segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

O VERÃO DO ROLEZINHO. AS JORNADAS DE JUNHO TÊM SEQUÊNCIA.



Teones França, historiador e professor da rede estadual RJ.

“... Eu vou à luta com essa juventude
que não corre da raia a troco de nada...”.

   Já foi dito por diversos autores e, portanto, não é mais novidade afirmar que vivemos numa sociedade consumista na qual a importância às pessoas é conferida pelo que elas têm e não pelo que elas são (e muito menos pelo que pensam, ou se pensam). O sujeito que aparenta ser um pé rapado é solenemente ignorado pela maioria à sua volta, mas basta sacar do bolso o seu iphone 5S com a figura da maçã mordida reluzindo para que rapidamente os que o ignoravam passem a admirá-lo.
   Talvez o símbolo que melhor represente esta sociedade capitalista do consumo frenético seja o Shopping Center com suas diversas vitrines expondo as últimas novidades, e os vendedores – interessante como raros são negros –, ávidos para aumentar suas comissões, forçando um sorriso simpático aos possíveis compradores que certamente serão mais bem atendidos se entrarem na loja com uma maçã mordida ao ouvido.
   Há pouco mais de vinte anos um grupo ligado ao Movimento dos Sem Terra foi obrigado a se retirar de um Shopping quando, sem carregar nenhuma ferramenta que pudesse ser letal, caminhavam em frente às suas vitrines num protesto pacífico com o objetivo de demonstrar o contraste entre o consumismo do meio urbano e a carência do meio rural. Um gesto político avassalador pode prescindir de gritos!
   Numa lógica parecida temos observado neste verão grupos de milhares de jovens marcarem encontros através do facebook para, juntos, caminharem pelo interior de um Shopping, no que chamaram de “rolezinho”*. Nas páginas virtuais em que marcam a atividade, esse movimento, originado no interior de São Paulo, não propõe violência, gritos, palavras de ordem etc., mas apenas a caminhada em frente as lojas. Apesar disso, a gerência de alguns desses estabelecimentos tentam proibir esses encontros através de decisões judiciais e da retirada das páginas virtuais dos manifestantes, alegando que a quantidade de pessoas irá inibir os consumidores e causará atitudes violentas. Naturalmente é difícil obter o controle de milhares de manifestantes num ambiente fechado, mesmo porque não há lideranças explícitas, entretanto, a segurança num estabelecimento privado cabe a este, que não tem, por sua vez, poder para proibir o ir e vir das pessoas.
   Diante do inusitado dessas manifestações e de sua adesão inicial país afora vários veículos de comunicação fazem reflexões que primam pelo conservadorismo com críticas aos manifestantes. Cabe àqueles que se propõem a analisar a sociedade sob a ótica dos trabalhadores apontarem as reflexões que podem extrair desse processo.
Em primeiro lugar, é importante destacar que ele está associado às jornadas de junho e apresenta muitas de suas características: o seu caráter massivo e jovial, o mundo virtual como elemento aglutinador, o questionamento do status quo, o fato de não haver intimidação diante da ordem vigente e atitudes incisivas e inovadoras.
Outro aspecto a se destacar é a pujança da atual geração de jovens brasileiros. A juventude per si é rebelde e, em geral, as transformações sociais têm nesse setor o seu motor de propulsão. Mas, em qualquer sociedade, as gerações de jovens são diferenciadas entre si, influenciadas que são pelo momento histórico em que surgem e pelas especificidades de cada país. Assim, temos que a geração que vivenciou o golpe militar de 1964 era extremamente questionadora e crente na possibilidade de transformar o mundo. A geração que a seguiu – os “filhos da revolução” – já era mais resignada com a ordem vigente, mas nem por isso pouco rebelde. A geração Collor, apesar de ter contribuído para derrubar o presidente, vivenciou a queda do muro de Berlim e de valores até então pouco questionados sendo, por isso, menos preocupada com a transformação do status quo. Algo que se acirrou com os jovens crescidos no final do século passado e início deste, em grande parte mais envolvidos com as inovações tecnológicas e anestesiados pelo torpor característico do começo da Era Lula.
Os jovens de quinze a vinte anos hoje vivenciam uma época de turbulências sociais que têm a juventude como ponta de lança; um momento econômico brasileiro em que cada vez é mais difícil esconder o caos através de maquiagens com algo do tipo “país em vias de desenvolvimento”, “parte do bloco dos Brics” etc.; e uma situação política cercada por mensalões e descrença crescente na sociedade quanto as ditas “instituições democráticas” quase trinta anos após o fim da ditadura militar. Esse caldeirão faz a atual juventude ferver acreditando na necessidade/possibilidade de transformação social que não tem, para ela, um espelho no passado que lhe sirva de referência. Daí os métodos inovadores e as críticas ao que ela considera “velho” no campo das organizações sociais.
Mas, por que os Shoppings? Essa questão é mais fácil de responder, pois, sabemos que esses estabelecimentos estão vinculados ao consumo. A questão é: por que a adesão massiva?
Os que defendem que os anos de governos petistas criaram um novo modelo de desenvolvimento econômico em nosso país, denominado por eles de “neodesenvolvimentismo”, propalaram que se criou por aqui uma nova classe média, que deixou de se inserir nos índices dos que compõem a classe abaixo por ter aumentado sua renda e, consequentemente, o seu consumo. Alguns intelectuais, num campo mais à esquerda, já se ocuparam em desmistificar essa tese e defender outra que aponta, igualmente, para o surgimento de um novo setor social em nosso país, mas não uma nova classe média e sim uma nova classe de trabalhadores mais pauperizados.
Esses novos trabalhadores foram convencidos pelo canto da sereia do governo de que teriam crédito para consumir eletrodomésticos e outros produtos diversos. Terminaram por fim a aumentar o rol dos nomes que compõem o Serviço de Proteção ao Crédito e o Serasa já que a maioria não teve como saldar as dívidas contraídas, ou ao menos comprometeram o orçamento familiar para seguir saldando-as. A proposta petista de aquecer a economia através do crédito ao consumo e isenção fiscal aos empresários teve como principal resultado o endividamento daqueles chamados de “nova classe média”.
Assim, os rolezinhos são, em primeira instância, uma demonstração de que os setores menos favorecidos de nossa sociedade estão alijados da possibilidade de exercer o seu consumismo num mundo que prega o consumo, e sobrevive dele. Não é coincidência que essas manifestações tiveram origem em regiões do interior paulista e seus componentes fossem essencialmente pretos e pobres.
   Por fim, cabe refletir sobre a aversão a esses movimentos advindas dos veículos de comunicação e de grande parcela da nossa sociedade. Alguns chegam a afirmar que Shopping não é lugar para manifestação. Aqui é inegável a presença do pensamento da verdadeira classe média, tendo em vista que os setores burgueses pouco se importam com os roles pois fazem suas compras em Paris.
   Cabe então à classe média – que almeja atingir algum dia o patamar da burguesia e que, por isso, recusa se aproximar das classes sociais menos favorecidas – a crítica a essas recentes manifestações da nossa juventude. Os Shoppings Centers são muitas vezes o seu lugar de refúgio, seja para fugir do calor, para um papo tranquilo bebericando um cafezinho na Koppenhagen e, claro, para consumir, buscando dessa maneira diminuir a depressão. Um refúgio que a afasta do perigo – e do odor – dos setores menos abastados. Nesse prisma é natural que acreditem que Shopping não é lugar de manifestação.

“... eu vou no bloco dessa mocidade
que não tá na saudade e constrói
a manhã desejada...”.

* este artigo foi redigido em meados de janeiro, quando o fenômeno juvenil que ficou conhecido como "rolezinho", protagonizado por jovens da periferia, se espalhou de São Paulo para o restante do país; atingindo outras cidades como Rio de Janeiro, Niterói e São Gonçalo. (N. A.)