terça-feira, 24 de junho de 2014

CRESCEM AS GREVES DEFLAGRADAS À REVELIA DOS SINDICATOS.

 

Há uma nova reorganização do sindicalismo no Brasil?


Teones França (Historiador)      26/5/14

              O número de greves vem aumentando no Brasil nos últimos anos fruto de uma série de fatores, dentre eles a redução do poder de compra dos salários associada à diminuição do índice de desemprego. Dentro desse contexto o ano de 2014 tem apresentado, num efeito cascata, um aspecto que não era observado por aqui desde os tempos em que a CUT foi fundada: greves organizadas à revelia dos sindicatos e/ou que atropelam direções sindicais, rejeitando acordos considerados rebaixados chancelados por estas. Rodoviários, garis e Comperj, no Rio de Janeiro são exemplos desse processo.

                Diante desse cenário algumas perguntas surgem clamando por respostas: o que explica o aparecimento desse fenômeno? Ele torna essas greves mais fracas? O sindicalismo em nosso país se fortalecerá com esse processo?

                Comecemos pela primeira questão. É nítido que vivenciamos um novo momento na história do sindicalismo brasileiro, em especial porque neste movimenta-se hoje uma classe trabalhadora diferente, mais jovem, mais escolarizada e, consequentemente, mais crítica, que não se resigna a qualquer pressão diante de uma conjuntura em que se combina rendimento salarial reduzido e taxa de desemprego em declínio. O clima tenso aberto pela proximidade da copa do mundo desde as jornadas de junho também contribui para insuflar ainda mais a rebeldia desse setor.

                Há outro elemento, este talvez até mais decisivo, que ajuda a explicar a rebelião das bases contra as direções sindicais: a relação promíscua entre a maioria dos movimentos sociais – especialmente a CUT – e os governos petistas. Seja por confiança cega (caso de um grupo minoritário de militantes que ainda enxerga os presidentes petistas como heróis por terem posto fim ao neoliberalismo no Brasil, melhorado o rendimento do salário mínimo e reduzido bastante o número de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza) ou para angariar benesses pessoais, dirigentes de movimentos sociais contribuíram na sustentação dos governos de Lula e Dilma – o primeiro necessitava mais – evitando que a classe trabalhadora organizada batesse às portas do Palácio do Planalto reivindicando melhorias sociais. Agindo dessa maneira, esses dirigentes perderam o respeito perante seus dirigidos e contribuíram para aumentar o questionamento aos sindicatos.

                Quando estabelecemos uma comparação entre o momento atual e a metade da década de 1980, concluímos que há, de fato, uma nova reorganização do sindicalismo no Brasil. Naquela ocasião, a CUT fora fundada pelos setores que se consideravam mais combativos, rompendo com o grupo que identificava como pelego, o mesmo que logo a seguir irá fundar as CGT’s e, anos mais tarde, a Força Sindical. Os cutistas, quando não dirigiam os sindicatos dos quais faziam parte, organizavam Oposições Sindicais e, assim, atuavam em assembleias e greves até vencerem as eleições, se tornarem maioria nessas entidades sindicais e filiá-las à CUT.

Da mesma maneira que a fundação da CUT foi fruto de um processo de reorganização do movimento sindical brasileiro, as greves recentes quando atropelam as direções dos sindicatos dessas categorias parecem indicar um caminho análogo. Por razões diversas – algumas destacadas acima –, a CUT atualmente ocupa o espaço que outrora era ocupado pelos pelegos das CGT’s.

                Certas características das recentes greves (garis, rodoviários, comperj, por exemplo) nos dão a certeza que esse processo é extremamente positivo para o sindicalismo brasileiro. Elas demonstram a recusa da maioria dessas categorias em se submeter às atitudes antidemocráticas de direções sindicais burocratizadas, que não têm a preocupação em ouvir e organizar suas bases. Também indicam que diminui a autonomia desses dirigentes para realizarem acordos rebaixados em gabinetes fechados e para adotarem como principal estratégia priorizar a negociação em detrimento de uma postura mais conflituosa com governos ou patrões.

                Os rebeldes que promovem dissidências em seus sindicatos nos dão mostras de que discordam dessa estratégia pouco combativa adotada pelos dirigentes, seguem acreditando que a luta coletiva pode diminuir a exploração a que são submetidos e, por conseguinte, confiam que a greve permanece sendo um dos principais instrumentos que a classe trabalhadora possui à sua disposição para obter vitórias.

                Por fim, ao contrário dos que entendem que greves organizadas à revelia das direções dos sindicatos tornam-se mais fracas, esses movimentos inovadores se fortalecem justamente nesse fato, pois ignoram, concomitantemente, a nossa autoritária estrutura sindical e o Estado brasileiro. A estrutura sindical, presente na Consolidação das Leis do Trabalho, estabelecida na era Vargas há cerca de setenta anos, exige a assinatura dos sindicatos de patrão e trabalhador para formalizar um acordo trabalhista. Com esse mecanismo, Vargas pretendia controlar melhor a sociedade, mas, na prática, acabou dando aos sindicatos todo esse poder, facilitando o surgimento de sindicatos de carimbo (aqueles que só existem para pôr seu carimbo nos acordos trabalhistas). A postura burocrática e pouco combativa desses sindicatos passa a ser questionada pela recente onda grevista, o que é algo bastante positivo.

                Dando pouca importância à necessidade de uma instituição reconhecida pelo Estado para representá-los, os dissidentes rebeldes se negam a andar sob a tutela pré-estabelecida pelo aparato estatal através do que rege a nossa legislação trabalhista. Essa atitude, mesmo que indiretamente, questiona o poder da própria Justiça do Trabalho, tão forte nas últimas décadas, mas sempre se posicionando em suas decisões de maneira contrária à classe trabalhadora, como por exemplo, no tocante a abusividade das greves.

                As vitoriosas greves do Comperj e dos garis, com adesão e participação massiva das categorias, demonstram, por si, a fortaleza desses movimentos. Ao apresentarem um frescor de novidade e rebeldia no viciado sindicalismo brasileiro apontam para uma reorganização deste que pode trazer resultados bastante positivos para a luta coletiva dos trabalhadores em nosso país num futuro próximo.

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