sexta-feira, 17 de outubro de 2014

MELHORA DA QUALIDADE NA EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO É UMA FALÁCIA


Teones França - Historiador ( 17/10/2014)


Nas últimas semanas de campanha eleitoral o atual governador do Rio, Pezão, divulgou a informação de que a educação no estado havia melhorado. Utilizava como justificativa o resultado do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), no qual o estado passou, em dois anos, da 15ª para a 4ª posição no ranking nacional. A questão que se coloca é: até que ponto esse índice pode ser tomado como critério definidor da melhoria na qualidade do ensino?
O Ideb foi criado pelo governo federal em 2007 com o intuito de medir a qualidade da educação oferecida tanto na rede pública quanto privada a partir de dois conceitos: o fluxo escolar e as médias de desempenho nas avaliações, que são provas realizadas por alguns alunos de cada escola de dois em dois anos. Numa escala de zero a 10 o MEC espera que em 2021 os estados atinjam em média nessas avaliações a nota de 5,5 no ensino fundamental II, e 5,2 no ensino médio. Portanto, trata-se de um objetivo bastante rebaixado a ser atingido daqui a 6 anos.
Tomando-se por base apenas o último Ideb divulgado recentemente temos que no ensino médio – o qual está sob a responsabilidade dos estados de acordo com a Lei nacional da Educação (LDB) – o estado do Rio elevou a sua nota para 4,0, o que lhe rendeu a 4ª posição em nível nacional. Se retirarmos desse grupo a rede privada e deixarmos apenas as escolas estaduais, a nota do Rio cai para 3,6. A escola melhor pontuada no país está na rede privada de Santa Catarina, com a média 5,9.
Ao observarmos as 25 escolas melhores posicionadas no Ideb em nosso estado não encontramos nenhuma da rede estadual e se estendermos essa observação para as 100 melhores é certo que também não encontremos. Conclusão óbvia: o estado do Rio, em termos de educação pública, ainda está muito distante da meta estipulada pelo governo federal a ser atingida em 2021, que se trata, repetimos, de um índice extremamente rebaixado numa escala de zero a 10.
Dessa forma, já que o elemento definidor da melhora da qualidade da educação é tão somente décimos a mais na nota alcançada em uma única avaliação bianual, a educação nas escolas estaduais se resumiu à preparação dos alunos ao longo do ano para a realização da prova do Ideb. Mas, a questão é ainda muito mais profunda. Ao invés de melhorar os salários dos professores como um todo, o governo estadual concede uma bonificação (apenas uma vez ao ano) aos mestres das escolas que conseguiram elevar quantitativamente os seus resultados. É a chamada Meritocracia. Além de todo tipo de crítica que essa política merece, os critérios utilizados pelo governo para a concessão do benefício não leva em consideração os problemas que possam existir em determinada escola que não obteve a melhora exigida e que são ocasionados por ineficácia do próprio poder público, como por exemplo, carência de professores e funcionários e ausência de estrutura adequada para a realização de um bom trabalho educacional. Na lógica governamental, se o aluno deixa de ir à escola ou tira notas baixas, a culpa é do professor. E, com isso, muitos estão aprovando automaticamente seus alunos em busca da tal bonificação. Consequência direta: cai a qualidade do ensino.
Segundo estudo do professor da UFF, Nicholas Davies, no período do governo Cabral/Pezão, entre 2006 e 2012, as escolas do estado do Rio tiveram uma queda de 34,7% na quantidade de alunos e ele crê que isso tenha ocorrido intencionalmente já que no mesmo período as matrículas na rede privada aumentaram em 22,5%.

É HORA DE RETORNAR AS LUTAS?

Parabéns aos bancários e funcionários dos Correios por furarem a paralisia eleitoral!
Que ao menos no 2º turno os socialistas estejam juntos na defesa do voto nulo.
Teones França - Historiador ( 10/10/2014)


Os partidos de esquerda (PT não conta) são unânimes em afirmar que a disputa eleitoral e parlamentar são secundárias diante da luta prioritária nas ruas. No entanto, nos últimos três meses a paralisia nas lutas só foi quebrada nos bancos e nos correios e, ainda assim, no final desse período. Durante esse momento, Psol, PSTU, PCO e PCB transferiram seus discursos das ruas para as TV’s em busca do voto do eleitor. Além do mais, apenas o PSTU se prestou a utilizar seus poucos segundos televisivos para se solidarizar com os grevistas que ousaram não esperar o fim do calendário eleitoral.
Findada a disputa pelo voto está na hora de fazermos um balanço sério da participação dos socialistas nesse processo. E, primeiramente, é necessário dizer que “socialismo” foi a palavra menos utilizada por esses partidos, à exceção de PCB e PCO. Parece que o termo cada vez mais vai sendo relegado aos discursos em dias de festas. Os programas do Psol, inclusive, tocaram na palavra “trabalhador” menos até do que Garotinho, que por muitas vezes disse ser o representante dessa classe social (!).
Palavras é apenas a ponta do iceberg dessa inversão de valores. Iniciando o balanço pelo partido que, dentre os citados, obteve o maior número de votos e caminha a passos largos para ocupar o espaço de maior partido da esquerda, que o PT desocupou há algum tempo, o Psol, eleição após eleição, se direciona mais à direita, buscando enquadrar o seu discurso com o descontentamento da classe média progressista presente nos grandes centros urbanos do país. Fugindo dos temas mais polêmicos e das bandeiras socialistas, vimos suas principais figuras do Rio de Janeiro fazerem afirmações do tipo: “vote em fulano porque é o melhor” ou “dê um voto à ética”, o que não foi muito diferente do que foi dito pela maioria dos outros partidos tradicionais. A grandiosa votação que o candidato psolista a governador recebeu nesse estado se deve mais ao vazio à esquerda deixado pelo PT e à empatia de seu deputado estadual mais votado do que a um programa direcionado de maneira efetiva aos trabalhadores. Embora, seja inegável a excelente participação do candidato nos debates.
Como forma de coroar a participação eleitoreira desse partido, o dia seguinte à eleição foi ainda pior: seus militantes e eleitores foram orientados apenas a não votar em Aécio e o tal deputado mais votado declarou voto em Dilma, afirmando que o PSDB (apenas?) seria um retrocesso! Isso representa o posicionamento mais à direita do partido desde 2006, o que é extremamente contraditório já que coincide com o momento mais conservador do PT no governo. Certamente que esse giro do Psol deve-se ao começo da campanha para a prefeitura do Rio em 2016, verdadeiro sonho de consumo da legenda.
Os outros partidos, por um lado, cumpriram um bom papel para o campo socialista ao divulgarem importantes bandeiras programáticas da classe trabalhadora, como a reestatização das empresas estatais, estatização dos transportes, a tarifa zero etc. A defesa de um governo dos trabalhadores por parte do PSTU foi importante apesar de acabar se diluindo em algo extremamente abstrato numa propaganda eleitoral. Entretanto, por outro lado, todos cumpriram um papel nefasto ao legitimarem esse sistema institucional no momento em que este sofre o seu maior questionamento. Faziam até críticas e propostas radicais, mas ao final pediam o voto em seu partido, levando a grande maioria dos eleitores mais desavisados a acreditar que tais propostas seriam alcançadas com o voto nessas legendas. E, consequentemente, nenhum disse que eleição não enche a barriga de ninguém e não resolve os problemas dos trabalhadores.
A culminância disso foi a infelicidade do PSTU, na reta final de campanha, solicitar a ajuda para eleger um deputado e, assim poder participar dos debates na TV. Nesse cenário lamentável a ideia socialista original (participar das eleições é uma obrigação dos revolucionários enquanto as massas mantenham esperanças nas instituições da burguesia, entretanto, é necessário participar de modo a acelerar a experiência com essas ilusões, objetivando trazer à superfície a verdadeira faceta dessas instituições) foi parar na lata do lixo.
No fim das contas, com tempo tão escasso para apresentar suas propostas, essas três legendas acabaram por se confundir com as SuperZefas e que tais e não conseguiram arrebanhar o voto de protesto que foi dado aos Tiriricas, ao Psol e ao voto nulo. Quanto a este último, a meu ver, seria a melhor tática como forma de intensificar a crise de confiança no sistema eleitoral burguês. Mesmo que não faça parte de nossa “democracia” explicar como se deve agir para votar nulo e em praticamente nenhum veículo de comunicação tivesse sido feita a defesa desse tipo de voto, o total de nulos e brancos ficou na 2ª posição para governador no Rio de Janeiro e teve número altíssimo nos grandes centros do país, demonstrando toda a insatisfação e indignação com esse processo.
A indignação da população com o sistema não se refletiu em voto socialista para presidente, por exemplo. O Psol aumentou sua votação desde a última eleição, mas ainda assim ficou bem abaixo do índice atingido por Heloísa Helena em 2006. PSTU, PCB e PCO, em contrapartida, tiveram, mais uma vez, votações pífias que os devem levar a uma profunda reflexão se realmente valeu à pena a participação e ainda por cima de forma separada. Claro que dirão: “o resultado eleitoral não fazia parte de nosso objetivo”, mas o que foi dito acima a respeito do discurso do PSTU na reta final denota o contrário.
Já o Psol... chega de tergiversar, independentemente da existência de correntes internas contrárias ao pensamento majoritário da direção, já se tornou um PT dos anos 1990 piorado.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

QUAL É O PAPEL DOS SOCIALISTAS NAS ELEIÇÕES?

Parte II/II
Teones França – Historiador  (25/8/2014)



 Além da decisão equivocada de participar dessas eleições ao invés de adotar uma política que vise aprofundar a crise de representatividade pela qual passa o sistema político brasileiro, os partidos de esquerda, que ainda propagandeiam a possibilidade de uma sociedade socialista – uns mais outros menos –, fazem uma campanha que tem deixado muito a desejar e que está, em grande medida, bem longe do ideal socialista. Vejamos rapidamente a atuação de cada um desses partidos que, inacreditavelmente, ainda estão desunidos em candidaturas distintas para os cargos majoritários.
O PSOL tem como um de seus slogans a frase “temos os melhores candidatos” ou como diz um candidato que atualmente é deputado federal pelo partido: “eu voto em fulano porque ele é disparado o melhor”. Ou seja, não se preocupa em apresentar nenhuma diferenciação de classe e, com isso, iguala-se aos demais candidatos dos partidos burgueses os quais pedem votos porque se autointitulam os melhores. Outro candidato desse partido, com maior expressão pública, pede votos para um postulante ao cargo de senador afirmando que ele “é um novo nome para combater a velha política”. Como assim? Basta votar nos candidatos do PSOL que a velha política será extinta? Que velha política é essa? Será a de políticos burgueses? Não sabemos, porque o partido não se preocupa com esse tipo de diferenciação.
Esse partido ainda utiliza uma frase do dramaturgo socialista alemão Bertolt Brecht para apresentar uma face mais à esquerda. No entanto, diante da campanha de cunho mais socialdemocratizante do que o PT nos melhores tempos ficamos sem saber como que a mudança, defendida pelos pessolistas com a frase “nada deve parecer impossível de mudar”, poderá ser alcançada. Será que apenas com a eleição?
A possibilidade concreta de esse partido eleger novos parlamentares, já que conta em seu staff com deputados bastante populares, pode estar direcionando sua campanha mais à direita para que o seu discurso se torne mais palatável aos setores de classe média menos afeitos às propostas ditas “radicais”. Ao contrário do PSOL, os outros partidos da esquerda, certamente por terem menos chance de eleger seus candidatos, aplicam na campanha um tom mais agressivo e mais próximo a um viés socialista, como a estatização dos transportes, a tarifa zero e a reestatização das empresas privatizadas. Entretanto, não se eximem de cometer mais equívocos.
O PCO, em seus programas, defende o socialismo e até a revolução, mas utiliza uma linguagem que só é entendível para uma pequena vanguarda, vanguarda esta que acredita que as eleições de nada servem e é possível que nem se obrigue a ir votar. Sem contar que em poucos segundos nem o melhor jornalista do mundo conseguiria tornar essa temática palatável a um público amplo.
O PCB também utiliza seus poucos segundos diários para fazer a defesa da revolução que levará a ascensão de um poder popular. O que isso significa e como construir isso? Apenas os militantes do partido devem saber.
Já o PSTU tem o mérito de defender a necessidade de se construir “um governo dos trabalhadores, sem patrões”, mas não diz como e ao que tudo indica para se chegar a tal governo basta votar nos candidatos do partido. Esquiva-se de tratar das questões mais teóricas, procurando apresentar seu ponto de vista crítico sobre aspectos da atualidade, mas como almeja dialogar com apenas um setor minoritário da sociedade faz esquisitices do tipo em seu primeiro programa televisivo tratar da guerra no Oriente Médio. Tema de extrema relevância e mais fundamental ainda quando se exige na TV que o governo Dilma rompa com Israel. No entanto, fazer isso no início da campanha televisiva, quando a população está esperando ouvir propostas para a resolução dos problemas do país, soa como uma total falta de sensibilidade.
O fato é que NENHUM desses partidos fez até o momento e nem fará críticas ao sistema eleitoral e à incapacidade desse processo melhorar as vidas das pessoas. Também não apontarão como positivo que ao menos 20% dos eleitores se neguem a votar e que outros tantos anularão seu voto, esquecendo-se do real papel dos socialistas nas eleições: propagandear que as eleições não melhoram a vida da população mais pobre e que as mudanças sociais só virão através da luta nas ruas.
Nem todos fazem como o PSOL, afirmando que têm os melhores candidatos, mas TODOS chamam o voto em seus candidatos, acabando por corroborar com o sistema e sua intenção de que as eleições sejam um sucesso de público.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

QUAL É O PAPEL DOS SOCIALISTAS NAS ELEIÇÕES?

Parte I/II
Teones França – Historiador  (25/8/2014)


          Já indiquei considerar como a melhor tática para os socialistas nestas eleições a defesa do voto nulo, especialmente porque creio que haja um grau de experiência acelerado de grande parte da população brasileira com as instituições burguesas, o que, de certa forma, ficou patente com as jornadas de junho no ano passado e a quantidade de votos nulo, em branco e abstenções nas últimas eleições.
Esse descontentamento com as eleições, apesar de progressivo, tem como origem o pensamento atrasado de se considerar todos os políticos iguais e, portanto, todos são corruptos e só estão preocupados com o crescimento de seus patrimônios pessoais. Está nas mãos dos socialistas a tarefa de aprofundar essa descrença indicando que devemos, sim, virar as costas paras as eleições, mas por outra razão: porque elas são um processo ilusório burguês e não resolvem os nossos problemas sociais, pois estes só serão resolvidos através da luta. Agindo dessa forma contribuirão para evitar, inclusive, que esse descontentamento acabe sendo canalizado para uma via de direita que defenda um governo ditatorial de imposição da ordem, como Le Pen na França.
Desde já é preciso ratificar que participar ou não desses pleitos, assim como ter candidatos ou defender voto nulo, é algo meramente tático e a melhor tática a ser utilizada dependerá da conjuntura de cada momento. Contudo, o importante para os socialistas é ter claro que não podem passar a ilusão para o conjunto dos trabalhadores de que as eleições resolverão os seus problemas ou mesmo os reduzirão. Sua participação nesses processos é importante para acirrar as contradições do sistema, fazer avançar a consciência de classe dos trabalhadores, contribuindo para que reconheçam que a melhora real de suas vidas depende de sua luta no cotidiano contra os patrões e os governos defensores do capital. Nessa lógica, eleger algum parlamentar pode fazer avançar essa experiência desde que ele ponha o seu mandato a serviço da luta coletiva e não de ações individualistas/personalistas que divulgam apenas o seu nome.
Se existe um espaço enorme em nossa sociedade para as propostas conservadoras dos Bolsonaros de plantão, também há um setor considerável – em geral, na classe média – que ouve com atenção os discursos da esquerda menos radical e isso, logicamente, rende votos. Daí o perigo de se evitar as propostas classistas para obter um bom desempenho eleitoral.
Infelizmente, não temos visto na atual campanha eleitoral algo que o PT fazia bem no início dos anos 1980: a diferenciação de classe. Naquele momento era normal observarmos nas campanhas o slogan “Trabalhador vota em trabalhador”, que acabou sendo recriado com sucesso pelo PSTU vinte anos depois com o “Contra burguês, vote 16”. Mesmo que o impacto na consciência dos trabalhadores não tenha se revertido numa quantidade elevada de votos, ao menos a iniciativa foi positiva por conseguir sintetizar em poucas palavras de fácil entendimento a ideia de que a luta de classes permeia a nossa sociedade capitalista.
Porém, o pior de tudo é que, como se previa, os socialistas, mesmo que de forma indireta, acabam nesta campanha fazendo a defesa do voto em si, o que termina por representar a defesa do sistema eleitoral como um todo. Todos, unanimemente, dizem “votem em mim e no meu partido”, ou seja, todos convidam o trabalhador a resignadamente depositar o seu voto na urna tal e qual faz qualquer candidato burguês.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

DEPOIS DA COPA VEM A DISPUTA PELO VOTO


O que esperar das primeiras eleições após as manifestações contra a corrupção?   (ÚLTIMA PARTE)           
Teones França – Historiador       (28/7/2014)


Nas três partes anteriores deste texto tratei do tema das eleições de 2014 de uma maneira ampla e sem especificar os meus interlocutores. Nesta parte final, além de defender o voto nulo como sendo a política mais acertada para o pleito que ocorrerá em outubro próximo, procurarei dialogar com um público mais específico: os que se consideram socialistas, muitos dos quais são militantes ou simpatizantes de partidos como o PSTU, o PCO, o PCB e de algumas correntes que se agrupam no PSOL.
Já que parto do pressuposto de que vivemos em uma sociedade dividida em classes inconciliáveis entre si e que se digladiam o tempo todo por almejarem interesses distintos, e concordo com os que diante desse cenário consideram a imparcialidade improvável, esta parte preocupa-se em debater essencialmente com os que têm nítida sua opção de classe ao lado dos trabalhadores. 
É possível que todos que se identificam com essa opção concordem com o que pensava Lenin sobre a participação dos representantes dos trabalhadores – no caso, especificamente os “revolucionários” – nas eleições burguesas. De acordo com o líder da revolução russa era uma obrigação dos revolucionários participarem das eleições e do parlamento enquanto as massas mantivessem esperanças nas instituições da burguesia, entretanto, era preciso lutar contra essas ilusões fazendo do parlamento um bastião das lutas proletárias, trazendo à superfície a verdadeira faceta dessas instituições, acelerando, assim, a experiência com elas. Outro ensinamento dos “clássicos” socialistas é que para se evitar o desvio esquerdista – “a doença infantil do comunismo” – é necessário fazer política tendo como referência as massas e não a vanguarda.
Tomando essa lógica como base, participar ou não das eleições é uma mera decisão tática e não um princípio que possa definir se os partidos socialistas são eleitoreiros ou capituladores ao jogo burguês. É a conjuntura que irá definir a tática mais adequada a ser elaborada. Numa eleição ocorrida em plena ditadura, por exemplo, é bem possível que a política mais acertada seja a coligação com os setores burgueses contrários a esse regime. A questão central e definidora é que para os socialistas o objetivo final de sua participação nas eleições não é a eleição de parlamentares.
Nesse sentido, foi absolutamente incompreensível o que ocorreu nas últimas eleições presidenciais, onde os partidos do campo socialista se pulverizaram em várias candidaturas. Resultado: Plinio, do Psol, José Maria, do Pstu, Rui Pimenta, do Pco, e Ivan Pinheiro, do Pcb obtiveram JUNTOS menos de 1% dos votos totais. Perderam feio para nulos e brancos. Não acredito que caso estivessem reunidos numa única candidatura o resultado pudesse ser necessariamente mais positivo, mas certamente as propostas apresentadas teriam uma ressonância maior. Além do mais esse resultado pífio reflete o pensamento predominante no conjunto de nossa sociedade atualmente que, conforme discutimos nas partes anteriores deste texto, tende a cada vez mais questionar as eleições, o parlamento e a atuação dos políticos indistintamente.
A impressão que transparece é que se tratava apenas de uma disputa paralela entre essas siglas, unicamente para apresentar sua legenda e seu programa, mesmo que seu discurso não tivesse eco algum. Ou seja, uma política feita apenas para a vanguarda e sem saldo positivo para os socialistas. E, pior, a população ignorou essa disputa paralela, esses partidos se misturaram junto às legendas burguesas na sopa de letrinhas que é o sistema partidário brasileiro e, consequentemente, foram também achincalhados pela população. No entanto, os principais dirigentes dessas legendas deviam pensar e defender internamente: “é apenas a visão de uma massa iludida, temos pouco com que nos preocupar já que somos bons e o resto é m.”. De todos eles, nitidamente é o Psol o que aparenta a maior avidez pela eleição de parlamentares como meta principal. Se isso não fosse verdadeiro, como explicar a negociação de uma aliança com outros partidos de esquerda em São Paulo e não ter a mesma postura no Rio de Janeiro? Resposta: no Rio existe a candidatura do deputado “Tropa de Elite” que somará (ainda) muitos votos para essa legenda, um quantitativo que não deverá, para esse partido, ser compartilhado numa coligação com outros que obterão votações bem menores.
A insensatez se repete em 2014 e novamente esses partidos apresentarão candidaturas próprias para presidente e se espalharão num caleidoscópio surreal ao lado dos candidatos dos partidos burgueses. Será que as diferenças programáticas entre eles justificam esse distanciamento eleitoral? 
Entretanto, a miopia política desta vez é bem maior levando em consideração o que busquei discutir nas partes anteriores. Parece cômico, mas é trágico. Enquanto uma parcela cada vez maior da população brasileira dá as costas para as eleições, negando-se a fazer parte desse “teatro dos vampiros” – seja não indo votar, clicando no branco ou anulando o voto –, os que se dizem socialistas insistem em fazer figuração nesse processo, buscando a todo custo permanecerem como partidos reconhecidos oficialmente pelo Estado, locupletando-se, da mesma maneira que os outros, com dinheiro público.
O papel dos socialistas deve ser o de destruir as instituições burguesas, dentre elas o parlamento e as eleições, e não corroborar com esses pleitos alimentando as ilusões lançadas pela burguesia sobre os trabalhadores de que a solução para as suas mazelas só podem ser encontradas no processo eleitoral. Dirão os dirigentes desses partidos: “não geramos ilusões”. Então, proponho o seguinte exercício a todos que consigam permanecer acordados no horário eleitoral: observe qual dos partidos supracitados utilizará o seu parco tempo na mídia para defender que as eleições não passam de um mero jogo da burguesia, que elas não resolvem a vida dos trabalhadores, que aqueles que se negam a aceitar esse jogo e se recusam a votar não são meros tolos por igualarem todos os candidatos. Lamentavelmente, acho pouco provável que algum deles se digne a defender essas ideias.
De minha parte, estarei nas eleições 2014 ao lado daqueles que empunharão a bandeira do VOTO NULO, não porque todos os políticos sejam mais do mesmo, mas porque o sistema iguala todos que nele adentra. É possível que a campanha na mídia consiga alterar o grau de apatia eleitoral da população, mas não é isso o que as jornadas de junho do ano passado e o cotidiano dos que trabalham, das donas de casa, dos botequins etc. nos sugerem. Portanto, acredito que num momento como este em que uma parcela considerável dos trabalhadores brasileiros questiona as instituições burguesas e o sistema eleitoral, os socialistas têm a obrigação de contribuir para acelerar essa experiência.

terça-feira, 29 de julho de 2014

DEPOIS DA COPA VEM A DISPUTA PELO VOTO.


O que esperar das primeiras eleições após as manifestações contra a corrupção?   (PARTE III)           
Teones França – Historiador       (21/7/2014)


O “voto certo” pode melhorar nossas vidas?

Consequência direta da história política brasileira, nos poucos períodos em que nossa democracia permitiu que eleições acontecessem as pessoas acreditaram que política é algo a ser exercido meramente por políticos, identificados por elas como os ricos e poderosos. Nesse sentido o voto foi sendo banalizado a ponto de ser vendido por alguns trocados, uma fornada de tijolos, um jogo de camisas de futebol ou, mais recentemente, trocado pela bolsa-família, expressando que a população trabalha com a seguinte lógica: “se sou obrigado a fazer parte desse circo, que seja para ganhar alguma recompensa” já que – infelizmente, talvez – é característica do brasileiro sempre querer ser mais “malandro” que os outros. Também existem aqueles que concedem seus votos aos amigos (não é por coincidência que muitos candidatos se identifiquem como “o seu amigo”), pois se é para “alguém se arrumar” que seja um conhecido.
Assim, à exceção dos partidos criados a partir de uma ideologia, mas que possuem pouca influência eleitoral – e, por isso, são chamados preconceituosamente de nanicos –, as mais de trinta siglas oficialmente existentes no Brasil atual são meras legendas eleitoreiras, com programas muito parecidos, onde o que define o apoio a um governante é o quanto este irá pagar ou o cargo que irá oferecer. As alianças entre as legendas partidárias realizadas previamente às eleições também demonstram essa total falta de critério programático e, por conseguinte, não sabemos mais se ainda há partidos de esquerda ou de direita, eles se diferenciam apenas por fazer parte ou não dos governos. A tão falada reforma política não será a solução para alterar esse quadro e dar mais confiança ao eleitor de que o seu voto pode realmente fazer a diferença e modificar para melhor a situação do país, conforme é dito pelos artistas em propagandas pela TV, nas quais teimam em culpar o eleitor por todos os problemas sociais vivenciados pelo Brasil porque estaria votando errado. Nesse raciocínio estreito o voto seria o único meio para pôr o país em outros trilhos.
Nos últimos pleitos, parte do eleitorado, acreditando nessa ideia, tem buscado alterar esse quadro através da renovação, procurando eleger políticos que não sejam “profissionais”. Porém, ao analisarmos superficialmente o cenário político brasileiro percebemos que a renovação é rara. Os grandes caciques ainda ditam as regras. O maior exemplo disso talvez seja José Sarney, que exerce algum tipo de mandato desde o regime militar, quando fazia parte da ARENA, foi o primeiro presidente do período posterior a essa ditadura e permanece desde então sempre ocupando alguma cadeira no parlamento, mesmo que para isso tivesse até que mudar seu domicílio do Maranhão para o Amapá. No entanto, caso a renovação fosse total, da mesma maneira nada seria alterado, pois não há diferença entre os partidos com reais chances de conquistar os principais cargos e, dessa forma, sempre teremos mais do mesmo. As instituições estão em xeque e querem nos fazer crer que o culpado pelas nossas mazelas é o eleitor e não a falência do conjunto do sistema político que precisa seguir favorecendo a minoria burguesa.
Com certeza será bastante difícil que algum candidato na eleição de outubro próximo – mesmo aqueles dos partidos que se reivindicam socialistas – consiga chacoalhar o sentimento de apatia eleitoral que impera entre os brasileiros a ponto de fazê-los acreditar novamente que o seu voto pode realmente melhorar o Brasil e as suas vidas. Porque é fato que a maioria absoluta do povo não aguenta mais ver e ouvir horário político eleitoral onde todos, sem exceção, afirmam ser pela educação e pela saúde. No entanto, passada a eleição, a escola pública segue com qualidade duvidosa e os hospitais oferecem péssimo atendimento aos que não podem pagar por uma saúde “padrão-Fifa”. Ao que tudo indica, parece também não haver mais espaço para que candidatos peçam votos por se declararem “éticos e contra a corrupção” – slogan que aparece até mesmo no campo socialista –, mesmo porque ser ético e crítico da corrupção nada mais é que obrigação de todos, seja candidato ou não e, portanto, não deveria ser apresentado como um critério para definir em quem iremos votar.

Entender que política não é algo restrito aos políticos parlamentares de terno e gravata, mas que deve ser feita por todos já que tudo é consequência dela; da mesma forma, não acreditar que o voto é nossa única arma e, ao mesmo tempo, compreender que as melhorias sociais só serão alcançadas através das mobilizações dos setores populares, como nos ensinaram as jornadas de junho ano passado, é o caminho a ser trilhado para se alcançar uma vida melhor, ao menos para os mais pobres.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

DEPOIS DA COPA VEM A DISPUTA PELO VOTO.


O que esperar das primeiras eleições após as manifestações contra a corrupção?   (PARTE II)           
Teones França – Historiador       (21/7/2014)
As raízes dos vícios na política brasileira
As origens dos vícios em nosso sistema político podem ser encontradas há séculos atrás, quando o Brasil ainda era colônia de Portugal. Foi naquele período de nossa história que começou a se configurar uma de nossas principais características, a qual trazemos conosco até hoje: o patrimonialismo. Trata-se da não diferenciação entre as esferas pública e particular por parte dos governantes e administradores públicos, que se iniciou a partir do momento em que o governo português concedeu total liberdade aos proprietários de terra na colônia brasileira permitindo que estes administrassem o poder político como bem entendessem. Assim, tornou-se tradição em nosso país as autoridades passarem a ocupar cargos públicos como se estivessem ocupando uma propriedade particular, o que lhes daria o direito, inclusive, de nomear parentes para o exercício de qualquer função sem a aprovação prévia por concurso público.
Apesar de essa situação vir se modificando ao longo do tempo, a sua essência permaneceu inalterada. O início da República, em 1889, trouxe novas situações que ajudam a entender o nosso descaso atual com as eleições. Até 1934, por exemplo, o voto não era secreto, o que facilitava o “voto de cabresto”, aquele em que uma pessoa rica (na época, geralmente, um fazendeiro) encaminhava o eleitor (seu funcionário ou apadrinhado) até a urna para forçá-lo a votar em seus candidatos.
O pouco crédito que a população brasileira dá aos partidos políticos também tem raízes em nossa história republicana. Até 1937, os partidos existentes tinham um caráter apenas regional (Partido Republicano Paulista, por exemplo). Com o início da ditadura do Estado Novo varguista naquele ano eles foram extintos. Somente após essa ditadura, em 1945, é que surgem as primeiras siglas de caráter nacional, como a UDN, o PSD e o PTB. Com o golpe militar em 1964, todos esses partidos foram extintos e permitiu-se o surgimento de apenas dois: a ARENA, ligada aos militares, e o MDB, para servir como oposição. O Partido Comunista é o único que fugiu a essa regra, pois fora fundado em 1922 e sempre se organizou em âmbito nacional, embora tenha passado quase todo esse período na clandestinidade, ou seja, sem ser reconhecido oficialmente e, logo, pouco participou de processos eleitorais.
Com o enfraquecimento da ditadura militar, em 1979 a ARENA e o MDB foram extintos e surgiu a maioria das siglas que conhecemos até o momento: PT, PMDB, PDT, dentre outros. Entretanto, até o episódio do Mensalão podemos afirmar categoricamente que apenas o PT e, em menor medida, o PDT, recebiam votos em massa destinados especificamente ao partido e ao seu conteúdo programático, enquanto que os votos recebidos pelos outros partidos eram originalmente destinados mais aos seus candidatos do que à plataforma política da legenda. Nos últimos anos esse segundo aspecto se espalhou a todos os partidos, inclusive ao PT, que passou a ser visto pela grande maioria dos eleitores brasileiros como mais um na multidão de siglas que compõem o cenário político-partidário em nosso país.
Parte desses vícios é enxergada de forma cada vez mais nítida pela população em geral que, com isso, aumenta a sua ojeriza pela “política”. Entretanto, outro vício que compõe o nosso sistema político, embora nem seja tão genuinamente brasileiro, ainda não se tornou superficial o bastante. Trata-se do favorecimento constante ao longo de nossa história das camadas mais bem favorecidas economicamente. Apesar das maquiagens realizadas vez em quando no processo eleitoral (permissão do voto às camadas mais pobres, ampliação do voto para as mulheres e, posteriormente para os analfabetos, utilização das urnas eletrônicas com o intuito de dificultar a fraude, possibilidade de alguns trabalhadores elegerem-se etc.), as eleições seguem – e seguirão – acontecendo para possibilitar aos ricos manterem seus representantes no poder legislando e executando as leis em seu benefício, sob os holofotes de uma suposta democracia.

terça-feira, 22 de julho de 2014

DEPOIS DA COPA VEM A DISPUTA PELO VOTO.


O que esperar das primeiras eleições após as manifestações contra a corrupção?   (PARTE I)           
Teones França – Historiador       (21/7/2014)

                De antemão deixo claro que tratarei a seguir do tema das eleições sem aprofundar a questão teórica, no entanto, parto do pressuposto de que se trata de um processo que deve ser enquadrado no terreno burguês. Não devemos esquecer, contudo, que os partidos que se reivindicam representantes dos trabalhadores estão participando cada vez mais ativamente desses pleitos, fato que merece uma reflexão específica, o que será feito na 4ª e última parte.

Em junho de 2013, ouvimos muitos políticos brasileiros afirmarem que estavam impactados com a “voz das ruas”. Da Presidente aos vereadores, todos saíram com suas imagens chamuscadas após as manifestações que levaram milhares a protestarem contra a Copa, a corrupção, a falta de investimentos sociais ou, como muitos cartazes indicavam, “contra tudo o que está aí”.
                O que os manifestantes deixaram claro é que a população está cansada de acreditar em promessas de candidatos às vésperas de eleições, assim como não confia mais nos nossos políticos e nas instituições (Congresso Nacional, Justiça, Polícia etc.). A exceção, talvez, ainda seja o Supremo Tribunal de Federal a partir da atuação de Joaquim Barbosa no processo do Mensalão.
                O escândalo do Mensalão, ao lado de outros casos de corrupção, como o superfaturamento dos estádios da Copa e o constante desvio de verbas nos serviços públicos em geral, sempre envolvendo políticos, aumentaram a incredulidade de que as eleições podem realmente alterar nossa vida para melhor.

A culpa é do povo por não saber votar?
                A insatisfação e falta de confiança do eleitor já havia sido percebida nas últimas eleições em nosso país. Analisando friamente os números observamos que a quantidade de abstenções – as pessoas que se negam a ir votar – é muito grande. No pleito para prefeito de 2012, em muitas cidades grandes, somados os votos nulos e brancos com as abstenções, tivemos um total que chegou a ser superior a votação dos eleitos. Ou seja, os que ainda crêem que o processo eleitoral pode melhorar a sua vida e a situação de seu município estão em número menor do que aqueles que, quando se prestam a ir à urna exercer o seu direito de voto – que, na realidade, é um dever –, se negam a escolher algum candidato. Certamente, essas pessoas também não acreditavam que as eleições pudessem melhorar a situação do país.
                Para efeito de comparação, é interessante atentarmos para o fato de que há trinta anos manifestações ocorreram nas principais capitais brasileiras levando milhões às ruas para exigir justamente o retorno do direito de votar para eleger o Presidente da República e o prefeito de cidades que eram consideradas pela ditadura militar Área de Segurança Nacional, como era o caso de Duque de Caxias. Nos vinte e um anos em que os militares estiveram no poder – entre 1964 e 1985 – esse voto popular não fora permitido. Bastaram três décadas para que o anseio de votar demonstrado naquela época se transformasse num estorvo para uma parcela considerável de nossa população.
                Não podemos, contudo, culpar o povo por isso. A responsabilidade única e exclusivamente deve recair sobre a classe política e o sistema burguês que fizeram da democracia ressurgida após a ditadura militar um mero jogo de “toma lá, dá cá” em que os interesses de sua sigla partidária e dos setores da elite aos quais representam estão sempre à frente do interesse da coletividade. Nosso sistema político permite, por exemplo, que um partido apoie uma candidatura ou um projeto do governo no Congresso Nacional em troca de um Ministério ou de cargos importantes no segundo escalão que possibilitarão a essa legenda partidária arrecadar milhões – nem sempre de maneira lícita – para sustentar seus privilégios e futuras campanhas eleitorais milionárias de candidatos desse partido. Por isso, esse sistema já está sendo denominado por alguns como “presidencialismo de coalizão”.

                A cada eleição uma dúvida vem se transformando em certeza. Com o passar dos anos parece mais verdadeiro para o nosso povo que o sistema político brasileiro é tão viciado – e viciante – que independentemente de quem seja eleito, rico ou pobre, corrupto ou não, as melhorias, caso aconteçam, serão ínfimas. Obviamente, a experiência com o Mensalão contribuiu muito para que essa percepção se tornasse predominante já que o partido que esteve envolvido era justamente aquele que outrora enaltecia a ética, criticava a corrupção com veemência e se apresentava como um defensor dos interesses dos trabalhadores. O governo de Lula, ao trazer para o cenário político brasileiro aspectos tão conhecidos em governos anteriores como a corrupção explícita, a troca de favores com políticos tradicionais e conservadores e os lucros desenfreados para banqueiros e empresários só fez aumentar em nossa população a imagem de que todos os políticos são iguais, embora possam estar, por conveniência, em partidos distintos.

terça-feira, 24 de junho de 2014

EM NOME DA NAÇÃO! FANTASIAS E REALIDADES DO NACIONALISMO BURGUÊS NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO.

Teones França – Historiador     (23/6/14)

 


                Acompanhar a Copa de futebol tem nos permitido observar o orgulho nacional expresso em cânticos de amor à pátria e hinos entoados à capela com fervor exacerbado. Em plena era da chamada Globalização ficamos intrigados sem saber até que ponto o sentimento de amor nacional é realmente verdadeiro e o quanto ele pode ser contraditório no mundo posterior à guerra fria, onde vivenciamos, ao menos na aparência, a sensação de um globo único, sem repartições.

                Para compreender melhor o presente é sempre salutar irmos ao passado em busca das raízes históricas dos processos contemporâneos. Nesse caminho identificamos que o sentimento de amor à pátria é algo que pode ter tido origem com a formação dos estados nacionais europeus em fins da Idade Média. Naquele momento, a unificação de vários territórios nacionais num único grande país era algo extremamente importante para os rendimentos da nascente burguesia que, dessa forma, passou a pagar impostos a um único rei, necessitar de apenas uma moeda para realizar suas transações comerciais e alcançar mais prestígio numa época que ainda não valorizava tanto o dinheiro.

                Tendo em vista que unificar várias nações em uma única não era algo tão simples, guerras e casamentos entre reis foram as estratégias mais utilizadas para conquistar a aceitação e a unidade da população dentro das fronteiras delimitadas para os novos países. É a partir daí que passam a surgir os principais símbolos em torno dos quais se assentarão as bases do nacionalismo moderno: bandeiras, hinos e língua única. Esta última nem sempre foi de fato aceita, apesar da imposição dos governantes, e os primeiros nem sempre foram respeitados a contento. Prova disso é a Espanha, que até hoje não tem a sua unidade nacional muito bem resolvida, vide os conflitos separatistas dos povos basco e Catalão; assim como a gama de países que surgiram a partir da desintegração da Iugoslávia e da União Soviética no início dos anos 1990. Ou seja, o sentimento nacional, de pertencimento a uma nação, não cabe necessariamente dentro das fronteiras de um país. Estas em algumas vezes são amplas e, em outras, pequenas demais.

                No caso brasileiro a unidade nacional começou a fazer parte dos objetivos de nossa elite de maneira mais detida após a independência em 1822. A fragmentação da América espanhola em vários países após se livrar do domínio europeu era algo que amedrontava a classe dirigente brasileira, não por nutrir um sentimento nacional, mas por almejar obter melhores dividendos econômicos com a manutenção da unidade daquilo que fora a América portuguesa (Brasil). Com as guerras separatistas violentamente derrotadas, valores nacionais precisavam ser divulgados para se educar a população, mesmo que de maneira autoritária, e se alcançar o sentimento de pertencimento à nação brasileira.

                Para isso, era imprescindível a criação de uma bandeira, de um hino e de heróis. Se ao período imperial (1822-1889) coube manter o território unido a ferro e fogo, a República, após 1889, se incumbiu da divulgação dos valores nacionais. Já que nossa população via com bons olhos os valores imperiais, a bandeira manteve-se quase a mesma do Império de D. Pedro, com o acréscimo do globo azul, das estrelas representando as federações e da frase “Ordem e Progresso”, retirada do ideal dos militares positivistas que tinham muita influência no país no início do período republicano. O hino também teve suas origens no tempo imperial. À música, composta logo após a independência e idolatrada pelo povo, foi adequada uma letra no início do século XX num concurso realizado pelo governo republicano. Já quanto aos heróis a figura de Tiradentes era a que mais se adequava a esse panteão, pois sua trágica morte na forca seguida pelo esquartejamento de seu corpo era bem propícia à sua elevação a mártir da nação e à invenção de sua imagem análoga a de Jesus Cristo caminhando para a crucificação.

                Entretanto, apesar de serem bastante divulgados nas escolas infantis, esses valores não conseguiram ser incutidos nos corações e mentes das gerações seguintes de uma forma totalizante. Sendo assim, eles não estão inseridos no nacionalismo brasileiro de maneira uniforme e o sentimento de pertencimento à nação não é tão forte em algumas regiões. Os gaúchos, por exemplo, têm como característica o culto à bandeira de seu estado com mais fervor que à bandeira brasileira, resquício da derrotada Revolução Farroupilha, de intenções separatista, ocorrida entre 1835 e 1845. Tal fato só enfatiza mais a certeza de que o nacionalismo é antes de tudo um sentimento fabricado.

                Ao final da guerra fria, com a fragmentação da União Soviética e com a reunificação alemã o termo globalização começou a ser utilizado a todo instante para caracterizar o cenário mundial desde então. Mas a ideia de uma aldeia global, onde os valores nacionais deveriam ser pouco valorizados não condiz com o nacionalismo identificado no surgimento de novas nações e no orgulho de um povo diante de sua bandeira e da execução de uma música num simples jogo de futebol.

                O sentimento exacerbado de amor à pátria observado nos noventa minutos de duração do jogo torna-se, contudo, tanto quanto fantasioso quando no dia-a-dia a maioria das pessoas abre mão de tradições nacionais – até mesmo a própria língua – e anseia pelo consumo de valores culturais de outras nações que não a sua. Apenas a título de ilustração podemos citar em nosso país a mudança de hábitos alimentares nacionais em prol de um hambúrguer do Mc Donald’s, a popularização da calça jeans e do terno com gravata num clima tropical, as diversas músicas em inglês que cantamos diariamente numa quantidade certamente maior do que as cantadas em português, a comemoração do Halloween etc., sem contar que só ouvimos o hino nacional em jogos de futebol e mesmo assim só o cantamos com fervor em jogos da seleção. Parece que apenas nesse momento lembramos que nascemos no Brasil e mesmo assim é algo que esquecemos fácil caso nossa seleção não se sagrar vitoriosa.

                Nesse sentido, mais uma vez, só podemos concluir que o nacionalismo nada mais é do que um sentimento fabricado originalmente pela burguesia quando se fortalecia enquanto classe social, o que não impede que as pessoas sigam se sentindo mais confortáveis quando agrupadas dentro de fronteiras ao lado daqueles que possuam valores culturais mais próximos aos seus. No entanto, apesar de ser um mero sentimento o nacionalismo não é inofensivo. Criou e segue criando sérios problemas para a humanidade.

Em nome da pátria várias atrocidades foram cometidas ao longo da história: guerras mataram e seguem matando milhões; em nome da nação (Grande Alemanha) o nazismo convenceu o povo alemão de que o extermínio de outros povos era necessário já que são arianos e, portanto, os melhores entre os seres humanos; não é por outra razão, senão pelo sentimento nacional, que a xenofobia impera atualmente na Europa no expurgo de imigrantes, que acirrarão a concorrência no mercado de trabalho, e na proliferação de atos racistas. Nesse aspecto, é irônico observar tantos negros compondo as seleções de futebol dos principais países europeus, talvez seja o preço que tenham que pagar pela exploração colonialista sobre a África no século XIX.

                É racional que num jogo de futebol escolhamos um time para torcer e que essa escolha quase sempre recaia sobre aquele que seja composto por jogadores que estejam mais próximos de nosso círculo social. O que é irracional é considerar como traidor da pátria os que numa copa do mundo não torçam pelo seu país de origem; da mesma maneira que se considere como antipatriota os que defendam outras cores que não as da bandeira sob a qual nasceram. Na verdade, não há o que estranhar já que nacionalismo e irracionalidade são bastante compatíveis.

 

A COPA DAS LUTAS!


Apesar da truculência de Alckmin, metroviários/SP indicam a melhor tática para vitórias.

 

Teones França - Historiador - 10/06/14

 


                Diferentemente do ano passado, o outono de 2014 trouxe lutas organizadas de maneira mais tradicional e várias greves são deflagradas pelos sindicatos nas principais cidades do país. Insufladas por uma nova reorganização do sindicalismo – na qual bases de diversas categorias atropelam direções sindicais – essa onda grevista que se espalha pelo Brasil tem, no entanto, o mesmo motivador principal que originou as jornadas de junho em 2013: a Copa do mundo.

                O descontentamento gerado pelo desperdício do dinheiro público destinado à construção de estádios de futebol e obras que facilitarão, prioritariamente, o acesso dos visitantes do aeroporto aos seus hotéis e aos locais de competição tem sido o elemento determinante para trazer a classe trabalhadora de volta à sua tradição de luta organizada como há tanto tempo não se via. Se não há mais dúvida de que haverá Copa, também é inquestionável que esta será conhecida futuramente como a Copa das lutas. Dessa forma, para que ela não seja vencida apenas pelos empreiteiros, pelos grandes conglomerados empresariais e pela Fifa, que lucrarão de maneira absurda com o evento, é fundamental que os trabalhadores busquem a unidade, pois somente assim será possível sagrarem-se vencedores também.

                Pressionados pela Fifa e escaldados após as manifestações ocorridas no ano passado, os governos e a burguesia brasileira souberam se preparar previamente para enfrentarem as lutas que sabiam que despontariam nesse momento. Alteraram leis, aumentaram o efetivo de repressores fardados nas ruas, mantêm-se inflexíveis diante das reivindicações dos trabalhadores e obtiveram o apoio incondicional da Justiça do Trabalho, que finalmente mostra que é um mero sustentáculo dos governos e do grande capital. Demonstrando que estão em plantão diuturno, nossos magistrados estão atentos para logo após a deflagração de uma greve decretá-la abusiva, garantindo a “legalidade” da truculência dos governos e da repressão contra os trabalhadores.

                A recente greve dos metroviários de São Paulo exemplifica isso de maneira muito nítida. A divergência entre a solicitação de reajuste dos grevistas e o índice oferecido pelo governo do estado é ínfima, mas este não pode ceder, pois o caminho da luta se tornaria um modelo a ser seguido por outras categorias, o que precisa ser impedido pelos governantes. Ao contrário, além de toda a repressão na tentativa de conter as manifestações dos metroviários, o governador Alckmin demitiu, no último dia 9, cerca de 45 grevistas por justa causa, utilizando-se de critérios como mínimo questionáveis, mas contando com toda a complacência dos juízes.

 Mais uma vez tivemos a confirmação de que a lei de greve é mais uma das existentes no Brasil apenas para permanecer no papel. Todas, ainda no início, são consideradas abusivas, embora na maioria dos casos governos e patrões não tenham cumprido com o que reza a nossa Constituição, concedendo reajustes salariais anuais. Os ditos “serviços essenciais” então sofrem ainda mais, pois são tantas as exigências existentes na regulamentação dessa lei que, caso as sigam integralmente, os trabalhadores desses setores nunca realizarão uma greve de fato.

Na atual greve, os metroviários paulistas fizeram uma contraproposta ao governo para que a paralisação não prejudicasse a população – crítica primeira feita por Alckmin e todos os governantes que se vêem às voltas com um movimento grevista. Sugeriram retornar ao trabalho, porém com as catracas liberadas para que os usuários viajassem gratuitamente. O governo, claro, recusou a proposta, sob o argumento de que “o Metrô é uma empresa e, como empresa, precisa ter equilíbrio financeiro”. Em outras palavras, o lucro tem primazia sobre o conforto da população trabalhadora, a que necessita realmente do transporte público.

Uma greve, mesmo que se torne vitoriosa, não melhorará significativamente a vida dos trabalhadores, que pouco tempo depois perceberão a necessidade de realizar outro movimento grevista para novamente conquistar melhorias salariais. Contudo, a greve é o momento privilegiado para escancarar as contradições e os limites do sistema capitalista ao expor sem tergiversações os dois campos antagônicos nessa sociedade: de um lado, os trabalhadores e, de outro, os patrões, auxiliados pelos governos e pela justiça. Nesse cenário, caso não lute, o trabalhador não obterá avanços trabalhistas.

Categoria de destaque no bojo do que se tornou conhecido como “novo sindicalismo” na década de 1980, os metroviários já eram inovadores em suas formas de luta naquele momento. Na greve de 1990, no Rio de Janeiro, enfrentando o autoritário governo de Moreira Franco, implementaram o que eles próprios denominaram como “Operação roleta livre”. Num dia inteiro, os grevistas bancaram liberar a passagem de todos que quisessem fazer uso do serviço do Metrô, numa operação que contou com um diretor do sindicato responsável por cada estação, 14 trens circulando e o trabalho integral de todos os funcionários. O objetivo era conquistar o apoio da população, tão difícil de ser obtido em greves do serviço público.

Nesse dia, 250 mil pessoas viajaram de graça, configurando um grande sucesso dessa atividade. De acordo com o presidente do sindicato na ocasião, Geraldo Cândido, na assembleia em que se decidiu a utilização dessa tática foi dito o seguinte para os participantes: “nós vamos assumir a empresa e nós vamos distribuir o produto para a população”, o que em sua opinião seria algo análogo “à apropriação dos meios de produção” pelos trabalhadores.

Ao resgatarem essa tática de luta na atual greve na capital paulista, os metroviários contribuíram duplamente. Por um lado, indicaram que é salutar buscar nas experiências vivenciadas ao longo da história da classe trabalhadora ensinamentos para as lutas contemporâneas e, por outro, expuseram as contradições e hipocrisias do governo burguês de plantão, forçando-o a retirar sua máscara de mantenedor do bem-estar de todos e mostrar sua verdadeira face de garantidor dos interesses do grande capital.

 

CRESCEM AS GREVES DEFLAGRADAS À REVELIA DOS SINDICATOS.

 

Há uma nova reorganização do sindicalismo no Brasil?


Teones França (Historiador)      26/5/14

              O número de greves vem aumentando no Brasil nos últimos anos fruto de uma série de fatores, dentre eles a redução do poder de compra dos salários associada à diminuição do índice de desemprego. Dentro desse contexto o ano de 2014 tem apresentado, num efeito cascata, um aspecto que não era observado por aqui desde os tempos em que a CUT foi fundada: greves organizadas à revelia dos sindicatos e/ou que atropelam direções sindicais, rejeitando acordos considerados rebaixados chancelados por estas. Rodoviários, garis e Comperj, no Rio de Janeiro são exemplos desse processo.

                Diante desse cenário algumas perguntas surgem clamando por respostas: o que explica o aparecimento desse fenômeno? Ele torna essas greves mais fracas? O sindicalismo em nosso país se fortalecerá com esse processo?

                Comecemos pela primeira questão. É nítido que vivenciamos um novo momento na história do sindicalismo brasileiro, em especial porque neste movimenta-se hoje uma classe trabalhadora diferente, mais jovem, mais escolarizada e, consequentemente, mais crítica, que não se resigna a qualquer pressão diante de uma conjuntura em que se combina rendimento salarial reduzido e taxa de desemprego em declínio. O clima tenso aberto pela proximidade da copa do mundo desde as jornadas de junho também contribui para insuflar ainda mais a rebeldia desse setor.

                Há outro elemento, este talvez até mais decisivo, que ajuda a explicar a rebelião das bases contra as direções sindicais: a relação promíscua entre a maioria dos movimentos sociais – especialmente a CUT – e os governos petistas. Seja por confiança cega (caso de um grupo minoritário de militantes que ainda enxerga os presidentes petistas como heróis por terem posto fim ao neoliberalismo no Brasil, melhorado o rendimento do salário mínimo e reduzido bastante o número de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza) ou para angariar benesses pessoais, dirigentes de movimentos sociais contribuíram na sustentação dos governos de Lula e Dilma – o primeiro necessitava mais – evitando que a classe trabalhadora organizada batesse às portas do Palácio do Planalto reivindicando melhorias sociais. Agindo dessa maneira, esses dirigentes perderam o respeito perante seus dirigidos e contribuíram para aumentar o questionamento aos sindicatos.

                Quando estabelecemos uma comparação entre o momento atual e a metade da década de 1980, concluímos que há, de fato, uma nova reorganização do sindicalismo no Brasil. Naquela ocasião, a CUT fora fundada pelos setores que se consideravam mais combativos, rompendo com o grupo que identificava como pelego, o mesmo que logo a seguir irá fundar as CGT’s e, anos mais tarde, a Força Sindical. Os cutistas, quando não dirigiam os sindicatos dos quais faziam parte, organizavam Oposições Sindicais e, assim, atuavam em assembleias e greves até vencerem as eleições, se tornarem maioria nessas entidades sindicais e filiá-las à CUT.

Da mesma maneira que a fundação da CUT foi fruto de um processo de reorganização do movimento sindical brasileiro, as greves recentes quando atropelam as direções dos sindicatos dessas categorias parecem indicar um caminho análogo. Por razões diversas – algumas destacadas acima –, a CUT atualmente ocupa o espaço que outrora era ocupado pelos pelegos das CGT’s.

                Certas características das recentes greves (garis, rodoviários, comperj, por exemplo) nos dão a certeza que esse processo é extremamente positivo para o sindicalismo brasileiro. Elas demonstram a recusa da maioria dessas categorias em se submeter às atitudes antidemocráticas de direções sindicais burocratizadas, que não têm a preocupação em ouvir e organizar suas bases. Também indicam que diminui a autonomia desses dirigentes para realizarem acordos rebaixados em gabinetes fechados e para adotarem como principal estratégia priorizar a negociação em detrimento de uma postura mais conflituosa com governos ou patrões.

                Os rebeldes que promovem dissidências em seus sindicatos nos dão mostras de que discordam dessa estratégia pouco combativa adotada pelos dirigentes, seguem acreditando que a luta coletiva pode diminuir a exploração a que são submetidos e, por conseguinte, confiam que a greve permanece sendo um dos principais instrumentos que a classe trabalhadora possui à sua disposição para obter vitórias.

                Por fim, ao contrário dos que entendem que greves organizadas à revelia das direções dos sindicatos tornam-se mais fracas, esses movimentos inovadores se fortalecem justamente nesse fato, pois ignoram, concomitantemente, a nossa autoritária estrutura sindical e o Estado brasileiro. A estrutura sindical, presente na Consolidação das Leis do Trabalho, estabelecida na era Vargas há cerca de setenta anos, exige a assinatura dos sindicatos de patrão e trabalhador para formalizar um acordo trabalhista. Com esse mecanismo, Vargas pretendia controlar melhor a sociedade, mas, na prática, acabou dando aos sindicatos todo esse poder, facilitando o surgimento de sindicatos de carimbo (aqueles que só existem para pôr seu carimbo nos acordos trabalhistas). A postura burocrática e pouco combativa desses sindicatos passa a ser questionada pela recente onda grevista, o que é algo bastante positivo.

                Dando pouca importância à necessidade de uma instituição reconhecida pelo Estado para representá-los, os dissidentes rebeldes se negam a andar sob a tutela pré-estabelecida pelo aparato estatal através do que rege a nossa legislação trabalhista. Essa atitude, mesmo que indiretamente, questiona o poder da própria Justiça do Trabalho, tão forte nas últimas décadas, mas sempre se posicionando em suas decisões de maneira contrária à classe trabalhadora, como por exemplo, no tocante a abusividade das greves.

                As vitoriosas greves do Comperj e dos garis, com adesão e participação massiva das categorias, demonstram, por si, a fortaleza desses movimentos. Ao apresentarem um frescor de novidade e rebeldia no viciado sindicalismo brasileiro apontam para uma reorganização deste que pode trazer resultados bastante positivos para a luta coletiva dos trabalhadores em nosso país num futuro próximo.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

A PÁTRIA DE CHUTEIRAS! COPA DO MUNDO DE FUTEBOL E POLÍTICA: UMA RELAÇÃO HISTÓRICA (PARTE 5 / 5)



Teones França (Historiador)

 
O “padrão-Fifa”: política + futebol = $$$$$$$

Vimos, assim, que política e futebol sempre andaram de mãos dadas e, ao contrário do que pensam os ingênuos, há muito mais coisas envolvidas numa partida de futebol do que entretenimento. Oitenta e quatro anos depois da disputa do primeiro Mundial, o campeonato de futebol aterrissa em terras brasileiras novamente, apresentando um cenário que demonstra muitas continuidades com o que era observado na década de 1930: o racismo ainda está presente em muitos estádios de futebol mundo afora, dando mostra de que esse esporte é um espelho que reflete valores contidos na sociedade. Não é de estranhar que o ideal nazista ainda encontre seguidores, como o jogador da seleção croata, Josep Simunic, suspenso pela Fifa por dez jogos sob a acusação de ter entoado cânticos hitleristas após a classificação de sua seleção para o mundial deste ano e, por isso, está fora da copa.
 

De microfone em punho e braço esquerdo erguido, após a classificação croata para a copa 2014 Simunic grita slogans nazistas: “pela Pátria!” e “preparados!”.

 
Da mesma maneira, quando ouvimos o técnico de nossa seleção, Luís Felipe Scolari, afirmar que seus comandados têm que entender que jogam por um país inteiro, chegamos à conclusão de que o ideal da “pátria de chuteiras” também segue tendo continuidade. A existência de leis estaduais que obrigam a execução do hino nacional antes de partidas de futebol indica o mesmo e, diferente do que dizem os que as defendem, o seu principal objetivo não é ensinar a letra à população – se assim o fosse o hino teria que ser executado antes da novela das nove, evento cotidianamente de maior audiência – e sim, aos nossos jogadores.

O que mudou bastante em comparação às primeiras copas foram os gastos para a sua realização. A copa do mundo do Brasil será a mais cara da história. Apenas em estádios deve-se gastar mais de dez bilhões de Reais, enquanto a Alemanha, em 2006, gastou a quarta parte desse valor. No total a gastança deverá atingir valor superior a trinta bilhões, sendo que mais de 90% desse montante terão saído dos cofres públicos. No entanto, se estes ficarão vazios, os bolsos de empreiteiras e da própria Fifa ficarão abarrotados de dólares. O legado da copa de 2014 beneficiará poucos privilegiados.


Para um reduzido grupo de pessoas (Fifa, donos de times, jogadores de ponta, TV’s, patrocinadores) o futebol é cada vez mais rentável, alimentado pela paixão de milhões de pessoas carentes

 É contra essa farra com o dinheiro público que manifestações públicas acontecem desde o ano passado no Brasil. O governo já escolheu sua estratégia: criminalizar os participantes desses atos como se estivessem cometendo um crime contra a pátria e não lutando a favor dela. A presidente, por seu turno, certamente torcerá pela vitória de nossa seleção para acalmar os manifestantes e associar a conquista à sua gestão, o que lhe facilitará a reeleição em outubro próximo. Para isso, conta com seus exércitos, dentro de campo – para conquistar a taça – e fora – para calar os manifestantes.

 

quarta-feira, 4 de junho de 2014

A PÁTRIA DE CHUTEIRAS! COPA DO MUNDO DE FUTEBOL E POLÍTICA: UMA RELAÇÃO HISTÓRICA (PARTE 4 / 5)


Teones França (Historiador)

Na era da Globalização, o fim do “futebol-arte”
Os planos iniciais não previam o México como sede do mundial de 1986. A escolhida era a Colômbia, entretanto, no início da década de 1980 o país, assim como outros na América Latina, vivia um momento econômico bastante negativo o que levou o presidente Belisario Betancur a desistir da candidatura, declarando que “não há tempo para atender as extravagâncias da Fifa e de seus sócios”. Alguns tentaram convencer o governo brasileiro, ainda chefiado pelo General Figueiredo, a promover o evento, o que foi prontamente recusado sob a argumentação de que a situação vivida por nosso país exigia “irrestrita austeridade”. Diante disso, o México se prontificou, mesmo porque os estádios utilizados em 1970 ainda estavam em boas condições.
Muitos craques se despediram das copas nesse mundial. Foi o caso de Platini, Zico, Sócrates, Falcão, Rummenigge entre outros. O jogador do torneio foi Maradona, levando a Argentina ao bicampeonato e marcando, no confronto contra a Inglaterra nas quartas de final, o que é considerado por muitos o gol mais bonito da história das copas, driblando seis jogadores desde o meio de campo, além do goleiro, antes de marcar. Quanto ao Brasil, tínhamos uma seleção que se não possuía a qualidade da que havia disputado o mundial anterior, nem um craque em plena forma como o baixinho argentino, como mínimo se equivalia às outras maiores forças da competição.
E ainda contávamos com o talento de Zico. Porém, ele passou a maior parte dos jogos no banco de reservas já que vinha de uma cirurgia no joelho. Nosso selecionado foi eliminado pela França, nas quartas de final. O jogo estava empatado em 1X1 quando, no meio do segundo tempo, o lateral Branco foi derrubado pelo goleiro Bats após um passe magistral do ídolo rubro-negro. O normal seria Sócrates bater, mas este entregou a bola para Zico que chutou fraco e o francês defendeu. Na disputa de pênaltis o Brasil foi desclassificado.
Contudo, se no momento do pênalti no decorrer do jogo, Sócrates preferiu não assumir a sua posição de liderança, em outros momentos teve atitude distinta. No primeiro jogo, quando cometeram a gafe de executar o hino da independência ao invés do hino nacional brasileiro, ele não esperou o término da execução para retirar os seus companheiros de equipe da posição em que estavam perfilados. Contundente também foi a sua postura de aproveitar a audiência do evento para em todos os jogos entrar em campo com faixas na cabeça contendo frases contra a fome, as guerras, o racismo e o imperialismo. A Fifa, obviamente, não gostou de tal atitude e proibiu posteriormente esse tipo de conduta dos jogadores em seus campeonatos. Para aqueles que conheciam Sócrates essas atitudes não causaram estranhamento já que ele sempre procurou associar o futebol à política, mas sob uma ótica que acreditava ser benéfica aos setores menos favorecidos de nossa sociedade. Dizia que “o jogador de futebol nada mais é que um representante de seu povo”. A sua liderança na construção do que ficou conhecido como “democracia corintiana” em plena ditadura militar, no início da década de 1980, é um exemplo disso.



Sócrates, líder da democracia corintiana, e uma das faixas usadas na copa de 1986

Na Itália, em 1990, tivemos uma demonstração nítida da intersecção que há entre futebol e situação política mundial. No ano anterior o muro de Berlim, símbolo da divisão da Alemanha em duas – a Ocidental, capitalista e próxima aos Estados Unidos; e a Oriental, socialista e ligada à União Soviética –, foi derrubado e o processo de reunificação dos dois países estava em curso e iria se consolidar meses depois do fim do campeonato. Nesse cenário, a vitória alemã, derrotando a Argentina na final, foi celebrada em êxtase pela população que portava nos estádios cartazes com frases do tipo “Nós somos Copa do Mundo e alguém de novo”.



Beckembauer e a seleção vitoriosa em 1990 comemoram com o povo alemão

O mesmo processo que reunificou as Alemanhas – o fim do socialismo real e, consequentemente, da guerra fria – também fez com que essa copa fosse a última de países como União Soviética, Tchecoslováquia e Iugoslávia, que se fragmentaram em vários países e, com isso, novas seleções debutariam nas copas seguintes: República Tcheca, Eslováquia, Ucrânia, Rússia, Croácia, Sérvia, Bósnia e outras. O fim de um mundo dividido em dois e o início de um globo unificado, na chamada globalização, já surtia seus efeitos junto à nossa seleção: metade dos convocados por Lazaroni jogava no exterior, contra apenas dois em 1986. Num campeonato em que prevaleceu o baixo nível técnico e esquemas defensivos caímos nas oitavas de final, perdendo para a Argentina de Cannigia e Maradona, na derrocada que recebeu a conotação pejorativa de “Era Dunga”, “modelo de jogador”, de acordo com o técnico.
A qualidade do futebol também permaneceu em baixa nos Estados Unidos, em 1994, assim como a “Era Dunga” teve continuidade. No entanto, dessa vez ganhou um tom positivo, pois o próprio, ao lado de Bebeto e Romário, foram os principais jogadores da campanha que levou o Brasil ao tetracampeonato mundial. Numa prova de que o futebol-arte era coisa do passado, o cabeça-de-área foi o jogador que mais se destacou no meio de campo pouco criativo de nossa seleção.


Presidente em 1994, Itamar Franco não perdeu a oportunidade de recepcionar os campeões

Demonstrando que nem tudo – ou quase nada – é apenas esportivo numa copa, o zagueiro colombiano, Andrés Escobar, foi assassinado em seu país dias após a eliminação da seleção logo no início dessa competição. Uma das hipóteses que pode ter motivado o crime é que apostadores, ligados ao tráfico de drogas nesse país, teriam tido grandes prejuízos com a saída precoce da seleção que era vista inicialmente como uma das promessas do mundial.
Em 1998, na França, com Rivaldo no meio de campo e Ronaldo no ataque, a seleção brasileira apresentou um pouco mais de qualidade técnica do que nas duas copas anteriores e novamente chegou à final. Dessa vez, com duas diferenças, a adversária foi a anfitriã e o resultado foi uma derrota acachapante por 3X0. Uma convulsão sofrida por Ronaldo no dia do jogo final e o fato de mesmo assim ele ter ido a campo está até hoje mal explicado, o que para alguns seria o suficiente para concluir que a CBF teria feito um acordo para que o Brasil entregasse o jogo. Indiscutível, no entanto, é que a França possuía um bom time, com Zidane de maestro, e era mais forte física e tecnicamente que a nossa seleção. O elenco francês, composto em maioria por descendentes de árabes e africanos (de países que haviam sido colônias da França até meados do século passado), tinha apenas oito jogadores filhos de mães e pais franceses, demonstrando o caráter multirracial da sociedade desse país, o que ainda é motivo de conflitos sociais e atitudes racistas, acirrados pela diminuição do mercado de trabalho na França e em outros países europeus.


Africanos, em barcos, entram clandestinamente na França à procura de uma vida melhor

Quatro anos depois o destino reservou um desfecho mais feliz para o nosso futebol. Pela primeira vez a disputa ocorreu na Ásia e em dois países-sede: Coreia do Sul e Japão. Isso porque a Fifa optou por uma decisão política já que os dois eram concorrentes e há entre eles rusgas históricas decorrentes da invasão japonesa à Coreia durante a Segunda Guerra Mundial.
Com Ronaldinho Gaúcho e Rivaldo no meio e Ronaldo no ataque o Brasil chegou à final e venceu os alemães por 2X0. Na cerimônia de entrega das premiações o capitão, Cafu, apareceu nas milhões de TV’s espalhadas pelo mundo que acompanhavam a final com uma frase escrita por ele em sua camisa: “100% Jardim Irene”. Com esse gesto, além de associar o humilde bairro paulistano em que nasceu a um momento de festa, levantou a autoestima da população brasileira mais carente. Ao chegarem ao Brasil os jogadores foram recepcionados em Brasília pelo presidente Fernando Henrique que lhes concedeu a Medalha da Ordem do Mérito Nacional, num claro intuito de, tal e qual o presidente Médice, associar a conquista futebolística ao seu governo num ano de eleição presidencial. Mas, nem a aproximação com os jogadores vitoriosos ajudou muito a José Serra, candidato do presidente, que perdeu as eleições para Lula meses depois.




Cafu ergue a taça em 2002, após escrever em sua camisa “100% Jardim Irene”




FHC, à la Bellini, repete a atitude de Médice e ao lado dos campeões de 2002 ergue a taça

Já dissemos que a vitória na copa de 1990 coroou de forma sublime a reunificação das duas Alemanhas e a derrubada do Muro de Berlim. Entretanto, isso não se comparou à celebração desse país e de sua população ao sediar a copa dezesseis anos depois. Finalmente, os alemães foram às ruas empunhando bandeiras com as cores nacionais, o que não pôde ocorrer em 1974 quando a Alemanha Ocidental foi sede da competição, mas o país ainda estava dividido em duas partes. O orgulho de ser alemão, que havia sido destruído junto com o país após a derrota de Hitler na Segunda Guerra e a divulgação das atrocidades cometidas por ele e pelos nazistas, foi resgatado nessa copa. Nem o fato de ter terminado a competição em terceiro lugar diminuiu esse orgulho, conforme acreditava o técnico da seleção, Klinsmann: “Nós não ganhamos a copa, mas ganhamos o país... éramos um país com uma história negativa... o mais importante foi devolver o orgulho de ser patriota ao povo alemão”. A copa foi vencida pelos italianos, que derrotaram os franceses na final nas cobranças de pênaltis. Franceses, que desclassificaram a nossa seleção nas quartas de final.
A copa finalmente chegou à África, o continente mais pobre do planeta, após oitenta anos. A África do Sul foi a sede do mundial de 2010 e fez questão de demonstrar ao mundo que o apartheid (regime em que apenas os brancos governavam e os negros eram relegados a guetos) era coisa do passado. Não foi subserviente a todas as ordens da Fifa, como a que proibia o uso das vuvuzelas (cornetas grandes) nos estádios, sob a alegação de que eram uma manifestação cultural do país.



Na África do sul, as vuvuzelas não se calaram ao “padrão-Fifa



Mandela, expressão maior da luta sul-africana contra o apartheid, que por muitos anos foi o motivo principal para o país ser impedido pela Fifa de participar de uma copa do mundo

A vencedora foi a Espanha e seu meio de campo, composto por Xavi e Iniesta, deu esperanças aos apreciadores de que o futebol-arte poderia estar de volta. Na final derrotou a Holanda, seleção que eliminou o Brasil nas quartas de final. Dunga, o nosso técnico, procurou incutir em seus comandados o estilo de jogo de força e raça, característico de sua “era”, mas exagerou na dose, criando proibições e regras, estabelecendo a relação entre ele, jogadores e jornalistas num patamar quase militar.


                Pondo fim à análise sobre futebol e política ao longo de oitenta e quatro anos de copas do mundo, refletiremos na quinta, e última, parte deste texto a respeito das continuidades e rupturas nessa relação às vésperas do campeonato em nosso país e das principais motivações que, desde o ano passado, levam milhares de pessoas às ruas no Brasil em protestos contra o “padrão-Fifa”.