chutou fraco e o francês defendeu. Na disputa de pênaltis o Brasil foi desclassificado.
Contudo, se no momento do pênalti no decorrer do jogo, Sócrates preferiu não assumir a sua posição de liderança, em outros momentos teve atitude distinta. No primeiro jogo, quando cometeram a gafe de executar o hino da independência ao invés do hino nacional brasileiro, ele não esperou o término da execução para retirar os seus companheiros de equipe da posição em que estavam perfilados. Contundente também foi a sua postura de aproveitar a audiência do evento para em todos os jogos entrar em campo com faixas na cabeça contendo frases contra a fome, as guerras, o racismo e o imperialismo. A Fifa, obviamente, não gostou de tal atitude e proibiu posteriormente esse tipo de conduta dos jogadores em seus campeonatos. Para aqueles que conheciam Sócrates essas atitudes não causaram estranhamento já que ele sempre procurou associar o futebol à política, mas sob uma ótica que acreditava ser benéfica aos setores menos favorecidos de nossa sociedade. Dizia que “o jogador de futebol nada mais é que um representante de seu povo”. A sua liderança na construção do que ficou conhecido como “democracia corintiana” em plena ditadura militar, no início da década de 1980, é um exemplo disso.



Sócrates, líder da democracia corintiana, e uma das faixas usadas na copa de 1986

Na Itália, em 1990, tivemos uma demonstração nítida da intersecção que há entre futebol e situação política mundial. No ano anterior o muro de Berlim, símbolo da divisão da Alemanha em duas – a Ocidental, capitalista e próxima aos Estados Unidos; e a Oriental, socialista e ligada à União Soviética –, foi derrubado e o processo de reunificação dos dois países estava em curso e iria se consolidar meses depois do fim do campeonato. Nesse cenário, a vitória alemã, derrotando a Argentina na final, foi celebrada em êxtase pela população que portava nos estádios cartazes com frases do tipo “Nós somos Copa do Mundo e alguém de novo”.



Beckembauer e a seleção vitoriosa em 1990 comemoram com o povo alemão

O mesmo processo que reunificou as Alemanhas – o fim do socialismo real e, consequentemente, da guerra fria – também fez com que essa copa fosse a última de países como União Soviética, Tchecoslováquia e Iugoslávia, que se fragmentaram em vários países e, com isso, novas seleções debutariam nas copas seguintes: República Tcheca, Eslováquia, Ucrânia, Rússia, Croácia, Sérvia, Bósnia e outras. O fim de um mundo dividido em dois e o início de um globo unificado, na chamada globalização, já surtia seus efeitos junto à nossa seleção: metade dos convocados por Lazaroni jogava no exterior, contra apenas dois em 1986. Num campeonato em que prevaleceu o baixo nível técnico e esquemas defensivos caímos nas oitavas de final, perdendo para a Argentina de Cannigia e Maradona, na derrocada que recebeu a conotação pejorativa de “Era Dunga”, “modelo de jogador”, de acordo com o técnico.
A qualidade do futebol também permaneceu em baixa nos Estados Unidos, em 1994, assim como a “Era Dunga” teve continuidade. No entanto, dessa vez ganhou um tom positivo, pois o próprio, ao lado de Bebeto e Romário, foram os principais jogadores da campanha que levou o Brasil ao tetracampeonato mundial. Numa prova de que o futebol-arte era coisa do passado, o cabeça-de-área foi o jogador que mais se destacou no meio de campo pouco criativo de nossa seleção.


Presidente em 1994, Itamar Franco não perdeu a oportunidade de recepcionar os campeões

Demonstrando que nem tudo – ou quase nada – é apenas esportivo numa copa, o zagueiro colombiano, Andrés Escobar, foi assassinado em seu país dias após a eliminação da seleção logo no início dessa competição. Uma das hipóteses que pode ter motivado o crime é que apostadores, ligados ao tráfico de drogas nesse país, teriam tido grandes prejuízos com a saída precoce da seleção que era vista inicialmente como uma das promessas do mundial.
Em 1998, na França, com Rivaldo no meio de campo e Ronaldo no ataque, a seleção brasileira apresentou um pouco mais de qualidade técnica do que nas duas copas anteriores e novamente chegou à final. Dessa vez, com duas diferenças, a adversária foi a anfitriã e o resultado foi uma derrota acachapante por 3X0. Uma convulsão sofrida por Ronaldo no dia do jogo final e o fato de mesmo assim ele ter ido a campo está até hoje mal explicado, o que para alguns seria o suficiente para concluir que a CBF teria feito um acordo para que o Brasil entregasse o jogo. Indiscutível, no entanto, é que a França possuía um bom time, com Zidane de maestro, e era mais forte física e tecnicamente que a nossa seleção. O elenco francês, composto em maioria por descendentes de árabes e africanos (de países que haviam sido colônias da França até meados do século passado), tinha apenas oito jogadores filhos de mães e pais franceses, demonstrando o caráter multirracial da sociedade desse país, o que ainda é motivo de conflitos sociais e atitudes racistas, acirrados pela diminuição do mercado de trabalho na França e em outros países europeus.


Africanos, em barcos, entram clandestinamente na França à procura de uma vida melhor

Quatro anos depois o destino reservou um desfecho mais feliz para o nosso futebol. Pela primeira vez a disputa ocorreu na Ásia e em dois países-sede: Coreia do Sul e Japão. Isso porque a Fifa optou por uma decisão política já que os dois eram concorrentes e há entre eles rusgas históricas decorrentes da invasão japonesa à Coreia durante a Segunda Guerra Mundial.
Com Ronaldinho Gaúcho e Rivaldo no meio e Ronaldo no ataque o Brasil chegou à final e venceu os alemães por 2X0. Na cerimônia de entrega das premiações o capitão, Cafu, apareceu nas milhões de TV’s espalhadas pelo mundo que acompanhavam a final com uma frase escrita por ele em sua camisa: “100% Jardim Irene”. Com esse gesto, além de associar o humilde bairro paulistano em que nasceu a um momento de festa, levantou a autoestima da população brasileira mais carente. Ao chegarem ao Brasil os jogadores foram recepcionados em Brasília pelo presidente Fernando Henrique que lhes concedeu a Medalha da Ordem do Mérito Nacional, num claro intuito de, tal e qual o presidente Médice, associar a conquista futebolística ao seu governo num ano de eleição presidencial. Mas, nem a aproximação com os jogadores vitoriosos ajudou muito a José Serra, candidato do presidente, que perdeu as eleições para Lula meses depois.




Cafu ergue a taça em 2002, após escrever em sua camisa “100% Jardim Irene”




FHC, à la Bellini, repete a atitude de Médice e ao lado dos campeões de 2002 ergue a taça

Já dissemos que a vitória na copa de 1990 coroou de forma sublime a reunificação das duas Alemanhas e a derrubada do Muro de Berlim. Entretanto, isso não se comparou à celebração desse país e de sua população ao sediar a copa dezesseis anos depois. Finalmente, os alemães foram às ruas empunhando bandeiras com as cores nacionais, o que não pôde ocorrer em 1974 quando a Alemanha Ocidental foi sede da competição, mas o país ainda estava dividido em duas partes. O orgulho de ser alemão, que havia sido destruído junto com o país após a derrota de Hitler na Segunda Guerra e a divulgação das atrocidades cometidas por ele e pelos nazistas, foi resgatado nessa copa. Nem o fato de ter terminado a competição em terceiro lugar diminuiu esse orgulho, conforme acreditava o técnico da seleção, Klinsmann: “Nós não ganhamos a copa, mas ganhamos o país... éramos um país com uma história negativa... o mais importante foi devolver o orgulho de ser patriota ao povo alemão”. A copa foi vencida pelos italianos, que derrotaram os franceses na final nas cobranças de pênaltis. Franceses, que desclassificaram a nossa seleção nas quartas de final.
A copa finalmente chegou à África, o continente mais pobre do planeta, após oitenta anos. A África do Sul foi a sede do mundial de 2010 e fez questão de demonstrar ao mundo que o apartheid (regime em que apenas os brancos governavam e os negros eram relegados a guetos) era coisa do passado. Não foi subserviente a todas as ordens da Fifa, como a que proibia o uso das vuvuzelas (cornetas grandes) nos estádios, sob a alegação de que eram uma manifestação cultural do país.



Na África do sul, as vuvuzelas não se calaram ao “padrão-Fifa



Mandela, expressão maior da luta sul-africana contra o apartheid, que por muitos anos foi o motivo principal para o país ser impedido pela Fifa de participar de uma copa do mundo

A vencedora foi a Espanha e seu meio de campo, composto por Xavi e Iniesta, deu esperanças aos apreciadores de que o futebol-arte poderia estar de volta. Na final derrotou a Holanda, seleção que eliminou o Brasil nas quartas de final. Dunga, o nosso técnico, procurou incutir em seus comandados o estilo de jogo de força e raça, característico de sua “era”, mas exagerou na dose, criando proibições e regras, estabelecendo a relação entre ele, jogadores e jornalistas num patamar quase militar.


                Pondo fim à análise sobre futebol e política ao longo de oitenta e quatro anos de copas do mundo, refletiremos na quinta, e última, parte deste texto a respeito das continuidades e rupturas nessa relação às vésperas do campeonato em nosso país e das principais motivações que, desde o ano passado, levam milhares de pessoas às ruas no Brasil em protestos contra o “padrão-Fifa”.