terça-feira, 3 de dezembro de 2013

O marxismo clássico e os limites do sindicalismo



Teones França (Historiador e professor da Rede Estadual RJ)

            Desde as últimas décadas do século XX, é comum escutarmos que o sindicalismo brasileiro vive uma crise que teria sido ocasionada por vários aspectos, como os efeitos das recentes transformações produtivas e do fim do chamado socialismo real sobre o mundo do trabalho e o movimento sindical. A grande maioria daqueles que analisam esse processo não incluem como um dos fatores que impulsionam essa crise os limites inerentes à própria ação sindical e a dificuldade que esta tem - e sempre teve - em associar as lutas econômicas (sindicais) às lutas políticas mais gerais. Nesse caso, um retorno às análises do marxismo clássico pode ser muito útil.


            Este artigo tem por objetivo realizar esta ida ao passado e está dividido em duas partes, ambas com o intuito de destacar considerações de Marx, Engels, Lênin e Trotsky sobre a importância do movimento sindical e os limites do sindicalismo.


            Desde já, é importante apontar que os dois primeiros tiveram contato com um tipo de sindicalismo diferente daquele que Lênin e Trotsky conheceram. Marx e Engels fizeram parte de um período histórico em que o movimento sindical ainda não tinha se tornado de massa, onde a forma predominante de sindicalismo era a de ofício, já que, apenas durante as últimas décadas do século XIX, os sindicatos difundiram-se como expressão organizada e de massa do movimento operário. Entretanto, como destaca Alves, as afirmações de Marx a respeito do sindicalismo, em especial sobre os limites deste, devem ser generalizadas e não somente associadas a um caso particular, como o sindicalismo de ofício, por exemplo[1].


A importância do movimento sindical.
            Os fundamentos históricos da concepção de Karl Marx e dos marxistas em geral sobre sindicatos – e seus limites foram postos na obra do jovem Engels, A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, escrita entre 1844 e 1845 [2]. Nesse trabalho, verifica-se que, ao atestar que a concorrência não existe apenas entre os capitalistas, mas também entre os próprios trabalhadores, Engels afirmava que os sindicatos seriam os primeiros esforços dos trabalhadores para suprimir essa concorrência entre si e os via como um instrumento importante para conter a ânsia dos capitalistas:


“Se o industrial não contasse com uma oposição concentrada e maciça da parte dos seus operários, baixaria gradualmente, cada vez mais, os salários, para aumentar o seu lucro; a luta que tem de manter contra os seus concorrentes, os outros industriais, obriga-lo-ia a isso e em breve o salário atingiria o seu nível mínimo” [3].


            Os sindicatos serviriam, então, como anteparo aos ataques dos industriais que não hesitariam, caso não encontrassem resistência, em vilipendiar cada vez mais a condição de vida dos trabalhadores para obter melhor situação na concorrência com outros capitalistas. Nessa lógica, a principal expressão da indignação dos proletários contra a situação imposta pelos patrões seriam as greves que, apesar de não terem muito sucesso isoladamente, agiriam como uma escola de guerra dos operários, momento em que esses se preparariam para o grande combate, ou seja, para a destruição da sociedade capitalista.


            As primeiras considerações de Marx sobre os sindicatos encontram-se na Miséria da filosofia, texto em que ele procura demonstrar a falsidade do pensamento de Proudhon, que afirmava serem inúteis os sindicatos e as greves por melhores salários, pois o seu êxito traria como conseqüência a inflação.


            Para Marx, a luta principal a ser protagonizada pela classe operária na sociedade capitalista seria a revolução social, a partir da qual estaria colocada a possibilidade de se alcançar uma sociedade sem exploradores e explorados. Nesse sentido, a luta sindical teria a capacidade de dar uma lição moral aos operários, ensiná-los a agir coletivamente, de forma organizada, conscientes de seu poder enquanto classe que produz a riqueza social. Percebe-se que a visão da luta sindical como escola, presente em Engels, também se encontrava em Marx, que entendia que por meio dessa luta os trabalhadores poderiam avançar em sua consciência de classe e chegar a constituir um partido político próprio da classe operária [4].


            O papel que cabia aos sindicatos, de acordo com o pensador alemão, não era então de pouca importância. Eles serviriam para constituir os operários em classe, organizando-os, educando-os, para a tarefa maior, que seria a revolução social. No entanto, esse movimento político associado à revolução e que Marx considerava de maior importância não poderia ser desvinculado totalmente do movimento social, econômico, pois é a própria luta econômica, sindical, que transforma o proletariado em classe para si.


“As condições econômicas, inicialmente, transformaram a massa do país [se refere à Inglaterra] em trabalhadores [travailleurs]. A dominação do capital criou para essa massa uma situação comum, interesses comuns. Essa massa, pois, é já, ante o capital, uma classe (...) mas ainda não o é para si mesma (...). Na luta que assinalamos algumas fases, essa massa se reúne, se constitui em classe para si mesma (...). Os interesses que defende se tornam interesses de classe. Mas a luta entre classes é uma luta política” [5].


            A luta sindical possibilita que a classe trabalhadora deixe de ser meramente classe em si e se transforme em classe para si na luta contra o capital e os sindicatos. Por sua vez, teria o mérito de agrupar essa massa, fazendo-a mais coesa e, logo, mais forte no embate da luta de classes.


            Tanto Lênin quanto Trotsky seguiam a análise de Marx e Engels e enfatizavam o aspecto educativo dos sindicatos para a classe operária. Para o segundo, os sindicatos, assim como o partido revolucionário, eram importantes para que o proletariado compreendesse a sua missão histórica, ou seja, ser o sujeito social da revolução social – “se o proletariado, como classe, fosse capaz de compreender imediatamente sua tarefa histórica, não seriam necessários nem o partido nem os sindicatos. A revolução teria nascido, simultaneamente, com o proletariado” [6].


            Lênin trazia à tona a definição de Engels a respeito das greves, escola de guerra, mas alertava que elas ainda não seriam a própria guerra, apenas um dos meios da luta operária por sua emancipação [7]. O revolucionário russo fazia uma bela caracterização dos efeitos devastadores de uma greve sobre a sociedade capitalista e mesmo sobre os próprios trabalhadores:


“Toda greve acarreta ao operário grande número de privações, além disso são terríveis que só podem comparar com as calamidades da guerra (...) E apesar de todas essas calamidades, os operários desprezam os que se afastam de seus companheiros e entram em conchavo com o patrão. (...) Amiúde, basta que se declare em greve uma fábrica para que imediatamente comece uma série de greves em muitas outras fábricas. Como é grande a influência moral das greves, como é contagiante a influência que exerce nos operários ver seus companheiros que, embora temporariamente, se transformam de escravos em pessoas com os mesmos direitos dos ricos! Toda greve infunde vigorosamente nos operários a idéia do socialismo: a idéia da luta de toda a classe operária por sua emancipação do jugo do capital” [8].


            Assim, temos que a luta sindical, apesar de limitada, cumpre um papel preponderante no avanço das consciências em direção ao socialismo e à solidariedade de classe. Devemos reconhecer que é impossível observar essas palavras de Lênin e não nos remetermos às greves de fins dos anos setenta no ABC paulista e toda a sua influência país afora, assim como os estragos gerados para a classe dominante brasileira naquele momento.


Limites do sindicalismo.
            Apesar de concordarem sobre a importância dos sindicatos, todos os quatro autores analisados também concordam que a luta sindical tem limites e que não se pode separar a luta econômica da luta política mais geral. Engels, em seu trabalho supracitado, apontava para a pouca eficácia das greves por duas razões em especial. A primeira, pela quebra de solidariedade entre os operários, ocasionada pelos chamados fura-greves, promovida pela concorrência entre eles próprios; e a segunda, pela impotência das trade unions inglesas diante das crises cíclicas da economia capitalista, que geravam diminuição de salários, fechamento de fábricas, greves mais curtas até mesmo em função do esgotamento mais rápido dos fundos sindicais. A prática sindicalista se submeteria totalmente, segundo essa visão, ao movimento do capital.


            As lutas dos sindicatos eram consideradas por Engels como lutas meramente defensivas, em geral lutas locais, de caráter profissional, sem um caráter político propriamente dito, que não mudariam a condição geral da classe proletária, mas apenas de operários de algumas fábricas [9]. Bem diferente para o autor eram as lutas associadas ao movimento cartista, pois esse sim era um movimento político que buscava representar os interesses de toda a classe trabalhadora.


            Os limites do sindicalismo para Marx seguiam uma lógica muito próxima a de Engels. Para o primeiro esses limites estariam postos pela sua natureza essencialmente defensiva, isto é, a luta pela elevação dos salários (ou contra a sua redução) ocorre apenas como decorrência de modificações anteriores postas pelo movimento do capital [10].


            Em Salário, preço e lucro - onde trava uma polêmica com o owenista John Weston, muito semelhante à que havia travado com Proudhon - Marx expõe de forma mais nítida as limitações da luta meramente econômica desenvolvida pelos sindicatos na sociedade capitalista:


“Os operários não devem superestimar o resultado final dessa luta [sindical] quotidiana. Não podem esquecer que lutam contra os efeitos e não contra as causas desses efeitos, que o que fazem é refrear o movimento descendente, mas não alterar o seu rumo; que aplicam paliativos e não a cura da doença (...) Em vez da palavra de ordem conservadora 'um salário justo por um dia de trabalho justo'’ devem inscrever na sua bandeira a palavra de ordem revolucionária: abolição do salariado’”.


E, em outra passagem:


“Os sindicatos atuam com utilidade como centros de resistência às usurpações do capital. Deixam em parte de atingir o seu objetivo quando utilizam a sua força de forma pouco inteligente. No entanto, deixam inteiramente de o atingir, quando se limitam a uma guerra de escaramuças, contra os efeitos do regime existentes, em vez de trabalharem, ao mesmo tempo, para a transformação e servirem-se da sua força organizada como de uma alavanca para a emancipação definitiva da classe trabalhadora, isto é, para a abolição definitiva do sistema de trabalho assalariado” [11].


            As conquistas sindicais não podem iludir a classe trabalhadora a ponto desta minimizar o fato de que não houve mudanças no rumo do sistema de trabalho assalariado e que em pouco tempo essas conquistas já não serão percebidas e novas lutas deverão acontecer para buscar se obter as mesmas vitórias. A importância das organizações sindicais era destacada por Marx, como já salientamos, por impedir o avanço devastador da sanha do capital, porém, enquanto continuassem a lutar somente contra os efeitos do sistema e não efetivamente contra as suas causas, estariam caminhando em círculo e se omitiriam de apresentar uma contribuição mais relevante para a superação do trabalho assalariado.


            Para enfrentar o capital, Marx considerava que os operários deveriam exercer uma ação política geral, fazendo uma pressão constante de fora do âmbito da relação meramente salarial, até porque na luta puramente econômica entre capital e trabalho, o primeiro tende a ser muito mais forte.


            Em um mesmo sentido, Lênin enfatizava que a luta econômica não deveria ser a preocupação exclusiva do movimento operário. Para ele, era equivocado supervalorizar greves vitoriosas porque com as associações profissionais (...) dos operários e com as greves consegue-se apenas, no melhor dos casos, alcançar condições um pouco mais vantajosas para a venda da mercadoria chamada força de trabalho. Essas associações e as greves não podiam ajudar quando a força de trabalho não fosse procurada em virtude da crise econômica, não podiam modificar as condições que convertiam a força de trabalho numa mercadoria e que condenavam as massas trabalhadoras às mais duras privações e desemprego. O que teria o poder de mudar essa situação negativa para o proletariado, na sua visão, era a luta revolucionária contra todo o regime social e político atual [12].


            Para o principal líder da revolução russa, aquilo que os revolucionários afirmavam para a classe operária deveria ser exatamente o oposto do que dizia a burguesia. Enquanto esta tentava iludir o proletariado para que ele centralizasse a sua atenção principal nos sindicatos, os revolucionários preocupavam-se em alertar o proletariado - classe mais avançada e a única revolucionária até as últimas conseqüências - de que não deveria se restringir aos limites econômico-salariais da luta de classes puramente, sobretudo ao aspecto do movimento sindical, mas, pelo contrário, tratar de ampliar os limites e o conteúdo da sua luta de classe até abranger nesses limites não só todas as tarefas da atual revolução democrático-popular russa, como também as tarefas da revolução socialista que há de segui-la [13].


            Nesse sentido, acreditava que a consciência social-democrata, que abrangeria a necessidade da revolução socialista como uma tarefa maior e mais importante do que a luta sindical, só poderia chegar até os operários a partir de fora, ou seja, a partir da influência do partido revolucionário. Isso era corroborado, de acordo com Lênin, pela história de todos os países até então, que demonstrava que pelas próprias forças, a classe operária não poderia chegar senão à consciência sindical, isto é, à convicção de que é preciso unir-se em sindicatos, conduzir a luta contra os patrões, exigir do governo essas ou aquelas leis necessárias aos operários etc. [14].


            Considerando também que o sindicato tem a sua importância, mas, devido às limitações da luta sindical, não passava de um coadjuvante na busca pela superação do trabalho assalariado, na qual o partido revolucionário exerceria o papel principal, Trotsky entendia que as associações sindicais, por seus objetivos, sua composição e o caráter de seu recrutamento, agregando todos que desejassem se organizar sindicalmente, independente da concepção política, não tinham um programa revolucionário acabado e, sendo assim, não poderiam substituir o partido.


            Mesmo os sindicatos mais poderosos, na visão do autor da Revolução Permanente, não abarcariam mais do que vinte ou vinte e cinco por cento da classe operária, predominando, ainda nesse grupo, as camadas mais qualificadas e mais bem pagas. Com isso a maioria mais oprimida do proletariado só era arrastada para a luta episodicamente nos períodos de auge do movimento operário. Tudo isso fazia com que Trotsky concluísse que os sindicatos não são um fim em si mesmos, são apenas meios que devem ser empregados na marcha em direção à revolução proletária [15].


            Ainda para esse autor, historicamente os sindicatos se formaram no período de surgimento e auge do capitalismo tendo por objetivo melhorar a situação material e cultural do proletariado, além de ampliar os seus direitos políticos. Na Inglaterra, por exemplo, ao longo de mais de um século de luta, muitos desses objetivos foram conquistados, o que deu aos sindicatos ingleses uma autoridade tremenda sobre os operários. No entanto, já na década de 1930 o revolucionário russo percebia que a decadência do capitalismo britânico, seguindo a mesma dinâmica do sistema capitalista mundial, havia minado as bases desse trabalho reformista dos sindicatos, pois o capitalismo só conseguia se manter rebaixando o nível de vida dos trabalhadores. Assim, os sindicatos se encontravam numa bifurcação: podem ou bem transformar-se em organizações revolucionárias ou converter-se em auxiliares do capital na crescente exploração dos operários [16]. A segunda hipótese parece ter sido a que se confirmou na quase totalidade dos casos.


            Ao separar a luta econômica, e meramente sindical, da luta política mais geral, a maioria dos sindicatos, ao longo do século XX no Brasil e no mundo, deixaram de cumprir um papel, que apesar de limitado, era e é imprescindível para a luta socialista. A partir da leitura do marxismo clássico, é tarefa dos sindicalistas revolucionários atuais fazer esse balanço e encaminhar ações que procurem pôr em xeque o sistema capitalista como um todo, sem se limitar a lutar meramente contra os seus efeitos, muito embora estes continuem sendo bastante nefastos.


NOTAS:
1. Giovanni Alves. Limites do sindicalismo – crítica da economia política. Bauru, Projeto editorial Práxis, 2003. pp. 331 e 340. 
2. Idem. p. 23.
3. F. Engels. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. Citado por Giovanni Alves. Op. Cit. p. 48.
4. Giovanni Alves. Op. Cit. pp. 231 e 293.
5. Karl Marx. Miséria da filosofia (na edição francesa). Citado por Giovanni Alves. Op. Cit. p. 126.
6. Leon Trotsky. Texto escrito em março de 1923, in: Escritos sobre sindicatos. S.P., Kairós Liv. e edit., 1978. p. 20.
7. Lênin. Texto escrito em 1899, in: Sobre os sindicatos. S.P., Liv. e Ed. Polis, 1979. p. 42.
8. Idem. p. 40.
9. Giovanni Alves. Op. Cit. p. 49.
10. Idem. p. 207.
11. Karl Marx. Salário, preço e lucro. S.P., Global Editora, 1988. pp. 85-86.
12. Lênin. Texto de junho de 1901, in: Op. Cit. p. 45.
13. Lênin. Texto de junho/julho de 1905, in: Op. Cit. p. 76.
14. Lênin. Que fazer? S.P., Hucitec, 1988. p. 24.
15. Leon Trotsky. Programa de Transição. 1ª edição, 1938. S/ ed. s/ data. pp. 13-15.
16. Leon Trotsky. Texto escrito em setembro de 1933, in: Escritos sobre sindicatos. Op. Cit. p. 79.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

FUTEBOL E CAPITALISMO: TUDO A VER!



Teones França, historiador, professor e torcedor fanático do Flamengo

            Nos últimos dias temos visto muitos cronistas esportivos, que se esforçam para se apresentarem com um viés politicamente correto, criticarem a exorbitância dos preços dos ingressos para o jogo entre Flamengo e Atlético PR no Maracanã, pela final de um campeonato nacional, que variam de 250 a 800 Reais. Valor maior do que as entradas para alguns jogos da Copa do Mundo do próximo ano.
            Além de questionarem a diretoria do clube pela ganância do retorno financeiro estupendo em um único jogo esses jornalistas defendem a tese de que o Flamengo é um time de massa e, portanto, tem mais possibilidade de sagrar-se campeão caso possa contar com o grito da favela,  o que se tornará impossível pois a maior parte dos seus torcedores - assim como a quase totalidade da população brasileira - não pode se dar ao luxo de gastar essa quantia numa noite apenas.
            Certamente que trata-se de um preço astronômico para se assistir a um espetáculo de gosto duvidoso e é bem provável que a ausência da massa deixe nesse jogo o rubro-negro carioca órfão de seu verdadeiro torcedor. Contudo, apesar da postura desses dirigentes ser bastante criticável, será que ela é contraditória e absurda numa sociedade capitalista?
            É claro que não. E isso porque no futebol, assim como em qualquer aspecto na nossa sociedade, a regra determinante é a que esteja a serviço da lei da oferta e da procura que, por si, justifica a principal satisfação do capital: o lucro.
            Desde que se tornou um esporte de massa no Brasil, a partir da década de 1930, o futebol caminha lado a lado com a dinâmica de nossa economia capitalista. Como esta veio ao longo dos anos num crescente desenvolvimento, o esporte bretão foi cada vez mais se aliando às regras do mercado. Os cartolas dos times mais populares foram percebendo a mina de dinheiro que tinham nas mãos, fazendo com que a ingenuidade ficasse de uma vez por toda no museu do futebol, como característica de seus anos iniciais. E assim caminhamos até a década de 1990 na qual enquanto um restrito grupo de jogadores tornara-se supervalorizado financeiramente o povão progressivamente tornara-se torcedor de Televisão.
            A tendência é que a cada ano observemos um fenômeno, como o galês Garath Bale, ser vendido por quase cem milhões de euros para um Real Madrid da vida enquanto que ao torcedor brasileiro mais carente seja destinado apenas os jogos de menor importância ou aqueles em que seu time necessite de seu grito nas arquibancadas para ajudá-lo a evitar uma iminente queda à segunda divisão.
            Como explicar (aceitar) que um ser humano valha cem milhões de euros? Ora, um sujeito como esses deixou de ser humano e se tornou uma máquina a qual agrega valor a si própria. Ou seja, o projeto é que cem milhões hoje multiplique-se em outras centenas de milhões amanhã. Sem dúvida que também há os casos de lavagem de dinheiro - também típicos do capitalismo - como os times comprados pelos mafiosos russos ou pelos xeiques árabes. Sendo assim, concluímos que esses times milionários não são montados por paixões clubísticas mas sim como investimentos que deverão render valor bem superior a partir da sua realização. Em resumo, c se tornando c'.
            A ida do povão para casa ver seu time pela TV é algo que avança em nosso país a partir da década de 1990 porque é o momento em que as emissoras, especialmente a Rede Globo, se lançam com mais avidez nesse mercado por compreenderem que o retorno da audiência e, logo, do lucro é líquido e certo. Desde então vimos surgir um novo - e inusitado - horário de futebol: as quartas-feiras depois da novela das nove horas! Estádios cheios nesse horário somente em jogos de grande apelo ou naqueles em que é feito preço promocional. E é pela mesma razão que Corinthians e Flamengo aparecem dia sim, outro também na telinha da Globo.
            Ora, diante disso, quando cronistas esportivos vêm defender a redução do preço do ingresso (cinquenta Reais é barato?) para que o grito da favela seja ouvido nos estádios só podemos considerar hipocrisia ou ingenuidade. É a grana que move esse esporte há bastante tempo aqui e no mundo e isso é algo extremamente compreensível tendo em vista estarmos no contexto de uma sociedade capitalista. (De acordo com a sessão nostálgica de um jornal de grande circulação, há cinquenta anos Garrincha buscava acertar sua ida para o Milan, da Itália, pois precisava "ganhar dinheiro").
            É exemplar que tal debate esteja acontecendo justamente em torno do Flamengo, time em que no início deste ano um grupo de empresários - "bem-sucedidos" em seus ramos, de acordo com a imprensa - assumiu a diretoria do clube e foram saudados de forma festiva por praticamente todos os cronistas esportivos do país pois, segundo estes, a solução para a administração caótica do rubro-negro estava por vir já que esses ótimos empreendedores saberiam muito bem como dirigir o clube da massa. Se há contradição no caso atual dos ingressos inflacionados não é dos que assumiram a diretoria flamenguista, mas sim dos cronistas porque a lógica que está sendo empregada no aumento dos preços é a lógica do mercado, a mesma que é posta em prática, de forma implacável, nas diversas empresas pelo mundo afora.
            Queremos crer que tenha sido apenas ingenuidade quando a maioria dos jornalistas aplaudiram de forma efusiva a posse desses empresários na diretoria do clube carioca como se fossem empreendedores altruístas, melhor dizendo, empresários que vieram fazer o bem para o clube do qual são torcedores. Uma coisa é certa, no mundo do capital não cabe espaço para altruístas, pois a lógica capitalista é perversa e, portanto, contrária a altruísmos.
            Aos que defendem que os bons tempos do futebol brasileiro eram aqueles em que o dinheiro não era determinante, fica o alerta: esse saudosismo é algo que só pode ser imputado ao nosso futebol nas primeiras décadas do século passado e, apesar disso, aquele era um período em que esse esporte nos times de ponta era praticado majoritariamente por setores da elite branca. Quando o futebol tornou-se de massa virou alvo da sanha do capital, assim como tudo e qualquer coisa que possa ser precificável.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Nos 30 anos de vida da CUT por onde andam seus ex-presidentes e o ímpeto inicial da central?

                                                  Teones França , historiador e professor da rede estadual do RJ 

         Fundada em agosto de 1983, como uma culminância das lutas sindicais iniciadas pelos metalúrgicos do ABC paulista em fins dos anos 1970, a Central Única dos Trabalhadores escreveu uma importante página na história do movimento sindical brasileiro, especialmente na década de oitenta, quando protagonizou diversas mobilizações contra o Estado ditatorial, já em seu momento derradeiro, e contra os ataques burgueses aos trabalhadores, ataques que não cessaram com o fim do regime militar.

 Foi justamente naquela década que surgiu – apesar de ter ficado por lá mesmo – o que talvez tenha sido a sua maior contribuição: ser um ponto de referência para os trabalhadores do Brasil, indicando-lhes que muitos inimigos da sua classe social compunham a unidade contra os militares e que, portanto, o fim desse regime significara apenas o começo das jornadas de luta que ainda estavam por vir. Infelizmente, esse caráter classista da central se perdeu ao longo dos anos noventa.

   Apenas seis homens ocuparam até o momento o cargo de presidente da CUT em seus 30 anos de vida. Muitos não sabem, mas a principal expressão do nosso sindicalismo, Luis Inácio Lula da Silva, que tem sua trajetória de militância se confundindo com a da própria CUT, nunca presidiu a central, apesar de em dados momentos ter agido como sua eminência parda.
Lula, sentado ao chão, come entre os participantes do Congresso que fundou a CUT

Componentes da primeira Executiva Nacional da CUT. Entre eles : Jair Meneguelli, 
Paulo Paim (atual senador /PT) e Delúbio Soares (um dos mensaleiros).
Meneguelli, à esquerda, discursa no Congresso de fundação da central.

Vejamos quem são os seis.
 Jair Meneguelli – Metalúrgico do ABC, primeiro presidente da CUT, central da qual esteve à frente entre 1983 e 1994, tendo sido reeleito em duas ocasiões. Atualmente é presidente do Conselho Nacional do Serviço Social da Indústria (Sesi).

Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho – Metalúrgico do ABC. Presidiu a CUT entre 1994 e 2000, tendo sido reeleito uma vez. Hoje é deputado Federal pelo PT.

João Antonio Felício – Professor, foi presidente dessa central entre 2000 e 2003. Atualmente é Secretário de Relações Internacionais da CUT. Tenta tornar-se presidente da Central Sindical Internacional (CSI) em 2014.

Luis Marinho – Metalúrgico do ABC, presidiu a CUT entre 2003 e 2006. Foi Ministro do Trabalho por um período no governo Lula e atualmente é prefeito de São Bernardo do Campo pelo PT.

Arthur Henrique da Silva Santos – eletricitário e sociólogo, foi presidente dessa central entre 2006 e 2012, tendo sido reeleito uma vez. Atualmente coordena o Instituto de Cooperação Internacional da CUT.

Vagner Freitas – bancário. Atual presidente da CUT, eleito em 2012.

   Temos, assim, que uma vez eleito para ocupar o cargo de dirigente máximo dessa central em nível nacional, sua carreira pública torna-se infinita.

   Desses 30 anos da CUT os últimos dez foram marcados pelo aprofundamento de sua relação simbiótica com o PT em função da chegada desse partido à presidência da República. Para muitos a partir de então a central tornou-se chapa branca. Vagner Freitas não enxerga dessa forma, apesar de concordar que a relação cutista com o governo federal mudou após o governo Lula. Segundo ele, isso se deu porque "Lula é fruto da luta da CUT", e tornou-se "o maior exemplo do sindicalismo cutista". Sendo assim, a central não poderia tratar o seu governo, como também o de Dilma, "da mesma forma que o Meneguelli tratou os militares, o Sarney e o Collor, nem como o Vicentinho tratou com FHC". Para Freitas o que explica essa mudança é que "os tempos são outros".

   Entretanto, fica difícil percebermos tanta diferença entre Dilma e FHC quando observamos o leilão da Bacia de Libra realizado pelo governo federal esta semana. Os tempos até podem ser outros mas a sensação de déjà vu torna-se iminente quando agora lembramos do ano de 1995 e do ataque feroz de Fernando Henrique à greve dos petroleiros que tinha como uma de suas bandeiras a defesa do monopólio estatal do petróleo, que chegava ao fim justamente naquele momento.

   Por outro lado, foi fácil percebermos a ausência de faixas e cartazes cutistas, assim como de seus principais dirigentes, nas recentes manifestações contra o leilão de Libra. Se em 1995 a central foi uma das principais articuladoras da luta para que o petróleo brasileiro se mantivesse longe das garras das petrolíferas estrangeiras, em 2013 os poucos discursos de seus dirigentes contra a continuação da entrega das riquezas do subsolo brasileiro foram mera retórica.

sábado, 12 de outubro de 2013

Diretor de escola estadual no RJ: mero agente do governo. Se não é eleito, não me representa!

por Teones França,
 historiador e professor da rede estadual do RJ

         Há pouco mais de quinze anos, quando me tornei docente da Rede Estadual de Educação RJ, ainda pude acompanhar uma época em que se elegiam os diretores das escolas e estes eram representantes legítimos de suas comunidades. Foi uma época que teve início com o período de redemocratização pelo qual passava o país após o fim da ditadura militar, mas que, infelizmente, durou muito pouco.
         A partir da gestão de Anthony Garotinho esses ares mais democráticos foram sendo soprados para bem longe do estado e as eleições para diretores foram suspensas. Esse processo tem se alastrado rapidamente para outras regiões do país. Em Niterói, por exemplo, a chefia das escolas recém-inauguradas pela prefeitura é entregue a indicados do Executivo. Matéria publicada na última semana pelo jornal Folha de São Paulo mostrou que um em cada cinco diretores de escolas públicas no Brasil é posto no cargo por indicação de políticos.
         A recente greve dos profissionais de ensino da rede estadual no Rio de Janeiro - que tem dentre sua pauta de reivindicação a exigência de eleições diretas para a direção dos estabelecimentos escolares - reacende a necessidade desse debate. A sociedade, assim como as próprias escolas, precisam priorizar esse debate, mesmo porque uma das funções primordiais do gestor de escola pública é definir a melhor alocação de verbas, que, em última instância, pertencem ao conjunto da população.
         Antes de analisarmos as atitudes arbitrárias tomadas por governo e diretores no decorrer dessa greve, cabe fazer algumas perguntas para aqueles que vivenciam o cotidiano de uma escola pública, tenha ela diretor eleito pela comunidade ou não: existe, de fato, uma gestão democrática no seu ambiente escolar? O uso que é feito da verba pública no estabelecimento é decidido de maneira conjunta ou apenas pelo diretor? O Projeto Político Pedagógico implementado - se é que há - pela escola é amplamente discutido pelos seus profissionais? Existe autonomia para os docentes ministrarem suas aulas da maneira que considerarem mais adequada ou são orientados (autoritariamente) a seguir currículos pré-estabelecidos pelo governo? Os estudantes são incentivados a se organizarem autonomamente? 
         Acredito que um número ínfimo das escolas públicas em nosso país podem responder positivamente a maioria das perguntas acima. Certamente, esse quantitativo diminuirá bastante se considerarmos apenas a rede estadual do Rio de Janeiro. Sendo assim, creio que já passou da hora de debatermos o real papel de um diretor de escola da rede pública de ensino, dado que a maioria se perpetua no cargo e transforma as escolas em verdadeiros clubes de amigos onde a norma seguida geralmente é: aos amigos, tudo, aos inimigos, a lei.
         Numa luta coletiva, como é a greve, onde projetos de educação distintos se põem a nu, conseguimos separar nitidamente o joio do trigo dentro de uma escola. A que foi deflagrada pelos professores e funcionários do estado no dia 8 de agosto fez surgir certas peculiaridades que merecem ser trazidas à tona para que tenhamos mais elementos disponíveis ao realizarmos esse debate.
         Desde o início do movimento os diretores recebem as ordens do governo por e-mail!!! E respondem, diariamente - e como cordeiros -, a perguntas do tipo: quantos profissionais estão em greve, quais são os seus nomes etc. Assim, não se furtam a entregar ao inimigo (não deles), numa bandeja, a cabeça daqueles que seriam seus colegas de trabalho.
Uma das últimas ordens, ainda mais absurda, não foi dada de modo virtual, mas numa reunião entre representantes governistas e diretores na qual estes foram orientados a pôr no Mapa de Controle de Frequência o código de falta aos que aderem à greve e exercem, assim, um direito que lhes seria concedido pela atual Constituição. A consequência direta de tal atitude será a exoneração por abandono de emprego quando se atingir dez faltas consecutivas. Aos que não estão informados sobre os detalhes dessa categoria, o código de greve foi conquistado por esses trabalhadores numa greve, ainda no primeiro governo Brizola, justamente para evitar qualquer problema desse tipo no exercício da greve.
         Ao que tudo indica, os diretores estão cumprindo à risca tal determinação e para isso, mais uma vez, utilizam-se do falso argumento de que caso não a cumpram serão eles os exonerados. Ademais, não teriam culpa alguma nessa atitude já que apenas cumprem ordens de seus superiores.
Cabe lembrar que muitos nazistas ao final da 2a guerra tentaram ser absolvidos dos seus crimes justificando-os exatamente com esse argumento: apenas cumpriam ordens. Em atitude parecida, os que dirigem as escolas estaduais atualmente - desconheço exceções - acatam cegamente as ordens (que nem chegam às escolas por escrito e assinadas!!!!!), descendo sobre as costas dos profissionais o chicote que lhes é dado pelo Sr. Cabral, submetidos que estão à lógica do faremos tudo que o mestre mandar.
         Como explicar atitudes como estas contra supostos colegas de trabalho? Se ficássemos apenas na superfície, poderíamos acreditar que trata-se do medo de serem exonerados e perderem os trinta dinheiro que ganham de gratificação. Mas, é mais profundo que isso. O cerne da questão é que as direções de escolas, especialmente as da rede estadual RJ, deixaram há muito de serem representantes das suas comunidades para tornarem-se representantes do governo. São testas de ferro, capatazes que cumprem com determinação as ordens de seus superiores.
         É por isso que diminui em profusão as eleições diretas para a escolha de diretores de escolas, pois estes transformaram-se em cargos de confiança dos governantes. Tenho convicção de que esses dirigentes escolares são hoje pontos de apoio do governo espalhados nas milhares escolas (estaduais ou não) contribuindo de maneira categórica para o desmonte da escola pública, para a implementação das políticas privatizantes e da desqualificação da educação. O retorno às eleições pode amenizar esse quadro já que haverá o comprometimento prévio do eleito com a comunidade escolar.
         Atualmente no estado são escolhidos por méritos (!) dentro da lógica da política meritocrática de Cabral. Cabe então a indagação: se um diretor de escola estadual no RJ é escolhido por seus próprios méritos a partir de um concurso, será que é permitido a alguém que seja questionador das políticas antieducacionais desses governantes tornar-se diretor, mesmo que seja um ótimo educador e gestor comprovado em tal concurso? É óbvio que não. Conclusão: dentro dessa lógica, o principal mérito que um aspirante ao cargo de diretor de escola estadual deve ter é o de ser subserviente ao governo de plantão.
         Diante do exposto, creio que não há mais a menor possibilidade de continuarmos a considerar um diretor de escola como um profissional da educação. Ele deixou de ser um integrante dessa categoria e passou para o outro lado da trincheira exercendo a tarefa de gestor do caos implementado pelos governantes dentro da escola pública. Se assim o é, os que compõe o exército dos trabalhadores em educação devem compreender que além do combate ao inimigo externo à escola terão também que combater o inimigo interno. Portanto, na sua luta em defesa de uma educação pública de qualidade e de melhores condições de trabalho terão que batalhar em duas frentes e, da mesma forma que apontam a artilharia de seu exército para os governos, terão que igualmente apontá-la para o Gabinete do Diretor.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Repúdio à parcialidade da imprensa burguesa na greve da educação RJ! Em defesa das organizações dos trabalhadores!

por Teones França, 
Historiador e professor da rede estadual de educação do RJ.

A greve dos profissionais de educação do Rio de Janeiro tem demonstrado, principalmente através das massivas ações de rua, que as jornadas de junho têm continuidade. Por isso, os veículos da grande imprensa estão voltando suas baterias contra o movimento num claro objetivo de enfraquecê-lo e impedi-lo de obter o apoio da sociedade, tendo em vista que até artistas globais fazem uso das redes sociais para manifestar solidariedade aos profissionais em luta.

O jornal O Globo é um exemplo da cobertura parcial que a imprensa burguesa faz desse movimento. Tal tabloide, que dias atrás conseguiu bastante repercussão ao realizar autocrítica de sua postura conivente junto à ditadura militar no Brasil, segue dando mostras de que não reviu suas práticas e permanece de braços dados com os donos do poder mantendo-se como caixa de ressonância dos projetos que visam a manutenção da ordem do capital.

Entretanto, no dia 3 de outubro último, O Globo não fez nem questão de tentar esconder suas garras afiadas contra as mobilizações dos trabalhadores da educação carioca ao buscar associar a luta (legítima) desses profissionais a radicalismos de partidos de esquerda, PSOL e PSTU, que não aceitaram a razoável proposta apresentada por Paes porque têm como "prioridade enfrentar a aliança partidária no poder no estado e na prefeitura".

Nem o governo foi tão enfático ao defender sua proposta que, de acordo com o editorial do jornal, teve o mérito de melhorar os salários e a progressão na carreira dos professores. No entanto, os editores esqueceram-se de fazer menção à ausência, na proposta de Paes, de qualquer melhoria para os funcionários das escolas, além de também se esquecerem de dar aos grevistas o direito da argumentação em contrário.

Mas, isso não é tudo. Após praticamente considerar os educadores como idiotas, ao afirmar que são "historicamente uma massa de manobra política", o jornal acusa o Sindicatos dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro (SEPE) de servir como "trampolim político para militantes", pois , apesar de "em seu estatuto se declarar independente de partidos políticos, sua diretoria central inclui várias pessoas que já disputaram cargos políticos e que militam em siglas como PSTU".

Mesmo que saibamos que o jornal burguês cumpre apenas o seu papel de defesa dos interesses de sua classe e, portanto, não somos ingênuos a ponto de esperarmos o apoio de tal imprensa à luta dos trabalhadores, é necessário repudiar essas críticas já que elas visam atacar diretamente organizações da classe trabalhadora.

Antes de tudo é importante reconhecer que os movimentos sociais devem ser apartidários, contudo não são, de maneira alguma, apolíticos. Sendo assim é justo que qualquer militante desses movimentos tenha o direito de se filiar ao partido político que lhe convier, da mesma maneira que queira ver seu partido crescer. O que deve ser inadmissível para qualquer sindicalista vinculado ao SEPE (assim como o é para os militantes sérios em todas as áreas dos movimentos sociais) é que o sindicato, enquanto instituição, disponibilize o seu aparato para a construção de determinado partido político. E isso, certamente, não é o que se observa quando analisamos de maneira imparcial a história de mais de três décadas dessa instituição sindical.

No mesmo sentido, é direito de todos que militam nos movimentos sociais e que enxergam a sociedade com as lentes da luta de classes se apresentar como alternativa num processo eleitoral para a sua própria classe social. Se não, vejamos: que lógica há num sindicalista que participa de greves, às vezes por meses a cada ano, lutando contra os ataques dos governos e dos patrões, em épocas de eleições parlamentares fazer campanha e votar nos candidatos ligados aos governos e aos patrões ou que defendam as políticas destes? Qual é o crime cometido pelos sindicalistas que nas eleições para deputado, prefeito etc. se apresentam como alternativa eleitoral para os seus pares, ou seja, os trabalhadores?

Ora, se concordarmos então que um trabalhador tenha o direito a se pôr como opção no jogo eleitoral (burguês, diga-se de passagem) temos que nos perguntar quais são os melhores nomes para cumprir essa tarefa. Não há dúvida de que os melhores candidatos são os mais conhecidos, que podem, por isso, ter mais público para ouvir suas propostas. E dentre estes estão os dirigentes sindicais. Como os candidatos do campo dos trabalhadores já não possuem dinheiro suficiente para competir com as campanhas milionárias patrocinadas pela burguesia, se ainda forem totalmente desconhecidos de seus possíveis eleitores tornam-se anticandidatos em potencial.

Podemos apontar alguns aspectos que estão por trás dessa visão burguesa maniqueísta. Em primeiro lugar, há a intenção mais imediata de enfraquecer a greve dos profissionais da educação, e que já dura, heroicamente, mais de dois meses. Junto a isso está o ataque desferido às organizações dos trabalhadores aproveitando o momento oportuno para desqualificá-las perante à sociedade. E, por fim, de forma indireta, revela-se a ideia preconceituosa de que o trabalhador serve apenas para executar tarefas e não possui virtudes para legislar ou governar, pois para se qualificar a exercer essas tarefas deve-se possuir, no mínimo, curso superior, apresentar-se bem engomadinho, de terno e gravata etc., o que está distante da realidade da maioria dos trabalhadores em nosso país.

Nessa mesma edição de O Globo já citada percebemos que a ira desse órgão de imprensa não se estende a todo sindicalismo, mas apenas àquele que apresente uma feição mais combativa. Assim, lemos que o SEPE perdeu na Justiça o direito de ser a organização representativa dos profissionais da educação do estado do Rio de Janeiro para uma outra instituição sindical que, sem dúvida, deve ser merecedora de elogios por parte desse jornal já que, como bem sabemos, possui uma prática sindical que se limita a ações judiciais e é avessa às ações mais diretas. A greve da educação carioca, com assembleias que chegaram a contar quinze mil pessoas e atividades de rua com a presença de números bem parecidos, responde por si qual é a entidade sindical mais representativa para esses profissionais.

Ironicamente, no bojo dos ataques implementados pelo jornal a esses militantes no dia 3 de outubro é indicado, por ele próprio, a importância de um sindicato como o SEPE para a classe trabalhadora brasileira na atual conjuntura: "o SEPE se radicalizou e, hoje, não está mais sob a influência direta do PT".

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Somos todos professores! Contra a ditadura de Paes e Cabral!

por Teones França, 
historiador e professor da rede estadual do RJ


O PMDB surgiu no início da década de 1980 como extensão do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), sigla esta que agregava os que se opunham ao regime militar pela via legal. Hoje é uma legenda que expressa muito bem o caráter clientelista da maioria dos partidos no Brasil que se mantêm na base do toma-á-dá-cá. Em nível nacional abriga nomes como José Sarney, Renan Calheiros e Michel Temer. No Rio de Janeiro é a sigla dos governantes Eduardo Paes e Sergio Cabral e contam em seus governos com o apoio do PT, partido da presidente, numa relação tão simbiótica que já se especula que o governador ganhará um ministério em Brasília no futuro próximo.

Uma das grandes glórias que o PMDB reivindica para si é a de ter sido um dos principais articuladores na feitura da atual Constituição brasileira, promulgada em 1988 e personificada na figura daquele que até hoje é a maior expressão desse partido: Ulysses Guimarães. Tal Carta está completando 25 anos, o que para muitos intelectuais é a constatação do amadurecimento da democracia em nosso país, pois nela constariam avanços democráticos importantes, como o direito de greve.

Entretanto, nessas duas décadas e meia contabilizamos muitos movimentos grevistas que tiveram suas manifestações surpreendidas por golpes de cassetetes desferidos por policiais sob a falaciosa justificativa da manutenção da ordem (leia-se ordem do capital). É comum também nessas ocasiões, além da violência física, o corte de ponto dos grevistas, muitas das vezes com o beneplácito da Justiça do Trabalho. Na verdade isso corrobora o que já sabemos há muito tempo: muitas das leis contidas na legislação brasileira são meramente letras mortas.

No recente movimento grevista dos professores do Rio de Janeiro temos visto – assim como já havíamos visto nas manifestações de junho passado – mais um ato desse espetáculo arbitrário que em nada deixa a dever aos anos de chumbo da ditadura militar.

Um observador estrangeiro que sentou em frente à sua TV nos últimos dias para assistir ao Jornal Nacional e, na sequência de uma matéria otimista sobre as bodas de prata da Constituição com a nossa sociedade, certamente estarreceu-se com as imagens que apresentavam policiais fardados despejando gás de pimenta nos olhos de professores, como se estivessem borrifando água em simples plantas, e utilizando seus cassetetes tal qual a espancar assassinos cruéis. Inevitavelmente questionou: o que esse povo festeja no vigésimo quinto aniversário de uma Constituição se ela não garante o direito de greve e manifestação aos trabalhadores?

De fato, Cabral e Paes (nome que soa bastante irônico neste momento) desempenham tão bem o papel de carrascos dos movimentos sociais que deixam os Bolsonaros pouco saudosos dos generais de outrora.

Felizmente, professores e funcionários das escolas públicas do Rio de Janeiro, não se curvando a esses carrascos, demonstram que têm a exata noção de que somente a luta muda a vida e estão nos dando uma verdadeira aula, não em salas fechadas, mas nas ruas, nas praças, no peito e na raça.

Àqueles que questionam esse movimento com a argumentação de que ele prejudica os alunos, cabe dizer que essa greve, além de já ter se configurado em um grande ensinamento prático à juventude indicando que no Brasil direitos só são conquistados na marra, ela é fruto da falta de estrutura e descaso do poder público com a educação e seus servidores.

Ela (a greve) é, inclusive, resultado da falta de resignação dos educadores com os prejuízos sofridos pelos alunos diariamente nas escolas ao longo de tantos (des)governos. Prejuízos que foram agravados nas gestões de Paes e Cabral.

É difícil que consideremos como ganho para o alunado ter um professor especializado em um conteúdo lhe ministrando aulas de outras matérias para as quais ele não foi preparado. No estado, isso já acontece há anos com o Projeto Autonomia que transfere dinheiro público para os cofres da Fundação Roberto Marinho (!).
Pouco provável também é que ideias advindas do mundo fabril, como os modelos de gestão baseados na lógica da produtividade, possam funcionar de maneira adequada dentro das escolas.

Contudo, tiranos não costumam fazer autocrítica e creem que o mais fácil é se eximir da culpa apontando o dedo acusatório para outrem. Assim, os governos vêm culpando há tempos os professores pelo fracasso da educação no país. Nesse bojo é que se divulgam as políticas baseadas na meritocracia, defendidas pelos governantes do Rio de Janeiro, já espalhadas pelo país afora e que só recebe elogios da mídia ligada ao capital.

O cerne dessas politicas é perverso: a ideia liberal de que o mais bem preparado deve ganhar mais, sem que antes discutamos as condições prévias desiguais de preparo para cada um.

Acontece que isso é apenas uma nuvem de fumaça já que a maioria da nossa sociedade aceita bem a ideia de que o melhor deve sempre sobressair e uma parte da categoria veja nisso uma chance imediata de melhorar seu nível salarial. Porém, é uma lógica falsa já que é improvável que os educadores de gabinete dos governos consigam aferir de maneira profícua os méritos de cada professor a partir do resultado de poucas avaliações realizadas pelos alunos. Outros tantos fatores (situação socioeconômica, acúmulo prévio de conhecimentos, estrutura escolar etc.) interferem no bom ou mau desempenho nessas avaliações e, portanto, a conduta do professor em sala de aula é apenas mais um elemento.

Na realidade, mérito é algo que professores e funcionários de escolas públicas no Brasil têm de sobra, pois além de serem concursados, enfrentam condições de trabalho precárias e nem por isso se eximem em superar os obstáculos, que são muitos.

Paes e Cabral, por sua vez, é que demonstram não terem mérito algum para ocuparem o cargo em que se encontram. Mau uso da verba pública, utilização do patrimônio público em benefício próprio, favorecimento a compadres são exemplos de conduta pouco ilibada associada a eles pelos próprios veículos de imprensa que hoje os defendem. No meio de um movimento grevista legítimo, entre a persuasão e a força optam sempre pela segunda, assim como fizeram e fazem qualquer ditador comum.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Veja matéria sobre o livro “Sou Memória, sou Cubango: recanto da raça negra – letramento, samba e fé”

Memorial Roberto Silveira recebe lançamento do livro sobre o bairro Cubango
20.09.2013 | 5:47 pm
Professor Teones França com os alunos da Escola Estadual Dr. Memória

O Centro de Memória da História e Literatura Fluminense – Memorial Roberto Silveira recebeu na tarde desta quinta-feira (19) o lançamento do livro “Sou Memória, sou Cubango: recanto da raça negra – letramento, samba e fé” (Editora iVentura), dos escritores Fernanda Santos e Teones França. Financiado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), a obra de 101 páginas é um passeio pela história do bairro do Cubango, Zona Norte de Niterói, destacando seus patrimônios históricos e culturais, como a centenária Capela de Santo Expedito, a tradicional escola de samba Acadêmicos do Cubango, o sincretismo religioso influenciado pela raça negra e a Escola Estadual Dr. Memória, da qual os autores do livro são docentes. E foi justamente através da escola que a ideia do livro surgiu.
”Tudo começou há cinco anos atrás, quando começamos um trabalho para resgatar a história da Escola Estadual Dr. Memória, que ano que vem completa 70 anos. Porém, percebemos que os moradores mais antigos da região tinham mais a falar do bairro em si. Então descobrimos muitas histórias interessantes do local que mereciam ser contadas em um livro. Um dos objetivos do livro é resgatar o orgulho do morador do Cubango”, contou Teones à equipe de comunicação da Fundação Municipal de Educação (FME).
Durante o evento, o escritor ministrou uma palestra aos alunos e professores para falar um pouco mais do livro e do bairro. Outro fator que impulsionou o projeto é o que ele chama de “diminuição do Cubango”.
“Fizemos um estudo e descobrimos que o bairro vem diminuindo ano após ano. Se antes ele começava no Largo do Marrão e ia até a Alameda São Boaventura, no Fonseca hoje ele é constituído basicamente entre dois quarteirões. Isso se deve à especulação imobiliária, pois as grandes empreiteiras não querem associar seus empreendimentos a um lugar cercado por morros. O Cubango só é visto de forma positiva apenas um dia no ano: quando a escola de samba desfila. No restante do ano é um bairro é associado à violência. Nosso objetivo é quebrar essa visão”, concluiu.
Nascido e criado no local, o também escritor Antônio Soares, autor do livro “Às margens plácidas do Rio Calimbá”, que conta histórias de sua infância no bairro, prestigiou o lançamento. Para ele, o livro de Teones e Fernanda é um desdobramento da sua obra.
”É um livro extraordinário, que traz uma riqueza de detalhes e conta facetas do Cubango que eu não abordei”.
         O livro, que não está à venda por ter sido financiado pelo FNDE, será distribuído aos estudantes das escolas municipais da cidade, em uma tiragem inicial de 1000 exemplares. Ao final, Teones França dedicou o livrou às famílias das vítimas do deslizamento no Morro do Bumba, em abril de 2010.
       
Teones destaca a importância da valorização do bairro do Cubango
         
        Texto e Fotos: Magno Navarro

sábado, 28 de setembro de 2013

Áudio do Programa Censura Livre sobre o livro "Novo sindicalismo - História de uma desconstrução".

Áudio do Programa Censura Livre de 21-09-2013, com a presença de Teones França, historiador. O tema principal foi "Novo sindicalismo - História de uma desconstrução", sobre as transformações sofridas pelo sindicalismo surgido em fins dos anos 1970 no ABC paulista.


sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Livro “Novo sindicalismo no Brasil – histórico de uma desconstrução”.


         Esse livro, publicado pela editora Cortez em 2013, busca desconstruir a propalada crise do sindicalismo que surgiu em fins da década de setenta do século passado se autointitulando como “novo”. Se esse sindicalismo – que talvez tenha tido sua máxima personificação na figura de Luis Inácio da Silva – tinha em seu nascedouro uma postura extremamente crítica ao Estado e aos setores patronais brasileiros, chegando até mesmo a levantar bandeira pelo socialismo, adentra os anos 1990 adotando uma prática bastante diversa, privilegiando a conciliação.
         É justamente quanto a essa mudança de postura que o livro procura apontar caminhos que possam elucidá-la melhor, partindo das análises e diferentes visões das principais correntes sindicais que no período entre 1988 e 2000 compunham a Central Sindical que melhor expressou esse novo sindicalismo, a CUT, sobre as recentes transformações na produção, que chega ao Brasil a partir do governo de Collor de Melo e sobre a gradativa institucionalização dessa Central à ordem vigente.
         Esse retorno ao passado recente permite-nos também verificarmos a gestação de certas propostas políticas que serão colocadas em prática pelo Executivo brasileiro nos últimos dez anos de governo petista.

         Abaixo, a orelha e a apresentação do livro escritas, respectivamente, pelos professores Marcelo Badaró (UFF) e Ricardo Antunes (Unicamp):

          Transcorridas três décadas depois do nascimento do novo sindicalismo no Brasil, cujo marco pode ser datado com a criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1983, muitas foram as suas metamorfoses e mutações. O projeto inicial estruturado com base no sindicalismo de classe, autônomo em relação à estrutura sindical e independente em relação ao ideário dominante, deu lugar a algo que, em muitas de suas dimensões, é quase o seu oposto.
         Preservou-se muito da velha estrutura sindical atrelada ao estado, com sua feição burocratizada e cada vez mais verticalizada; manteve-se sua dependência em relação às verbas estatais (como o imposto sindical e FATs), para não falar da sua conversão em participes dos fundos de pensão e seu mercado de capitais.
         Um sindicalismo negocial, cada vez mais baseado nas parcerias, acabou, finalmente, tornando-se dominante. Foi exatamente para procurar auxiliar na compreensão deste fenômeno que Teones França oferece o seu livro NOVO SINDICALISMO NO BRASIL: histórico de uma desconstrução.
         Voltar “ao passado e tentar encontrar pistas para a explicação de indagações postas pelo presente” foi, como diz o autor, seu objetivo primeiro. Empreitada necessária para todo/as que querem fazer florescer outro tipo de sindicalismo.
Ricardo Antunes (Prof. da Unicamp).

        Aqueles que como eu conheceram o sindicalismo brasileiro nos anos 1980 acostumaram-se a ver um polo mais combativo, com um discurso fortemente marcado pela defesa da autonomia de classe perante o Estado e os interesses patronais. Aquele polo, responsável por milhares de greves, tinha uma direção claramente identificada na CUT. Isso deve ser difícil de acreditar para um observador que só tenha sido apresentado ao sindicalismo cutista nestes nossos tempos de comportamento “colaborativo” com o governo e os patrões. O livro de Teones França é uma leitura obrigatória para quem quer entender as razões de tal contraste. Das condições materiais da chamada reestruturação produtiva, aos fatores da subjetividade política das lideranças que explicam a mudança nas relações com o Estado, sem descuidar dos referenciais que o ajudam a entender o potencial e os limites do sindicalismo, Teones nos apresenta um roteiro fundamental para compreendermos para onde foi o novo sindicalismo.

Marcelo Badaró Mattos (prof. da UFF).

História e mundo do trabalho: teoria, debates e práxis marxistas.

            
          
           Nos últimos anos a luta de classes mundial tem dado mostras de que é cada vez mais necessária a unidade no campo da ação dos movimentos sociais identificados com a proposta socialista e que sigam acreditando na necessidade/possibilidade de uma sociedade para além do capital.
         As mobilizações recentes na Espanha, Turquia, Grécia, no mundo árabe e mesmo no Brasil têm apontado nesse caminho, ou seja, apesar de suas lutas específicas, trabalhadores, estudantes e movimento popular precisam caminhar unidos na defesa de reivindicações mais amplas e anticapitalistas.
         O blog “História e Mundo do trabalho” origina-se dessa perspectiva principal, objetivando ser um lócus que propicie o debate para intelectuais e ativistas de todos os movimentos sociais que enxerguem a sociedade a partir do referencial marxista, entendendo que a luta de classes ainda é o motor impulsionador das transformações sociais.
         Enfim, é mais um canal para ser utilizado por aqueles que norteiem sua práxis tendo em vista a organização da classe trabalhadora e a construção de um mundo socialista.