quinta-feira, 29 de maio de 2014

A PÁTRIA DE CHUTEIRAS! COPA DO MUNDO DE FUTEBOL E POLÍTICA: UMA RELAÇÃO HISTÓRICA (PARTE 3 / 5)

C. A. Torres, capitão do tri, e o presidente Médice

Teones França (Historiador)

As copas sob o domínio dos ditadores

Nas duas décadas seguintes enquanto muitos ditadores massacravam vidas e valores democráticos em vários países do mundo, inclusive no Brasil, o futebol vivia momentos de glória com uma estupenda diversidade de craques espalhados pela América do Sul e Europa.
Portugal e Inglaterra conseguiram montar bons times para a copa de 1966, ocorrida neste último país, a ponto de só terem conseguido repetir tal feito apenas recentemente. O primeiro apresentou ao mundo o craque da competição, Eusébio e, não à toa, eliminou os bicampeões ainda na primeira fase – numa melancólica despedida de Garrincha das copas –, terminando em terceiro lugar. A campeã foi a seleção anfitriã, de Bobby Charlton, que derrotou a Alemanha Ocidental na prorrogação no jogo final.
Quando a copa do mundo de 1970 teve início, milhares de pessoas já haviam morrido em consequência de uma guerra, que teve dentre os motivos para ser originada um confronto pelas eliminatórias desse campeonato. Conhecido como “guerra do futebol”, o conflito entre El Salvador e Honduras deixou como saldo 6 mil mortos e começou com os jogos eliminatórios para a copa entre esses dois países. Nos anos anteriores milhares de salvadorenhos atravessaram a fronteira de Honduras, sendo vistos como invasores pela população local, então vêm os jogos e com os ânimos já exaltados, na partida na capital hondurenha, até pedras foram jogadas no hotel da seleção salvadorenha; o troco veio no jogo da volta quando o hino de Honduras foi vaiado e um pano sujo foi hasteado no lugar da bandeira do país. Um mês depois, a guerra começou.
Essa copa foi a primeira transmitida ao vivo para todo o Brasil, algo que foi bem aproveitado pela ditadura militar brasileira como exemplo de desenvolvimento proporcionado pelo milagre econômico, em que o PIB do país crescia a dois dígitos, porém, graças à concentração de renda e ao aumento da dívida externa. Nossa seleção chegou ao tricampeonato com uma linha de frente formada por cinco jogadores que eram da posição do camisa 10 em seus times: Pelé, Rivelino, Jairzinho, Tostão e Gerson, provando que o craque prescinde ao esquema tático. Sendo a primeira seleção a se tornar tricampeã, conquistou de forma definitiva a taça Jules Rimet – que seria derretida treze anos depois.
Na estreia contra a Tchecoslováquia, vencemos, mas levamos o primeiro gol e na comemoração o atacante tcheco fez o sinal da cruz em protesto contra o governo ditatorial socialista que estava à frente de seu país. Seguiram-se mais cinco vitórias, sendo que a mais difícil foi o 1X0 contra a Inglaterra, jogo em que o goleiro Gordon Banks realizou a defesa considerada a mais difícil de todas as copas. Por aqui, enquanto o presidente Médice aproveitava a vitória no campo para exaltar o país e seu governo, o governador-interventor de São Paulo, Paulo Maluf, presenteou cada atleta com um fusca, pago com dinheiro público. Já a maioria da população, inebriada por mais uma façanha de nosso futebol, via os gols de nossos craques ao som de “noventa milhões em ação, pra frente Brasil, salve a seleção...”, desconhecendo que inimigos do regime militar eram mortos e/ou torturados naquele momento.


Pelé, Torres e Maluf


Quatro anos depois, a Alemanha sediou pela primeira vez uma copa, porém o clima era de muita apreensão em virtude dos acontecimentos ocorridos em meio à olimpíada que teve esse país como sede dois anos antes, quando atletas israelenses foram assassinados por grupos palestinos. Na verdade, o clima político era tenso mesmo antes de começar o torneio já que a União Soviética se recusou a enfrentar o Chile na repescagem das eliminatórias no Estádio Nacional de Santiago por este ter sido o palco de atrocidades cometidas pela ditadura de Pinochet. Por isso, os soviéticos perderam o jogo por W.O. e ficaram fora da copa. Durante o torneio, pela primeira vez em uma competição internacional, as Alemanhas, Oriental e Ocidental, se enfrentaram após a divisão do país em dois – um ligado aos Estados Unidos e o outro, à União Soviética – ao final da segunda guerra mundial.


Estádio Nacional de Santiago, palco de prisão e tortura na ditadura do General Pinochet

O Brasil apresentou um time de estilo bem diferente do de 1970, que ficou conhecido pelo esquema retranqueiro de seu treinador: Zagalo, novamente. Após uma pálida primeira fase, o Brasil chegou às semifinais e cruzou com a Holanda, saindo derrotada por 2X0. Esta, por sua vez, apresentou o seu Carrossel ou a Laranja Mecânica (menção ao filme de Stanley Kubrick e cor principal dessa seleção) num esquema em que os jogadores não guardavam posição fixa e revezavam-se entre defesa, meio de campo e ataque, capitaneado pelo craque daquele momento: Cruyff. Entretanto, na final contra os donos da casa, que contavam com craques de peso, como Breitner, Müller, Overath e Beckenbauer, perderam por 2X1. Repetia-se, assim, 1954.
Da mesma forma que o Brasil, a Argentina viveu alguns anos sob o domínio de ditadores militares. Quando a copa de 1978 ocorria nesse país quem estava no governo era o General Jorge Videla, momento em que – de acordo com levantamentos recentes – mais de dez mil pessoas eram mortas, torturadas ou desapareciam para sempre.
A seleção argentina, contudo, possuía um time de jogadores talentosos, como Mario Kempes, Ardilles, Passarela e outros, mas, suspeita-se, chegou à conquista do campeonato com a interferência direta dos ditadores através de suborno e manipulação de resultados. Assim como os militares brasileiros se apropriaram do tricampeonato mundial para camuflar as atrocidades cometidas pelo governo ditatorial, a conquista argentina levou uma multidão às ruas em comemoração e diminuiu os protestos dos oposicionistas. Na final derrotou os holandeses, sem Cruyff, pois este decidira por conta própria boicotar o torneio em protesto aos problemas políticos enfrentados pelos argentinos. Mesmo não tendo seguido Cruyff, o restante do time, ao receber a medalha de prata, virou de costas para Videla – morto em 2003, na prisão, condenado pelos crimes de sua ditadura, ao contrário de seus párias brasileiros.


Videla entrega taça a Passarella, capitão da seleção argentina em 1978


Para muitos, o Brasil é quem deveria ter jogado a final contra a Holanda. Com um time composto por Rivelino, Reinaldo, Nelinho, Dirceu, Zico, entre outros, chegaríamos à final se a Argentina não derrotasse o Peru por uma diferença de quatro gols. Sensação da copa até então, o Peru fez uma partida medíocre, perdeu de 6X0 e seu goleiro, Quiroga, argentino de nascimento, falhou em vários gols.


Manchete de jornal argentino afirmava, em 2012, que um ex-senador peruano denunciou que a goleada de 6X0 dos argentinos em 78 foi fruto de acordo entre as ditaduras dos dois países, aliadas na Operação Condor, criada pelas ditaduras da América do Sul para reprimir opositores

Quatro anos depois a Argentina se envolveria numa guerra contra um inimigo externo. Documentos descobertos recentemente indicam que Margaret Thatcher pensou em retirar as seleções britânicas (Inglaterra, Escócia e Irlanda do Norte) da copa da Espanha, em 1982, porque tinha receio de um possível confronto entre esses países e a Argentina já que um dia após o início do mundial a guerra das Malvinas terminara com a vitória dos ingleses sobre os sul-americanos. Não se sabia, inclusive, qual poderia ser a atitude dos hooligans (violentos torcedores ingleses), tão temidos naquele momento. No final das contas todas as três seleções britânicas participaram do evento e não enfrentaram os hermanos.
Apesar de campeã do mundo e de contar com o excepcional Maradona despontando para o futebol mundial, a Argentina cumpriu papel de coadjuvante numa copa em que duas outras seleções brilharam: a italiana, que se sagraria campeã, e a brasileira. Sob a batuta de Telê Santana nossa seleção reuniu um elenco bastante técnico, formando um conjunto (Leandro, Júnior, Falcão, Sócrates, Zico etc.) que, apesar de derrotado pela própria Itália nas quartas de final, ainda é visto como um dos maiores times de todos os tempos. A única exceção poderia ser o centroavante Serginho, mas não esqueçamos que o titular até meses antes do mundial era um dos melhores atacantes que nosso futebol já produziu: Reinaldo. A derrota de 3X2 para os italianos deu início à tese do futebol de resultados – é melhor jogar feio, mas ganhar – que afastará gradativamente o nosso futebol de sua tradição de associá-lo à arte. Ela também gerou um clima de luto país afora, pois nunca antes – e, talvez, nem depois – o futebol mobilizou tanto nosso povo a ponto de praticamente todas as ruas estarem coloridas de verde e amarelo, algo que até se repetiria dois anos depois, não por causa da copa do mundo, mas para exigir eleições diretas para presidente.

Menino-símbolo do luto brasileiro após a eliminação para a Itália em 1982


                Na 4ª e penúltima parte iremos analisar a relação entre futebol e política num cenário mundial bem distinto do que vimos aqui. O fim da guerra fria, o início da chamada globalização, a reunificação das Alemanhas serão processos que influenciarão todo o mundo e o futebol não ficará de fora. O futebol-arte chega ao fim enquanto adere à sociedade do espetáculo e as copas passam a adquirir o padrão-Fifa.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

A PÁTRIA DE CHUTEIRAS! COPA DO MUNDO DE FUTEBOL E POLÍTICA: UMA RELAÇÃO HISTÓRICA (PARTE 2 / 5 )





Teones França (Historiador)

Do trágico gol de Ghiggia ao epíteto de “país do futebol”

                A 2ª guerra mundial (1939-1945) gerou um interregno de doze anos entre o quarto e o quinto mundial. Os times atuais do Palmeiras-SP e do Cruzeiro-MG, que se denominavam Palestra Itália, tiveram que alterar seus nomes em virtude da menção ao país fascista. Diante de uma Europa destruída pelo conflito, a Fifa decidiu que a sede deveria novamente retornar à América do Sul e o Brasil foi o escolhido por ser o único candidato. A copa de 1950, pela 1ª vez, contou com a participação de uma seleção inglesa e ela foi derrotada pela seleção amadora dos Estados Unidos no jogo que é considerado a maior zebra da história das copas.

                No quadrangular decisivo, o Brasil de Zizinho, Ademir Menezes, Jair da Rosa Pinto e Barbosa chegou ao jogo final contra o Uruguai num Maracanã com cerca de 200 mil apoiadores – 10% da população carioca – precisando apenas de um empate para se sagrar campeão. Iniciou ganhando, mas viu Ghiggia fazer 2X1 aos 34 minutos da etapa final. Para os jogadores, que carregaram o estigma dessa derrota até a morte, o excesso de otimismo foi a principal causa do infortúnio brasileiro.


Gol do uruguaio Ghiggia calou o Maracanã em 1950

               
Na semana do confronto decisivo, vários políticos visitaram a seleção para tirar fotos com os atletas porque era época de eleição. No dia da partida um jornal circulou pela manhã com uma montagem da foto do time campeão. A comoção nacional oriunda dessa derrota pode ser explicada pelo fato do Brasil, país ainda agrário e subdesenvolvido, ter iniciado aquele jogo com a chance real de ser, ao menos no futebol, o melhor do mundo. Mas, ao final da partida, só restou ao povo aceitar cabisbaixo a máxima de Nelson Rodrigues: não nos tornávamos os melhores porque sofríamos do “complexo de vira-lata” com o qual “o brasileiro se colocava, voluntariamente, como inferior em face do resto do mundo”. Para os negros do time – como o goleiro Barbosa – o sofrimento foi ainda maior, pois foram os maiores responsabilizados pela derrota.


Barbosa, goleiro do Vasco, chora após a derrota para o Uruguai


    Quatro anos depois, na Suíça, nossa seleção caiu nas quartas de final para a Hungria, que, com Puskas à frente, é considerada por muitos como o maior time de todos os tempos. Após o fracasso de 1950 e as acusações de que a seleção jogara sem raça, a comissão técnica criou um clima de patriotismo exacerbado entre os jogadores a ponto de terem que decorar o hino nacional e beijar a nossa bandeira antes de entrar em campo. Já os húngaros só perderam na final para a Alemanha no que ficou conhecido como “milagre de Berna”. Os alemães, por sua vez, triunfavam poucos anos após a sua derrota na segunda guerra. O capitão do time, Fritz Walter, afirmou posteriormente: “o triunfo nos deu a sensação de que éramos de novo importantes”.

                Ao menos nos campos de futebol o nosso “complexo de vira-latas” começou a ser superado em 1958 já que o Brasil, com uma equipe formada por craques do quilate de Pelé, Garrincha, Nilton Santos e Didi, sagrou-se campeão mundial pela 1ª vez na Suécia. Dentre os times vencidos pelos brasileiros estava a temida União Soviética, país que, para espanto mundial, um ano antes havia enviado ao espaço o primeiro satélite artificial, o Sputnik, deslanchando a corrida espacial. Nos primórdios da guerra fria (disputa geopolítica entre Estados Unidos, capitalista, e União Soviética, socialista), especulava-se que os soviéticos apresentariam um futebol de laboratório, desenvolvido com métodos secretos de treinamento. Nada disso se viu e – o negro – Pelé, com apenas 17 anos, passeou nos campos suecos com seu vasto repertório de dribles, passes e gols, alforriando definitivamente os negros para a prática do futebol por aqui. Nossa população, vivendo o clima do otimismo propagandeado pelo governo de Juscelino Kubitschek, cantava em coro nas ruas a marchinha “A taça do mundo é nossa / Com brasileiro, não há quem possa...”.


Bellini, capitão em 1958, pioneiro no gesto de erguer a taça acima da cabeça



Tradicional uniforme da União Soviética, um dos times mais temido na aurora da guerra fria. Utilizado até a copa de 1986, por causa do fim da URSS na década seguinte, é atualmente uma das camisas da linha retro mais vendida. O CCCP, em português, quer dizer União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

Em 1962 a disputa futebolística retornou à América Latina, justamente no ano mais tenso da guerra fria para a região, quando os americanos descobriram que os soviéticos instalavam bases para lançamento de mísseis em Cuba, o que deu início ao bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos aos cubanos. Sem querer saber de política mundial, a seleção brasileira chegou ao bicampeonato com um time em que constavam vários jogadores presentes na disputa anterior, como Garrincha, Vavá, Zagalo, Nilton Santos e Pelé. Este último, no entanto, machucou-se no segundo jogo e o anjo das pernas tortas chamou a responsabilidade para si e comandou a equipe. O mundo exaltava “o país do futebol”.


Garrincha, craque da copa de 62, e Pelé, craque da edição anterior


               
 Na próxima parte trataremos das copas ocorridas entre 1966 e 1982, período em que o mundo se encantou com o futebol-arte e se amedrontou com a guerra fria e os diversos tipos de ditaduras.




domingo, 11 de maio de 2014

A PÁTRIA DE CHUTEIRAS! COPA DO MUNDO DE FUTEBOL E POLÍTICA: UMA RELAÇÃO HISTÓRICA (PARTE I / 5)

Teones França, historiador e professor da rede estadual RJ

Mito marcante de nossa cultura, a imagem do Brasil como um país de povo cordial e acolhedor, tendo no futebol o elo unificador de uma nação em harmonia tem sido questionada por manifestações de rua que, apesar de minoritárias até o momento, entoam gritos do tipo: “não vai ter copa!” ou “da copa eu abro mão. Quero mais dinheiro para a saúde e a educação!”. Questionando os altos gastos públicos com o evento e as exigências do “padrão-Fifa” em detrimento dos investimentos sociais, elas indicam que as disputas nesta competição que começa em junho extrapolarão as quatro linhas do campo e apontam para uma relação, nem sempre amistosa, entre futebol e política. Isso não é algo novo e exclusivo do nosso país. Ou melhor, essa relação – entre futebol e política – esteve presente em praticamente todas as dezenove copas realizadas até 2010. Através de um breve resumo sobre a participação brasileira em todos esses campeonatos, dividido em cinco partes, aprofundaremos essa discussão.

Nossa seleção antes das copas 
O primeiro jogo aceito de fato como sendo de uma seleção brasileira ocorreu em 1914. Isso porque nesse confronto amistoso contra o time inglês do Exeter City apenas jogadores brasileiros vestiram a camisa branca – a cor amarela só foi adotada em 1952 – do combinado formado por atletas do eixo RJ-SP e que venceu os ingleses por 2X0. 

1ª camisa utilizada pela seleção com a sigla da Federação Brasileira de Sports (depois CBD, atual CBF).

Camisa das 1as copas, com o símbolo da CBD

Após essa data, nossa seleção conquistou dois sul-americanos, em 1919 e 1922, ambos no Rio de Janeiro, tendo como principal craque nesses títulos o jogador paulistano Arthur Friedenreich. Mulato, filho de alemão, ele tinha como hábito passar muito tempo antes dos jogos alisando o cabelo na tentativa de diminuir os olhares enviesados do público, pois tinha certeza de que só lhe era permitido jogar em grandes clubes de elite e na seleção por ser descendente de europeu. 

Friedenreich

O ritual do atleta era compreensível porque naquele momento no Brasil negros não eram aceitos nos times considerados grandes e muito menos na seleção que representaria o país. Uma das exceções foi o time do Vasco, campeão carioca de 1923, fato que levou os vascaínos a sofrerem punições esportivas. Essa situação começou a mudar com a profissionalização no início dos anos 1930, que permitiu a proliferação de negros em nosso futebol e a caracterização definitiva de nosso estilo de jogo como fruto do malabarismo dos craques de ébano. Tal mudança fortaleceu mais um mito de nossa cultura: a de que vivemos numa democracia racial.

As copas do fascismo nos anos 1930
A 1ª guerra mundial e a destruição territorial e econômica da Europa que ela ocasionou atrasaram por alguns anos a disputa de um campeonato de futebol de caráter intercontinental. As Olimpíadas seguiram acontecendo, mas estas já ocorriam desde 1896 e, além do mais, envolviam vários esportes. Havia o temor, portanto, de que uma competição internacional de um único esporte, o futebol, fracassasse, o que impediria a sua continuidade.

Em 1930, a Fifa decidiu que havia chegado o momento, porém a Inglaterra – país que estabeleceu as regras do futebol moderno – achou por bem ficar de fora por discordar da tolerância da entidade esportiva com o futebol amador praticado na maioria dos países.

Benito Mussolini logo se prontificou para que a Itália fosse a sede da 1ª copa, com a intenção de que o evento servisse de propaganda à ditadura fascista, comandada por ele desde 1922. O Uruguai, contudo, propôs bancar todas as despesas de viagem e alimentação dos participantes e foi escolhido como sede. Em represália, a Itália boicotou o mundial, que teve poucos participantes – apenas 14 – já que muitos desistiram em função da crise econômica mundial que chegara ao ápice no ano anterior.

O Brasil participou sem os jogadores de São Paulo em função da briga entre a Confederação Brasileira de Desportos (CBD) e os paulistas. Com isso, craques como Friedenreich ficaram de fora e a nossa seleção foi eliminada na 1ª fase. O Uruguai, embalado pela conquista das duas últimas Olimpíadas – por isso, conhecido como Celeste Olímpica – sagrou-se vencedor.

Quatro anos depois, finalmente conseguindo sediar o mundial, o governo italiano sabia que esse era o momento para “mostrar ao universo o ideal fascista do esporte”, como afirmou na ocasião um dos generais de Mussolini, e a Itália sagrou-se campeã sem adversários à altura, mesmo porque o campeão anterior deu o troco e boicotou o torneio. O Brasil novamente enfrentou problemas, pois os times se recusaram a ceder seus jogadores para a CBD porque esta ainda defendia o amadorismo. A CBD acabou tendo que ceder e decidiu pagar salários aos convocados, porém, mesmo contando com craques do calibre do negro Leônidas da Silva, a seleção brasileira chegou tarde à Europa e, sem tempo para descanso, foi eliminada logo no primeiro jogo ao ser derrotada pela Espanha.

Jogadores italianos fazem a saudação fascista a Mussolini

Em 1938, num mundo já sentindo as primeiras turbulências da segunda guerra mundial, a Itália novamente sagrou-se campeã e seu capitão, Giuseppe Meazza, ao receber a taça, ergueu o braço e fez a saudação fascista em homenagem a Mussolini. A Alemanha nazista de Hitler, por sua vez, não conseguiu seguir o exemplo de seus parceiros italianos. Tentou sediar o evento para mostrar ao mundo a supremacia da raça ariana alemã – assim como fez dois anos antes nas olimpíadas de Berlim –, mas Jules Rimet, presidente da Fifa, logrou êxito em levar a competição para o seu país, a França. 
No Brasil, com a difusão do rádio, muitos conseguiram torcer por nossa seleção, mesmo que ao som de alto-falantes em praças públicas, já que ter rádio em casa não era para qualquer um. O governo ditatorial de Getúlio Vargas tentou tirar proveito da popularidade do selecionado brasileiro. O Brasil terminou a disputa em terceiro lugar, tendo perdido por 2X1 na semifinal para a campeã da competição e Leônidas da Silva foi o artilheiro, com sete gols marcados.

Leônidas em sua jogada tradicional, da qual foi precursor: a bicicleta.

O início da 2ª guerra paralisa o mundo e as competições esportivas. A próxima copa só seria realizada em 1950 e a população da sede escolhida, o Brasil, sofreria um dos maiores revezes da história do nosso futebol. Em contrapartida, se o início da década foi triste, ao seu final seríamos reconhecidos como o verdadeiro país do futebol. É esse o período analisado na próxima parte.