Há uma nova reorganização do sindicalismo
no Brasil?
Teones França (Historiador) 26/5/14
O número de greves vem aumentando no Brasil nos
últimos anos fruto de uma série de fatores, dentre eles a redução do poder de
compra dos salários associada à diminuição do índice de desemprego. Dentro
desse contexto o ano de 2014 tem apresentado, num efeito cascata, um aspecto
que não era observado por aqui desde os tempos em que a CUT foi fundada: greves
organizadas à revelia dos sindicatos e/ou que atropelam direções sindicais,
rejeitando acordos considerados rebaixados chancelados por estas. Rodoviários,
garis e Comperj, no Rio de Janeiro são exemplos desse processo.
Diante desse cenário algumas perguntas surgem
clamando por respostas: o que explica o aparecimento desse fenômeno? Ele torna
essas greves mais fracas? O sindicalismo em nosso país se fortalecerá com esse
processo?
Comecemos pela primeira questão. É nítido que
vivenciamos um novo momento na história do sindicalismo brasileiro, em especial
porque neste movimenta-se hoje uma classe trabalhadora diferente, mais jovem,
mais escolarizada e, consequentemente, mais crítica, que não se resigna a
qualquer pressão diante de uma conjuntura em que se combina rendimento salarial
reduzido e taxa de desemprego em declínio. O clima tenso aberto pela
proximidade da copa do mundo desde as jornadas de junho também contribui para
insuflar ainda mais a rebeldia desse setor.
Há outro elemento, este talvez até mais decisivo, que
ajuda a explicar a rebelião das bases contra as direções sindicais: a relação
promíscua entre a maioria dos movimentos sociais – especialmente a CUT – e os
governos petistas. Seja por confiança cega (caso de um grupo minoritário de
militantes que ainda enxerga os presidentes petistas como heróis por terem
posto fim ao neoliberalismo no Brasil, melhorado o rendimento do salário mínimo
e reduzido bastante o número de brasileiros que vivem abaixo da linha de
pobreza) ou para angariar benesses pessoais, dirigentes de movimentos sociais
contribuíram na sustentação dos governos de Lula e Dilma – o primeiro
necessitava mais – evitando que a classe trabalhadora organizada batesse às
portas do Palácio do Planalto reivindicando melhorias sociais. Agindo dessa
maneira, esses dirigentes perderam o respeito perante seus dirigidos e
contribuíram para aumentar o questionamento aos sindicatos.
Quando estabelecemos uma comparação entre o momento
atual e a metade da década de 1980, concluímos que há, de fato, uma nova
reorganização do sindicalismo no Brasil. Naquela ocasião, a CUT fora fundada
pelos setores que se consideravam mais combativos, rompendo com o grupo que
identificava como pelego, o mesmo que logo a seguir irá fundar as CGT’s e, anos
mais tarde, a Força Sindical. Os cutistas, quando não dirigiam os sindicatos
dos quais faziam parte, organizavam Oposições Sindicais e, assim, atuavam em
assembleias e greves até vencerem as eleições, se tornarem maioria nessas
entidades sindicais e filiá-las à CUT.
Da mesma
maneira que a fundação da CUT foi fruto de um processo de reorganização do
movimento sindical brasileiro, as greves recentes quando atropelam as direções
dos sindicatos dessas categorias parecem indicar um caminho análogo. Por razões
diversas – algumas destacadas acima –, a CUT atualmente ocupa o espaço que
outrora era ocupado pelos pelegos das CGT’s.
Certas características das recentes greves (garis,
rodoviários, comperj, por exemplo) nos dão a certeza que esse processo é
extremamente positivo para o sindicalismo brasileiro. Elas demonstram a recusa
da maioria dessas categorias em se submeter às atitudes antidemocráticas de
direções sindicais burocratizadas, que não têm a preocupação em ouvir e
organizar suas bases. Também indicam que diminui a autonomia desses dirigentes
para realizarem acordos rebaixados em gabinetes fechados e para adotarem como
principal estratégia priorizar a negociação em detrimento de uma postura mais
conflituosa com governos ou patrões.
Os rebeldes que promovem dissidências em seus
sindicatos nos dão mostras de que discordam dessa estratégia pouco combativa
adotada pelos dirigentes, seguem acreditando que a luta coletiva pode diminuir
a exploração a que são submetidos e, por conseguinte, confiam que a greve
permanece sendo um dos principais instrumentos que a classe trabalhadora possui
à sua disposição para obter vitórias.
Por fim, ao contrário dos que entendem que greves
organizadas à revelia das direções dos sindicatos tornam-se mais fracas, esses
movimentos inovadores se fortalecem justamente nesse fato, pois ignoram,
concomitantemente, a nossa autoritária estrutura sindical e o Estado
brasileiro. A estrutura sindical, presente na Consolidação das Leis do
Trabalho, estabelecida na era Vargas há cerca de setenta anos, exige a assinatura
dos sindicatos de patrão e trabalhador para formalizar um acordo trabalhista.
Com esse mecanismo, Vargas pretendia controlar melhor a sociedade, mas, na
prática, acabou dando aos sindicatos todo esse poder, facilitando o surgimento
de sindicatos de carimbo (aqueles que
só existem para pôr seu carimbo nos acordos trabalhistas). A postura
burocrática e pouco combativa desses sindicatos passa a ser questionada pela
recente onda grevista, o que é algo bastante positivo.
Dando pouca importância à necessidade de uma
instituição reconhecida pelo Estado para representá-los, os dissidentes
rebeldes se negam a andar sob a tutela pré-estabelecida pelo aparato estatal
através do que rege a nossa legislação trabalhista. Essa atitude, mesmo que
indiretamente, questiona o poder da própria Justiça do Trabalho, tão forte nas
últimas décadas, mas sempre se posicionando em suas decisões de maneira
contrária à classe trabalhadora, como por exemplo, no tocante a abusividade das
greves.
As vitoriosas greves do Comperj e dos garis, com
adesão e participação massiva das categorias, demonstram, por si, a fortaleza
desses movimentos. Ao apresentarem um frescor de novidade e rebeldia no viciado sindicalismo brasileiro apontam
para uma reorganização deste que pode trazer resultados bastante positivos para
a luta coletiva dos trabalhadores em nosso país num futuro próximo.
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