segunda-feira, 23 de março de 2015


APÓS A MASSIFICAÇÃO ELEITORAL, O QUE ESPERAR DE MAIS QUATRO ANOS COM O PT NO GOVERNO?

Teones França – Historiador (4/11/2014)

(PARTE III / III)

 

O PT “endireitou” o país

 

                Tanto no 1º quanto no 2º turno, após a divulgação dos resultados confirmarem a vitória eleitoral de Dilma, as redes sociais foram abarrotadas de postagens preconceituosas aos nordestinos, responsabilizando-os pela vitória da candidata petista por tratar-se de eleitores menos instruídos e de baixa condição financeira, fato que os fazem dependerem dos benefícios sociais do governo. Protegido pelo anonimato da internet, o ódio aos nordestinos pôs a nu o lado cruel e conservador que está arraigado na faixa centro-sul de nossa sociedade. Muitos aderiram à proposta de um deputado estadual recém-eleito pelo PSDB em São Paulo, que defendia a separação desse estado do restante do país, assim como a do ex-Secretário Nacional de Justiça, Romeu Tuma Jr., que propôs a construção de um muro dividindo o país em dois ao lado da seguinte frase: “vamos respeitar os eleitores do PT e mandar a Dilma só pra eles”.

                A ideia da separação da região sul ou de São Paulo do restante do Brasil é fomentada há décadas e conta com a simpatia de parcela considerável da população dessas regiões. Entretanto, a responsabilidade pela vitória petista não pode ser posta sobre os ombros dos eleitores das regiões norte-nordeste, pois a votação de Dilma no sul e sudeste foi quantitativamente maior da que obteve no norte e nordeste.

                O ódio ao nordestino é parte de um processo maior: o conservadorismo crescente que vem assolando a sociedade brasileira nos últimos anos. A participação do PT na presidência do país contribuiu bastante para que chegássemos ao estágio atual.

                Esse partido chegou ao cargo máximo do Brasil em 2003 sob um clima de muita esperança, afinal era a primeira vez em nossa história que um trabalhador – e, ainda mais, vinculado a um partido de esquerda – assumia a presidência do país. Inegavelmente, as duas pontas extremas de nossa sociedade obtiveram avanços com o PT no governo: enquanto empresários e banqueiros aumentaram seus lucros e se capitalizaram cada vez mais, a camada mais pobre elevou um pouco sua renda mensal através dos benefícios das políticas compensatórias, como o Bolsa Família. Contudo, o mesmo não se pode dizer da classe média que, com o pagamento de seus impostos, bancam, em grande medida, as políticas sociais.

                Quando vieram à tona os escândalos de corrupção – iniciados com o Mensalão, em 2005 –, numa clara demonstração de descaso com o dinheiro público, esse setor da sociedade se revoltou de vez e ficou mais difícil fazê-lo aceitar qualquer sacrifício em nome do país. A corrupção tornava-se, erroneamente, o grande mal a ser enfrentado. Pouco importava os lucros astronômicos crescentes do Bradesco, do Itaú etc. com a oficialização descarada da agiotagem.

                A leitura feita pela maioria desse setor pensante de nossa sociedade, que se orgulha em compor o grupo dos “cidadãos de bem”, que paga em dia suas dívidas, mesmo que à base de muito esforço, foi: se um trabalhador e um partido de esquerda, que sempre defenderam a ética e criticavam a má utilização das verbas públicas, ao chegar ao governo fez igual ou pior que os antecessores é porque realmente têm menos qualidade para ocupar cargos da administração pública. Os partidos de esquerda, os trabalhadores, os pobres, como um todo, sofreram a rebarba desse processo e passaram (ou voltaram) a ser vistos de maneira preconceituosa, como incapazes, despreparados. O fato de Lula não possuir um diploma universitário acirrou ainda mais esse preconceito. Menos do que a elite, que não tem muito do que reclamar dos governos petistas, serão justamente certos setores da classe média que irão fomentar o antipetismo e apoiar qualquer candidatura que apresentasse a possibilidade concreta de derrotar Dilma nas eleições.

                Se, por um lado, os grupos de esquerda perderam espaço em nível nacional, por outro, o pensamento mais conservador – “de direita” – ampliou o seu espaço. Esse processo fomentou o avanço da crítica a propostas progressistas, como a legalização da maconha ou o casamento homossexual. Fez crescer a defesa de propostas mais conservadoras, como a redução da menoridade penal, a desconsideração dos direitos humanos para aqueles que descumprem as leis e o retorno dos militares ao poder. Com tudo isso, não é de se estranhar que Jair Bolsonaro, um dos maiores representantes do conservadorismo no país, tenha sido o deputado mais votado no Rio de Janeiro, estado tradicionalmente visto como “de esquerda”, e a bancada evangélica aumente suas cadeiras no Congresso Nacional. A “direita” brasileira perdeu a vergonha, retirou o véu e, de peito estufado, se sente com mais moral e está prestes a consolidar por aqui algo análogo ao grupo que está em torno a Le Pen, na França.

                Se comparada aos anos 1980, momento em que a ditadura militar chegava ao fim, a sociedade brasileira atual está muito mais conservadora e, sem dúvida, a maior responsabilidade disso deve recair sobre o PT, seus escândalos de corrupção e certo autoritarismo em seu modo de governar, característico desse partido desde os tempos em que esteve à frente dos principais sindicatos do país. Dessa última questão, inclusive, é que suscitam comparações – equivocadas, por sinal – com o chavismo venezuelano. Mas, isso merece análise mais detalhada.

 

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