Teones
França, historiador, professor e torcedor fanático do Flamengo
Nos
últimos dias temos visto muitos cronistas esportivos, que se esforçam para se
apresentarem com um viés politicamente correto, criticarem a exorbitância dos
preços dos ingressos para o jogo entre Flamengo e Atlético PR no Maracanã, pela
final de um campeonato nacional, que variam de 250 a 800 Reais. Valor maior do
que as entradas para alguns jogos da Copa do Mundo do próximo ano.
Além
de questionarem a diretoria do clube pela ganância do retorno financeiro
estupendo em um único jogo esses jornalistas defendem a tese de que o Flamengo
é um time de massa e, portanto, tem
mais possibilidade de sagrar-se campeão caso possa contar com o grito da favela, o que se tornará impossível pois a maior parte
dos seus torcedores - assim como a quase totalidade da população brasileira -
não pode se dar ao luxo de gastar essa quantia numa noite apenas.
Certamente
que trata-se de um preço astronômico para se assistir a um espetáculo de gosto
duvidoso e é bem provável que a ausência da massa
deixe nesse jogo o rubro-negro carioca órfão de seu verdadeiro torcedor.
Contudo, apesar da postura desses dirigentes ser bastante criticável, será que ela
é contraditória e absurda numa sociedade capitalista?
É
claro que não. E isso porque no futebol, assim como em qualquer aspecto na
nossa sociedade, a regra determinante é a que esteja a serviço da lei da oferta
e da procura que, por si, justifica a principal satisfação do capital: o lucro.
Desde
que se tornou um esporte de massa no
Brasil, a partir da década de 1930, o futebol caminha lado a lado com a
dinâmica de nossa economia capitalista. Como esta veio ao longo dos anos num
crescente desenvolvimento, o esporte bretão foi cada vez mais se aliando às
regras do mercado. Os cartolas dos
times mais populares foram percebendo a mina de dinheiro que tinham nas mãos,
fazendo com que a ingenuidade ficasse de uma vez por toda no museu do futebol, como
característica de seus anos iniciais. E assim caminhamos até a década de 1990
na qual enquanto um restrito grupo de jogadores tornara-se supervalorizado
financeiramente o povão progressivamente tornara-se torcedor de Televisão.
A
tendência é que a cada ano observemos um fenômeno, como o galês Garath Bale,
ser vendido por quase cem milhões de euros para um Real Madrid da vida enquanto
que ao torcedor brasileiro mais carente seja destinado apenas os jogos de menor
importância ou aqueles em que seu time necessite de seu grito nas arquibancadas
para ajudá-lo a evitar uma iminente queda à segunda divisão.
Como
explicar (aceitar) que um ser humano valha cem milhões de euros? Ora, um
sujeito como esses deixou de ser humano e se tornou uma máquina a qual agrega
valor a si própria. Ou seja, o projeto é que cem milhões hoje multiplique-se em
outras centenas de milhões amanhã. Sem dúvida que também há os casos de lavagem
de dinheiro - também típicos do capitalismo - como os times comprados pelos
mafiosos russos ou pelos xeiques árabes. Sendo assim, concluímos que esses
times milionários não são montados por paixões clubísticas mas sim como
investimentos que deverão render valor bem superior a partir da sua realização.
Em resumo, c se tornando c'.
A
ida do povão para casa ver seu time pela TV é algo que avança em nosso país a
partir da década de 1990 porque é o momento em que as emissoras, especialmente
a Rede Globo, se lançam com mais avidez nesse mercado por compreenderem que o
retorno da audiência e, logo, do lucro é líquido e certo. Desde então vimos
surgir um novo - e inusitado - horário de futebol: as quartas-feiras depois da
novela das nove horas! Estádios cheios nesse horário somente em jogos de grande
apelo ou naqueles em que é feito preço promocional. E é pela mesma razão que
Corinthians e Flamengo aparecem dia sim, outro também na telinha da Globo.
Ora,
diante disso, quando cronistas esportivos vêm defender a redução do preço do
ingresso (cinquenta Reais é barato?) para que o grito da favela seja ouvido nos estádios só podemos considerar
hipocrisia ou ingenuidade. É a grana que move esse esporte há bastante tempo
aqui e no mundo e isso é algo extremamente compreensível tendo em vista
estarmos no contexto de uma sociedade capitalista. (De acordo com a sessão nostálgica de um jornal de grande circulação, há
cinquenta anos Garrincha buscava acertar sua ida para o Milan, da Itália, pois
precisava "ganhar dinheiro").
É
exemplar que tal debate esteja acontecendo justamente em torno do Flamengo,
time em que no início deste ano um grupo de empresários -
"bem-sucedidos" em seus ramos, de acordo com a imprensa - assumiu a
diretoria do clube e foram saudados de forma festiva por praticamente todos os
cronistas esportivos do país pois, segundo estes, a solução para a
administração caótica do rubro-negro estava por vir já que esses ótimos
empreendedores saberiam muito bem como dirigir o clube da massa. Se há contradição no caso atual dos ingressos inflacionados
não é dos que assumiram a diretoria flamenguista, mas sim dos cronistas porque
a lógica que está sendo empregada no aumento dos preços é a lógica do mercado,
a mesma que é posta em prática, de forma implacável, nas diversas empresas pelo
mundo afora.
Queremos
crer que tenha sido apenas ingenuidade quando a maioria dos jornalistas aplaudiram
de forma efusiva a posse desses empresários na diretoria do clube carioca como
se fossem empreendedores altruístas, melhor dizendo, empresários que vieram
fazer o bem para o clube do qual são torcedores. Uma coisa é certa, no mundo do
capital não cabe espaço para altruístas, pois a lógica capitalista é perversa
e, portanto, contrária a altruísmos.
Aos
que defendem que os bons tempos do futebol brasileiro eram aqueles em que o
dinheiro não era determinante, fica o alerta: esse saudosismo é algo que só
pode ser imputado ao nosso futebol nas primeiras décadas do século passado e,
apesar disso, aquele era um período em que esse esporte nos times de ponta era
praticado majoritariamente por setores da elite branca. Quando o futebol
tornou-se de massa virou alvo da
sanha do capital, assim como tudo e qualquer coisa que possa ser precificável.