“... Eu vou à
luta com essa juventude
que não corre
da raia a troco de nada...”.
Já foi dito por diversos autores e, portanto, não é mais novidade afirmar que vivemos numa sociedade consumista na qual a importância às pessoas
é conferida pelo que elas têm e não pelo que elas são (e muito menos pelo que
pensam, ou se pensam). O sujeito que aparenta ser um pé rapado é solenemente ignorado pela maioria à sua volta, mas basta
sacar do bolso o seu iphone 5S com a
figura da maçã mordida reluzindo para que rapidamente os que o ignoravam passem
a admirá-lo.
Talvez o símbolo que melhor represente esta sociedade capitalista
do consumo frenético seja o Shopping Center com suas diversas vitrines expondo
as últimas novidades, e os vendedores – interessante como raros são negros –,
ávidos para aumentar suas comissões, forçando um sorriso simpático aos
possíveis compradores que certamente serão mais bem atendidos se entrarem na
loja com uma maçã mordida ao ouvido.
Há pouco mais de vinte anos um grupo ligado ao Movimento dos Sem
Terra foi obrigado a se retirar de um Shopping quando, sem carregar nenhuma
ferramenta que pudesse ser letal, caminhavam em frente às suas vitrines num
protesto pacífico com o objetivo de demonstrar o contraste entre o consumismo
do meio urbano e a carência do meio rural. Um gesto político avassalador pode
prescindir de gritos!
Numa lógica parecida temos observado neste verão grupos de
milhares de jovens marcarem encontros através do facebook para, juntos,
caminharem pelo interior de um Shopping, no que chamaram de “rolezinho”*. Nas
páginas virtuais em que marcam a atividade, esse movimento, originado no
interior de São Paulo, não propõe violência, gritos, palavras de ordem etc.,
mas apenas a caminhada em frente as lojas. Apesar disso, a gerência de alguns
desses estabelecimentos tentam proibir esses encontros através de decisões
judiciais e da retirada das páginas virtuais dos manifestantes, alegando que a
quantidade de pessoas irá inibir os consumidores e causará atitudes violentas.
Naturalmente é difícil obter o controle de milhares de manifestantes num
ambiente fechado, mesmo porque não há lideranças explícitas, entretanto, a
segurança num estabelecimento privado cabe a este, que não tem, por sua vez,
poder para proibir o ir e vir das pessoas.
Diante do inusitado dessas manifestações e de sua adesão inicial
país afora vários veículos de comunicação fazem reflexões que primam pelo
conservadorismo com críticas aos manifestantes. Cabe àqueles que se propõem a
analisar a sociedade sob a ótica dos trabalhadores apontarem as reflexões que
podem extrair desse processo.
Em primeiro lugar, é
importante destacar que ele está associado às jornadas de junho e apresenta
muitas de suas características: o seu caráter massivo e jovial, o mundo virtual
como elemento aglutinador, o questionamento do status quo, o fato de não haver
intimidação diante da ordem vigente e atitudes incisivas e inovadoras.
Outro aspecto a se
destacar é a pujança da atual geração de jovens brasileiros. A juventude per si
é rebelde e, em geral, as transformações sociais têm nesse setor o seu motor de
propulsão. Mas, em qualquer sociedade, as gerações de jovens são diferenciadas
entre si, influenciadas que são pelo momento histórico em que surgem e pelas
especificidades de cada país. Assim, temos que a geração que vivenciou o golpe
militar de 1964 era extremamente questionadora e crente na possibilidade de
transformar o mundo. A geração que a seguiu – os “filhos da revolução” – já era
mais resignada com a ordem vigente, mas nem por isso pouco rebelde. A geração
Collor, apesar de ter contribuído para derrubar o presidente, vivenciou a queda
do muro de Berlim e de valores até então pouco questionados sendo, por isso, menos
preocupada com a transformação do status quo. Algo que se acirrou com os jovens
crescidos no final do século passado e início deste, em grande parte mais envolvidos
com as inovações tecnológicas e anestesiados pelo torpor característico do começo
da Era Lula.
Os jovens de quinze a
vinte anos hoje vivenciam uma época de turbulências sociais que têm a juventude
como ponta de lança; um momento econômico brasileiro em que cada vez é mais
difícil esconder o caos através de maquiagens com algo do tipo “país em vias de
desenvolvimento”, “parte do bloco dos Brics” etc.; e uma situação política cercada
por mensalões e descrença crescente na sociedade quanto as ditas “instituições
democráticas” quase trinta anos após o fim da ditadura militar. Esse caldeirão
faz a atual juventude ferver acreditando na necessidade/possibilidade de
transformação social que não tem, para ela, um espelho no passado que lhe sirva
de referência. Daí os métodos inovadores e as críticas ao que ela considera
“velho” no campo das organizações sociais.
Mas, por que os
Shoppings? Essa questão é mais fácil de responder, pois, sabemos que esses
estabelecimentos estão vinculados ao consumo. A questão é: por que a adesão
massiva?
Os que defendem que os
anos de governos petistas criaram um novo modelo de desenvolvimento econômico
em nosso país, denominado por eles de “neodesenvolvimentismo”, propalaram que
se criou por aqui uma nova classe média, que deixou de se inserir nos índices
dos que compõem a classe abaixo por ter aumentado sua renda e,
consequentemente, o seu consumo. Alguns intelectuais, num campo mais à esquerda,
já se ocuparam em desmistificar essa tese e defender outra que aponta,
igualmente, para o surgimento de um novo setor social em nosso país, mas não
uma nova classe média e sim uma nova classe de trabalhadores mais pauperizados.
Esses novos trabalhadores
foram convencidos pelo canto da sereia
do governo de que teriam crédito para consumir eletrodomésticos e outros
produtos diversos. Terminaram por fim a aumentar o rol dos nomes que compõem o
Serviço de Proteção ao Crédito e o Serasa já que a maioria não teve como saldar
as dívidas contraídas, ou ao menos comprometeram o orçamento familiar para
seguir saldando-as. A proposta petista de aquecer a economia através do crédito
ao consumo e isenção fiscal aos empresários teve como principal resultado o
endividamento daqueles chamados de “nova classe média”.
Assim, os rolezinhos são,
em primeira instância, uma demonstração de que os setores menos favorecidos de
nossa sociedade estão alijados da possibilidade de exercer o seu consumismo num
mundo que prega o consumo, e sobrevive dele. Não é coincidência que essas
manifestações tiveram origem em regiões do interior paulista e seus componentes
fossem essencialmente pretos e pobres.
Por fim, cabe refletir sobre a aversão a esses movimentos advindas
dos veículos de comunicação e de grande parcela da nossa sociedade. Alguns
chegam a afirmar que Shopping não é lugar para manifestação. Aqui é inegável a
presença do pensamento da verdadeira classe média, tendo em vista que os
setores burgueses pouco se importam com os roles
pois fazem suas compras em Paris.
Cabe então à classe média – que almeja atingir algum dia o patamar
da burguesia e que, por isso, recusa se aproximar das classes sociais menos
favorecidas – a crítica a essas recentes manifestações da nossa juventude. Os
Shoppings Centers são muitas vezes o seu lugar de refúgio, seja para fugir do
calor, para um papo tranquilo bebericando
um cafezinho na Koppenhagen e, claro, para consumir, buscando dessa maneira
diminuir a depressão. Um refúgio que a afasta do perigo – e do odor – dos
setores menos abastados. Nesse prisma é natural que acreditem que Shopping não
é lugar de manifestação.
“... eu vou
no bloco dessa mocidade
que não tá na
saudade e constrói
a manhã
desejada...”.
* este artigo foi redigido em meados de janeiro, quando o fenômeno juvenil que ficou conhecido como "rolezinho", protagonizado por jovens da periferia, se espalhou de São Paulo para o restante do país; atingindo outras cidades como Rio de Janeiro, Niterói e São Gonçalo. (N. A.)