sexta-feira, 23 de maio de 2014

A PÁTRIA DE CHUTEIRAS! COPA DO MUNDO DE FUTEBOL E POLÍTICA: UMA RELAÇÃO HISTÓRICA (PARTE 2 / 5 )





Teones França (Historiador)

Do trágico gol de Ghiggia ao epíteto de “país do futebol”

                A 2ª guerra mundial (1939-1945) gerou um interregno de doze anos entre o quarto e o quinto mundial. Os times atuais do Palmeiras-SP e do Cruzeiro-MG, que se denominavam Palestra Itália, tiveram que alterar seus nomes em virtude da menção ao país fascista. Diante de uma Europa destruída pelo conflito, a Fifa decidiu que a sede deveria novamente retornar à América do Sul e o Brasil foi o escolhido por ser o único candidato. A copa de 1950, pela 1ª vez, contou com a participação de uma seleção inglesa e ela foi derrotada pela seleção amadora dos Estados Unidos no jogo que é considerado a maior zebra da história das copas.

                No quadrangular decisivo, o Brasil de Zizinho, Ademir Menezes, Jair da Rosa Pinto e Barbosa chegou ao jogo final contra o Uruguai num Maracanã com cerca de 200 mil apoiadores – 10% da população carioca – precisando apenas de um empate para se sagrar campeão. Iniciou ganhando, mas viu Ghiggia fazer 2X1 aos 34 minutos da etapa final. Para os jogadores, que carregaram o estigma dessa derrota até a morte, o excesso de otimismo foi a principal causa do infortúnio brasileiro.


Gol do uruguaio Ghiggia calou o Maracanã em 1950

               
Na semana do confronto decisivo, vários políticos visitaram a seleção para tirar fotos com os atletas porque era época de eleição. No dia da partida um jornal circulou pela manhã com uma montagem da foto do time campeão. A comoção nacional oriunda dessa derrota pode ser explicada pelo fato do Brasil, país ainda agrário e subdesenvolvido, ter iniciado aquele jogo com a chance real de ser, ao menos no futebol, o melhor do mundo. Mas, ao final da partida, só restou ao povo aceitar cabisbaixo a máxima de Nelson Rodrigues: não nos tornávamos os melhores porque sofríamos do “complexo de vira-lata” com o qual “o brasileiro se colocava, voluntariamente, como inferior em face do resto do mundo”. Para os negros do time – como o goleiro Barbosa – o sofrimento foi ainda maior, pois foram os maiores responsabilizados pela derrota.


Barbosa, goleiro do Vasco, chora após a derrota para o Uruguai


    Quatro anos depois, na Suíça, nossa seleção caiu nas quartas de final para a Hungria, que, com Puskas à frente, é considerada por muitos como o maior time de todos os tempos. Após o fracasso de 1950 e as acusações de que a seleção jogara sem raça, a comissão técnica criou um clima de patriotismo exacerbado entre os jogadores a ponto de terem que decorar o hino nacional e beijar a nossa bandeira antes de entrar em campo. Já os húngaros só perderam na final para a Alemanha no que ficou conhecido como “milagre de Berna”. Os alemães, por sua vez, triunfavam poucos anos após a sua derrota na segunda guerra. O capitão do time, Fritz Walter, afirmou posteriormente: “o triunfo nos deu a sensação de que éramos de novo importantes”.

                Ao menos nos campos de futebol o nosso “complexo de vira-latas” começou a ser superado em 1958 já que o Brasil, com uma equipe formada por craques do quilate de Pelé, Garrincha, Nilton Santos e Didi, sagrou-se campeão mundial pela 1ª vez na Suécia. Dentre os times vencidos pelos brasileiros estava a temida União Soviética, país que, para espanto mundial, um ano antes havia enviado ao espaço o primeiro satélite artificial, o Sputnik, deslanchando a corrida espacial. Nos primórdios da guerra fria (disputa geopolítica entre Estados Unidos, capitalista, e União Soviética, socialista), especulava-se que os soviéticos apresentariam um futebol de laboratório, desenvolvido com métodos secretos de treinamento. Nada disso se viu e – o negro – Pelé, com apenas 17 anos, passeou nos campos suecos com seu vasto repertório de dribles, passes e gols, alforriando definitivamente os negros para a prática do futebol por aqui. Nossa população, vivendo o clima do otimismo propagandeado pelo governo de Juscelino Kubitschek, cantava em coro nas ruas a marchinha “A taça do mundo é nossa / Com brasileiro, não há quem possa...”.


Bellini, capitão em 1958, pioneiro no gesto de erguer a taça acima da cabeça



Tradicional uniforme da União Soviética, um dos times mais temido na aurora da guerra fria. Utilizado até a copa de 1986, por causa do fim da URSS na década seguinte, é atualmente uma das camisas da linha retro mais vendida. O CCCP, em português, quer dizer União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

Em 1962 a disputa futebolística retornou à América Latina, justamente no ano mais tenso da guerra fria para a região, quando os americanos descobriram que os soviéticos instalavam bases para lançamento de mísseis em Cuba, o que deu início ao bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos aos cubanos. Sem querer saber de política mundial, a seleção brasileira chegou ao bicampeonato com um time em que constavam vários jogadores presentes na disputa anterior, como Garrincha, Vavá, Zagalo, Nilton Santos e Pelé. Este último, no entanto, machucou-se no segundo jogo e o anjo das pernas tortas chamou a responsabilidade para si e comandou a equipe. O mundo exaltava “o país do futebol”.


Garrincha, craque da copa de 62, e Pelé, craque da edição anterior


               
 Na próxima parte trataremos das copas ocorridas entre 1966 e 1982, período em que o mundo se encantou com o futebol-arte e se amedrontou com a guerra fria e os diversos tipos de ditaduras.




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