Temas-tabus
A intenção é neste espaço debatermos de maneira
direta temas-tabus que a sociedade brasileira enxerga de maneira extremamente
conservadora. Pesquisa divulgada pelo Ibope no dia 3 de setembro último
apresenta alguns dados bem interessantes: 79% dos brasileiros são contra a
legalização do aborto; mesmo índice de pessoas contrárias à legalização da maconha;
53% são contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo; enquanto que 83%
posicionam-se favoravelmente à diminuição da maioridade penal para 16 anos.
Três desses quatro índices apontam resultados acachapantes e que demonstram um
posicionamento nítido da população do país no que se refere a esses temas.
PARTE I: LEGALIZAÇÃO DO ABORTO
Nas últimas semanas acompanhamos estarrecidos os casos
de duas moradoras do Rio de Janeiro que tiveram suas vidas interrompidas quando
tentaram realizar um aborto numa das muitas clínicas clandestinas espalhadas
pelo nosso estado. Mesmo em cidades distintas elas padeceram da mesma tragédia:
morreram no meio do procedimento cirúrgico e seus corpos foram abandonados na
rua. Uma delas só foi identificada após exame de DNA já que seu corpo foi
encontrado carbonizado.
Parece mentira, mas situações como essas são comuns,
simplesmente porque o aborto é considerado crime de acordo com o Código Penal
brasileiro. Sendo assim, clínicas clandestinas como as que receberam essas duas
vítimas, além de não darem a assistência médica devida não titubeiam entre as
opções de serem criminalizados ou abandonarem o corpo em via pública. As leis
brasileiras entendem que o aborto só deve ser permitido em caso de estupro ou
de morte iminente da mãe. No entanto, essa regra só tem validade para as
mulheres pobres porque, para aquelas que têm dinheiro, a interrupção da
gravidez pode ser realizada numa clínica que, apesar de clandestina, possui
estrutura e profissionais adequados para realizar procedimentos cirúrgicos
seguros. Em geral, a relação entre custo e certeza de uma boa cirurgia é
diretamente proporcional.
Segundo um estudo realizado pela Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, apenas em 2013 foram realizados cerca de 865 mil
procedimentos ilegais de interrupção de gravidez. Anualmente, a rede pública de
saúde tem aproximadamente 250 mil internações em decorrência de complicações
pós-abortamento. É a 5ª causa de mortalidade materna! Certamente que a maioria
é de mulheres pobres, sendo que muitas delas, meninas com idade entre dez e
catorze anos. Portanto, antes de ser considerado crime a questão do aborto no
Brasil deveria ser considerada um caso de saúde pública já que é algo que
acontece de maneira recorrente, em grande quantidade e causa um sério impacto
para a saúde da população.
Não resta dúvida que é um tema bastante controverso
e, por isso, há diversas opiniões a respeito. De acordo com o médico e escritor
Dráuzio Varela, é possível identificarmos três linhas de pensamento coletivo
sobre o tema. Há os que são contra a interrupção da gravidez em qualquer fase
por entenderem que a alma se instala no momento da fecundação e, assim,
independentemente do tempo de gestação o produto conceptual já é sagrado. Há
também os que acreditam que até o terceiro mês de gravidez o feto apresenta um
mínimo de atividade mental ou consciência e até esse momento o aborto deve ser
autorizado. Por fim, existe o grupo mais pragmático e com pensamento menos
religioso que entende que se os abortos acontecerão de qualquer maneira mesmo,
proibidos ou não, melhor que sejam realizados por médicos e no início da gravidez.
Como atestam a existência dos dois primeiros grupos,
a religião está no centro desse debate. Se, de um lado, temos ainda o
posicionamento arcaico da cúpula da Igreja Católica em recomendar a seus fiéis
a não adoção de métodos anticonceptivos, do outro, observamos todo o poder que
possui a bancada evangélica no Congresso Nacional que impede a aprovação de
qualquer lei que descriminalize o aborto no Brasil, mesmo que não o torne
legalizado. Tudo sempre feito supostamente em nome da vida e da responsabilização
da mulher sobre seu corpo.
Na realidade, não há quem possa ser a favor do
aborto, mesmo as mulheres que já passaram por esse procedimento. Quem defende a
sua legalização apenas quer impedir que mais mulheres morram nesses
“matadouros” clandestinos.
Para concluir este texto, Dráuzio Varela tem mais
gabarito no assunto: “não há
princípios morais ou filosóficos que justifiquem o sofrimento e morte de tantas
meninas e mães de famílias de baixa renda no Brasil. É fácil proibir o
abortamento, enquanto esperamos o consenso de todos os brasileiros a respeito
do instante em que a alma se instala num agrupamento de células embrionárias,
quando quem está morrendo são as filhas dos outros”.
Temas-tabu
(2)
Seguindo com a intenção de utilizar este espaço para
debatermos de maneira direta temas-tabus que a sociedade brasileira enxerga de
maneira extremamente conservadora. Pesquisa divulgada pelo Ibope no dia 3 de
setembro último apresenta alguns dados bem interessantes: 79% dos brasileiros
são contra a legalização do aborto; mesmo índice de pessoas contrárias à
legalização da maconha; 53% são contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo;
enquanto que 83% posicionam-se favoravelmente à diminuição da maioridade penal
para 16 anos. No texto anterior analisamos a questão da legalização do aborto.
Agora, na parte II discutiremos a questão do casamento entre pessoas do mesmo
sexo.
PARTE II: O casamento entre pessoas do mesmo sexo
É cada vez
mais comum nas novelas da principal emissora de TV brasileira encontrar
personagens homossexuais. Se os primeiros eram caricatos e se caracterizavam a
partir dos estereótipos que constituem os gays para a maioria das pessoas –
afeminados, rebolativos, com voz feminina e roupas extravagantes –, alguns dos
mais recentes personagens expressam sua homossexualidade somente no âmbito de
sua vida privada. Essa mudança denota claramente a tentativa dos autores desses
folhetins em despertar nas pessoas uma nova forma de pensar a respeito desse
assunto, visando a diminuição do preconceito contra aqueles que se sentem
atraídos por pessoas do mesmo sexo.
Parcela
considerável de brasileiros se considera agredida por esses personagens e entende
que as novelas estão cumprindo um desserviço ao nosso meio social influenciando
jovens a se tornarem gays. Porém, naturalizar a homossexualidade nos veículos
de comunicação, não a escondendo debaixo do tapete, pode contribuir bastante
para que várias vidas sejam salvas já que os homossexuais constituem um dos
grupos que mais sofrem violência em nosso país. De acordo com a Secretaria
Nacional de Direitos Humanos, a cada hora um gay é agredido fisicamente no
Brasil.
O casamento
entre pessoas do mesmo sexo deve ser debatido nesse contexto. Além de expressar
o amor contido na união de duas pessoas o casamento homossexual é antes de
qualquer coisa um ato político que visa estimular outros casais a fazerem o
mesmo e fortalecer a luta dos gays pela ampliação de seus direitos. Não nos
esqueçamos que, segundo pesquisa recente, 53% dos brasileiros não concordam com
o casamento gay.
Foi esse o
motivo principal que fez com que no mês de novembro último fosse realizado no
Rio de Janeiro o maior casamento homoafetivo do planeta com 160 uniões e uma
festa para mais de 1500 convidados. Os organizadores do evento esperam contar
com o apoio do governo estadual para realizar o próximo no Maracanã, com 300
casais.
Pelo menos
22 países do mundo já realizam casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Entre
eles estão: Holanda, França, Inglaterra, Portugal, Espanha, Argentina e
Uruguai. Nos Estados Unidos, em alguns estados também são realizadas as uniões.
Alguns países, inclusive, até adaptaram esse direito em sua Constituição.
No Brasil, em 2011, o Supremo Tribunal
Federal reconheceu o casamento entre pessoas do mesmo sexo como entidade
familiar por analogia à união estável. As uniões passaram a ocorrer em doze
estados: Alagoas, Sergipe, Espírito Santo,
Bahia, Piauí, São Paulo, Ceará, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rondônia, Santa
Catarina e Paraíba, além do Distrito Federal. No Rio de Janeiro, apesar de o
Tribunal de Justiça ter diminuído a burocracia, ainda ficava a cargo de cada
juiz decidir sobre os pedidos. Dois anos depois, no entanto, o
Conselho Nacional de Justiça não apenas obrigou todos os cartórios do país a
cumprirem a decisão do STF como também obrigou a conversão da união estável em
casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Ao contrário da união estável, o
casamento civil, por ser um contrato formal, concede mais direitos aos casados,
tanto em vida quanto após a morte de um dos cônjuges.
Diante
disso é salutar que indaguemos: por que as deliberações sobre esse tema vêm
sempre do Poder Judiciário e, além do mais, por que dois anos após a primeira
decisão nossos magistrados tiveram que agir de maneira mais contundente?
Simplesmente
porque o Poder Legislativo sucumbe às pressões dos setores mais conservadores
e, por isso, não há uma lei no Brasil que autorize o casamento gay. Sendo
assim, muitos cartórios, sob essa alegação, se negavam a realizar a união. Há
quase dez anos a então deputada Marta Suplicy apresentou um projeto no
Congresso Nacional que se propunha a regularizar a união civil entre pessoas do
mesmo sexo. No entanto, esse projeto não somente está engavetado, como há outro
em tramitação que defende restringir o conceito de família apenas aos casais
formados por homem e mulher.
O argumento
de que duas pessoas do mesmo sexo não podem constituir uma família parece ser a
justificativa principal daqueles que são contrários ao casamento homoafetivo,
além, é claro, da questão religiosa – que sempre permeia essas ideias
conservadoras – e de todo preconceito desferido contra o homossexual. E, assim,
valores tradicionais, como a família, continuam sendo postos acima do maior
valor que pode existir numa relação entre dois seres humanos: o amor.
Temas-tabu
(3)
Seguindo na lógica de utilizarmos este espaço para
debatermos de maneira direta temas-tabus que a sociedade brasileira enxerga de
maneira extremamente conservadora. Pesquisa divulgada pelo Ibope no dia 3 de
setembro último apresenta alguns dados bem interessantes: 79% dos brasileiros
são contra a legalização do aborto; mesmo índice de pessoas contrárias à
legalização da maconha; 53% são contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo;
enquanto que 83% posicionam-se favoravelmente à diminuição da maioridade penal
para 16 anos. Já debatemos sobre o aborto e o casamento homoafetivo; a idéia
agora é discutirmos a legalização da maconha.
PARTE III: A legalização da maconha
“Legalize
já, legalize já! Porque uma
erva natural não pode te prejudicar”.
Já se foi o tempo em que o grupo de rock Planet Hemp
defendia praticamente sozinho, e em público, esses versos. Há 20 anos quando
gravavam “Legalize já!” essa ideia não possuía ainda a adesão atual. Hoje, no meio
científico, e até entre as pessoas comuns, cresce a cada dia o número de
defensores da legalização da maconha. A erva vem deixando, assim, de ser bem
vista apenas por aqueles que gostam de “fazer a cabeça”.
A cannabis (nome científico da maconha) era
amplamente utilizada em regiões da Ásia há mais de 5 mil anos como tratamento
para diversas doenças. No século 19 era comum médicos venderem-na. Entretanto,
uma convenção da ONU, realizada em 1961, proibiu seu uso mundialmente por
considerá-la uma substância entorpecente.
Nas últimas décadas começaram a se intensificar os
estudos que apresentam os benefícios medicinais da maconha e a discussão sobre
a sua legalização ressurgiu com muita força em diversas partes do mundo. A
maioria dos países ainda não aceita o uso recreativo da erva, mas ano após ano
aumenta o número dos que concordam em utilizar as substâncias químicas, como o
THC e o canabidiol (CBD), presentes na cannabis, para o tratamento de diversas
doenças e fabricação de remédios.
Segundo os estudos a planta pode até não curar, mas
tem o poder de retardar o avanço de doenças, controlar sintomas e complementar
os tratamentos convencionais dos seguintes males: AIDS, hepatite C, epilepsia,
Alzheimer, Parkinson, glaucoma, insônia, esclerose múltipla, asma, artrite
reumatoide, síndrome de Tourette e doença de Crohn. No caso do câncer, a
maconha seria útil para aliviar os efeitos colaterais da quimioterapia.
Entre Israel, que foi o primeiro país do mundo a
legalizar o uso médico da planta, e o Uruguai, que foi o último, vários outros
já puseram, de forma diferenciada, em suas legislações a utilização da maconha
para esses fins. Dentre eles: Canadá, Chile, Itália, Bélgica, Inglaterra,
Espanha, Holanda e diversos estados norte-americanos.
De acordo com pesquisa recente, 79% dos brasileiros
são contrários à legalização da maconha. Esse debate esquentou este ano por
aqui quando se tornou público o caso da menina Anny, de 5 anos, portadora de
uma rara síndrome genética que a levava a ter até 80 crises de convulsões
epiléticas por semana. Ao usar um óleo à base de CBD, sem qualquer efeito
entorpecente, teve suas crises zeradas em poucas semanas. A substância havia
sido comprada pelos pais em um laboratório dos Estados Unidos e enviada ao
Brasil ilegalmente, mas a remessa seguinte foi retida pela Polícia Federal,
pois derivados da maconha são proibidos pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA). Resultado: as crises retornaram. Após muita briga, na
Justiça e em público, a família conseguiu uma ordem judicial e Anny tornou-se a
primeira paciente brasileira a ter autorização para importar um medicamento à
base de maconha.
A situação, no entanto, talvez esteja começando a
mudar. Em outubro último, uma Comissão do Senado aprovou um relatório que
permite a importação de derivados da maconha para pacientes de doenças graves e
especifica melhor a diferenciação entre usuário e traficante de drogas. No
entanto, até ser aprovado no Congresso o relatório ainda percorrerá um longo
caminho. Em dezembro, o Conselho Federal de Medicina aprovou resolução
autorizando a prescrição do CBD para crianças e adolescentes epiléticos que não
respondam bem aos tratamentos convencionais. Porém, somente psiquiatras,
neurocirurgiões e neurologistas poderão fazer a prescrição.
Sem dúvida, estamos ainda muito longe da legislação
uruguaia, aprovada há pouco mais de um ano que, com o objetivo de acabar com o
poder do narcotráfico, permitirá, a partir de 2015, que os cigarros de maconha
sejam vendidos em farmácias no Uruguai.
É verdade que a maioria dos usuários de maconha em
nosso país utiliza a planta de forma recreativa e não para usos medicinais.
Contudo, diante do fracasso da luta governamental contra o tráfico e do
prejuízo que esta causa a milhões de trabalhadores subjugados nas comunidades
em que os traficantes se escondem, a legalização da planta, acompanhada de uma
campanha educacional, talvez seja a melhor solução. Lembremos que foram
justamente campanhas como essas que reduziram drasticamente o número de
fumantes de cigarros no Brasil.