terça-feira, 29 de julho de 2014

DEPOIS DA COPA VEM A DISPUTA PELO VOTO.


O que esperar das primeiras eleições após as manifestações contra a corrupção?   (PARTE III)           
Teones França – Historiador       (21/7/2014)


O “voto certo” pode melhorar nossas vidas?

Consequência direta da história política brasileira, nos poucos períodos em que nossa democracia permitiu que eleições acontecessem as pessoas acreditaram que política é algo a ser exercido meramente por políticos, identificados por elas como os ricos e poderosos. Nesse sentido o voto foi sendo banalizado a ponto de ser vendido por alguns trocados, uma fornada de tijolos, um jogo de camisas de futebol ou, mais recentemente, trocado pela bolsa-família, expressando que a população trabalha com a seguinte lógica: “se sou obrigado a fazer parte desse circo, que seja para ganhar alguma recompensa” já que – infelizmente, talvez – é característica do brasileiro sempre querer ser mais “malandro” que os outros. Também existem aqueles que concedem seus votos aos amigos (não é por coincidência que muitos candidatos se identifiquem como “o seu amigo”), pois se é para “alguém se arrumar” que seja um conhecido.
Assim, à exceção dos partidos criados a partir de uma ideologia, mas que possuem pouca influência eleitoral – e, por isso, são chamados preconceituosamente de nanicos –, as mais de trinta siglas oficialmente existentes no Brasil atual são meras legendas eleitoreiras, com programas muito parecidos, onde o que define o apoio a um governante é o quanto este irá pagar ou o cargo que irá oferecer. As alianças entre as legendas partidárias realizadas previamente às eleições também demonstram essa total falta de critério programático e, por conseguinte, não sabemos mais se ainda há partidos de esquerda ou de direita, eles se diferenciam apenas por fazer parte ou não dos governos. A tão falada reforma política não será a solução para alterar esse quadro e dar mais confiança ao eleitor de que o seu voto pode realmente fazer a diferença e modificar para melhor a situação do país, conforme é dito pelos artistas em propagandas pela TV, nas quais teimam em culpar o eleitor por todos os problemas sociais vivenciados pelo Brasil porque estaria votando errado. Nesse raciocínio estreito o voto seria o único meio para pôr o país em outros trilhos.
Nos últimos pleitos, parte do eleitorado, acreditando nessa ideia, tem buscado alterar esse quadro através da renovação, procurando eleger políticos que não sejam “profissionais”. Porém, ao analisarmos superficialmente o cenário político brasileiro percebemos que a renovação é rara. Os grandes caciques ainda ditam as regras. O maior exemplo disso talvez seja José Sarney, que exerce algum tipo de mandato desde o regime militar, quando fazia parte da ARENA, foi o primeiro presidente do período posterior a essa ditadura e permanece desde então sempre ocupando alguma cadeira no parlamento, mesmo que para isso tivesse até que mudar seu domicílio do Maranhão para o Amapá. No entanto, caso a renovação fosse total, da mesma maneira nada seria alterado, pois não há diferença entre os partidos com reais chances de conquistar os principais cargos e, dessa forma, sempre teremos mais do mesmo. As instituições estão em xeque e querem nos fazer crer que o culpado pelas nossas mazelas é o eleitor e não a falência do conjunto do sistema político que precisa seguir favorecendo a minoria burguesa.
Com certeza será bastante difícil que algum candidato na eleição de outubro próximo – mesmo aqueles dos partidos que se reivindicam socialistas – consiga chacoalhar o sentimento de apatia eleitoral que impera entre os brasileiros a ponto de fazê-los acreditar novamente que o seu voto pode realmente melhorar o Brasil e as suas vidas. Porque é fato que a maioria absoluta do povo não aguenta mais ver e ouvir horário político eleitoral onde todos, sem exceção, afirmam ser pela educação e pela saúde. No entanto, passada a eleição, a escola pública segue com qualidade duvidosa e os hospitais oferecem péssimo atendimento aos que não podem pagar por uma saúde “padrão-Fifa”. Ao que tudo indica, parece também não haver mais espaço para que candidatos peçam votos por se declararem “éticos e contra a corrupção” – slogan que aparece até mesmo no campo socialista –, mesmo porque ser ético e crítico da corrupção nada mais é que obrigação de todos, seja candidato ou não e, portanto, não deveria ser apresentado como um critério para definir em quem iremos votar.

Entender que política não é algo restrito aos políticos parlamentares de terno e gravata, mas que deve ser feita por todos já que tudo é consequência dela; da mesma forma, não acreditar que o voto é nossa única arma e, ao mesmo tempo, compreender que as melhorias sociais só serão alcançadas através das mobilizações dos setores populares, como nos ensinaram as jornadas de junho ano passado, é o caminho a ser trilhado para se alcançar uma vida melhor, ao menos para os mais pobres.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

DEPOIS DA COPA VEM A DISPUTA PELO VOTO.


O que esperar das primeiras eleições após as manifestações contra a corrupção?   (PARTE II)           
Teones França – Historiador       (21/7/2014)
As raízes dos vícios na política brasileira
As origens dos vícios em nosso sistema político podem ser encontradas há séculos atrás, quando o Brasil ainda era colônia de Portugal. Foi naquele período de nossa história que começou a se configurar uma de nossas principais características, a qual trazemos conosco até hoje: o patrimonialismo. Trata-se da não diferenciação entre as esferas pública e particular por parte dos governantes e administradores públicos, que se iniciou a partir do momento em que o governo português concedeu total liberdade aos proprietários de terra na colônia brasileira permitindo que estes administrassem o poder político como bem entendessem. Assim, tornou-se tradição em nosso país as autoridades passarem a ocupar cargos públicos como se estivessem ocupando uma propriedade particular, o que lhes daria o direito, inclusive, de nomear parentes para o exercício de qualquer função sem a aprovação prévia por concurso público.
Apesar de essa situação vir se modificando ao longo do tempo, a sua essência permaneceu inalterada. O início da República, em 1889, trouxe novas situações que ajudam a entender o nosso descaso atual com as eleições. Até 1934, por exemplo, o voto não era secreto, o que facilitava o “voto de cabresto”, aquele em que uma pessoa rica (na época, geralmente, um fazendeiro) encaminhava o eleitor (seu funcionário ou apadrinhado) até a urna para forçá-lo a votar em seus candidatos.
O pouco crédito que a população brasileira dá aos partidos políticos também tem raízes em nossa história republicana. Até 1937, os partidos existentes tinham um caráter apenas regional (Partido Republicano Paulista, por exemplo). Com o início da ditadura do Estado Novo varguista naquele ano eles foram extintos. Somente após essa ditadura, em 1945, é que surgem as primeiras siglas de caráter nacional, como a UDN, o PSD e o PTB. Com o golpe militar em 1964, todos esses partidos foram extintos e permitiu-se o surgimento de apenas dois: a ARENA, ligada aos militares, e o MDB, para servir como oposição. O Partido Comunista é o único que fugiu a essa regra, pois fora fundado em 1922 e sempre se organizou em âmbito nacional, embora tenha passado quase todo esse período na clandestinidade, ou seja, sem ser reconhecido oficialmente e, logo, pouco participou de processos eleitorais.
Com o enfraquecimento da ditadura militar, em 1979 a ARENA e o MDB foram extintos e surgiu a maioria das siglas que conhecemos até o momento: PT, PMDB, PDT, dentre outros. Entretanto, até o episódio do Mensalão podemos afirmar categoricamente que apenas o PT e, em menor medida, o PDT, recebiam votos em massa destinados especificamente ao partido e ao seu conteúdo programático, enquanto que os votos recebidos pelos outros partidos eram originalmente destinados mais aos seus candidatos do que à plataforma política da legenda. Nos últimos anos esse segundo aspecto se espalhou a todos os partidos, inclusive ao PT, que passou a ser visto pela grande maioria dos eleitores brasileiros como mais um na multidão de siglas que compõem o cenário político-partidário em nosso país.
Parte desses vícios é enxergada de forma cada vez mais nítida pela população em geral que, com isso, aumenta a sua ojeriza pela “política”. Entretanto, outro vício que compõe o nosso sistema político, embora nem seja tão genuinamente brasileiro, ainda não se tornou superficial o bastante. Trata-se do favorecimento constante ao longo de nossa história das camadas mais bem favorecidas economicamente. Apesar das maquiagens realizadas vez em quando no processo eleitoral (permissão do voto às camadas mais pobres, ampliação do voto para as mulheres e, posteriormente para os analfabetos, utilização das urnas eletrônicas com o intuito de dificultar a fraude, possibilidade de alguns trabalhadores elegerem-se etc.), as eleições seguem – e seguirão – acontecendo para possibilitar aos ricos manterem seus representantes no poder legislando e executando as leis em seu benefício, sob os holofotes de uma suposta democracia.

terça-feira, 22 de julho de 2014

DEPOIS DA COPA VEM A DISPUTA PELO VOTO.


O que esperar das primeiras eleições após as manifestações contra a corrupção?   (PARTE I)           
Teones França – Historiador       (21/7/2014)

                De antemão deixo claro que tratarei a seguir do tema das eleições sem aprofundar a questão teórica, no entanto, parto do pressuposto de que se trata de um processo que deve ser enquadrado no terreno burguês. Não devemos esquecer, contudo, que os partidos que se reivindicam representantes dos trabalhadores estão participando cada vez mais ativamente desses pleitos, fato que merece uma reflexão específica, o que será feito na 4ª e última parte.

Em junho de 2013, ouvimos muitos políticos brasileiros afirmarem que estavam impactados com a “voz das ruas”. Da Presidente aos vereadores, todos saíram com suas imagens chamuscadas após as manifestações que levaram milhares a protestarem contra a Copa, a corrupção, a falta de investimentos sociais ou, como muitos cartazes indicavam, “contra tudo o que está aí”.
                O que os manifestantes deixaram claro é que a população está cansada de acreditar em promessas de candidatos às vésperas de eleições, assim como não confia mais nos nossos políticos e nas instituições (Congresso Nacional, Justiça, Polícia etc.). A exceção, talvez, ainda seja o Supremo Tribunal de Federal a partir da atuação de Joaquim Barbosa no processo do Mensalão.
                O escândalo do Mensalão, ao lado de outros casos de corrupção, como o superfaturamento dos estádios da Copa e o constante desvio de verbas nos serviços públicos em geral, sempre envolvendo políticos, aumentaram a incredulidade de que as eleições podem realmente alterar nossa vida para melhor.

A culpa é do povo por não saber votar?
                A insatisfação e falta de confiança do eleitor já havia sido percebida nas últimas eleições em nosso país. Analisando friamente os números observamos que a quantidade de abstenções – as pessoas que se negam a ir votar – é muito grande. No pleito para prefeito de 2012, em muitas cidades grandes, somados os votos nulos e brancos com as abstenções, tivemos um total que chegou a ser superior a votação dos eleitos. Ou seja, os que ainda crêem que o processo eleitoral pode melhorar a sua vida e a situação de seu município estão em número menor do que aqueles que, quando se prestam a ir à urna exercer o seu direito de voto – que, na realidade, é um dever –, se negam a escolher algum candidato. Certamente, essas pessoas também não acreditavam que as eleições pudessem melhorar a situação do país.
                Para efeito de comparação, é interessante atentarmos para o fato de que há trinta anos manifestações ocorreram nas principais capitais brasileiras levando milhões às ruas para exigir justamente o retorno do direito de votar para eleger o Presidente da República e o prefeito de cidades que eram consideradas pela ditadura militar Área de Segurança Nacional, como era o caso de Duque de Caxias. Nos vinte e um anos em que os militares estiveram no poder – entre 1964 e 1985 – esse voto popular não fora permitido. Bastaram três décadas para que o anseio de votar demonstrado naquela época se transformasse num estorvo para uma parcela considerável de nossa população.
                Não podemos, contudo, culpar o povo por isso. A responsabilidade única e exclusivamente deve recair sobre a classe política e o sistema burguês que fizeram da democracia ressurgida após a ditadura militar um mero jogo de “toma lá, dá cá” em que os interesses de sua sigla partidária e dos setores da elite aos quais representam estão sempre à frente do interesse da coletividade. Nosso sistema político permite, por exemplo, que um partido apoie uma candidatura ou um projeto do governo no Congresso Nacional em troca de um Ministério ou de cargos importantes no segundo escalão que possibilitarão a essa legenda partidária arrecadar milhões – nem sempre de maneira lícita – para sustentar seus privilégios e futuras campanhas eleitorais milionárias de candidatos desse partido. Por isso, esse sistema já está sendo denominado por alguns como “presidencialismo de coalizão”.

                A cada eleição uma dúvida vem se transformando em certeza. Com o passar dos anos parece mais verdadeiro para o nosso povo que o sistema político brasileiro é tão viciado – e viciante – que independentemente de quem seja eleito, rico ou pobre, corrupto ou não, as melhorias, caso aconteçam, serão ínfimas. Obviamente, a experiência com o Mensalão contribuiu muito para que essa percepção se tornasse predominante já que o partido que esteve envolvido era justamente aquele que outrora enaltecia a ética, criticava a corrupção com veemência e se apresentava como um defensor dos interesses dos trabalhadores. O governo de Lula, ao trazer para o cenário político brasileiro aspectos tão conhecidos em governos anteriores como a corrupção explícita, a troca de favores com políticos tradicionais e conservadores e os lucros desenfreados para banqueiros e empresários só fez aumentar em nossa população a imagem de que todos os políticos são iguais, embora possam estar, por conveniência, em partidos distintos.