Teones França
(Historiador)
Do trágico gol de Ghiggia ao epíteto de “país do futebol”
A 2ª guerra mundial (1939-1945) gerou um interregno
de doze anos entre o quarto e o quinto mundial. Os times atuais do Palmeiras-SP
e do Cruzeiro-MG, que se denominavam Palestra Itália, tiveram que alterar seus
nomes em virtude da menção ao país fascista. Diante de uma Europa destruída
pelo conflito, a Fifa decidiu que a sede deveria novamente retornar à América
do Sul e o Brasil foi o escolhido por ser o único candidato. A copa de 1950,
pela 1ª vez, contou com a participação de uma seleção inglesa e ela foi
derrotada pela seleção amadora dos Estados Unidos no jogo que é considerado a
maior zebra da história das copas.
No quadrangular decisivo, o Brasil de Zizinho, Ademir
Menezes, Jair da Rosa Pinto e Barbosa chegou ao jogo final contra o Uruguai num
Maracanã com cerca de 200 mil apoiadores – 10% da população carioca – precisando
apenas de um empate para se sagrar campeão. Iniciou ganhando, mas viu Ghiggia
fazer 2X1 aos 34 minutos da etapa final. Para os jogadores, que carregaram o
estigma dessa derrota até a morte, o excesso de otimismo foi a principal causa
do infortúnio brasileiro.
Gol
do uruguaio Ghiggia calou o Maracanã em 1950
Na semana do confronto decisivo, vários políticos
visitaram a seleção para tirar fotos com os atletas porque era época de
eleição. No dia da partida um jornal circulou pela manhã com uma montagem da
foto do time campeão. A comoção nacional oriunda dessa derrota pode ser
explicada pelo fato do Brasil, país ainda agrário e subdesenvolvido, ter
iniciado aquele jogo com a chance real de ser, ao menos no futebol, o melhor do
mundo. Mas, ao final da partida, só restou ao povo aceitar cabisbaixo a máxima
de Nelson Rodrigues: não nos tornávamos os melhores porque sofríamos do “complexo de vira-lata” com o qual “o brasileiro se colocava, voluntariamente,
como inferior em face do resto do mundo”. Para os negros do time – como o
goleiro Barbosa – o sofrimento foi ainda maior, pois foram os maiores
responsabilizados pela derrota.
Barbosa,
goleiro do Vasco, chora após a derrota para o Uruguai
Quatro anos depois, na Suíça, nossa seleção caiu nas
quartas de final para a Hungria, que, com Puskas à frente, é considerada por
muitos como o maior time de todos os tempos. Após o fracasso de 1950 e as
acusações de que a seleção jogara sem raça, a comissão técnica criou um clima
de patriotismo exacerbado entre os jogadores a ponto de terem que decorar o
hino nacional e beijar a nossa bandeira antes de entrar em campo. Já os
húngaros só perderam na final para a Alemanha no que ficou conhecido como “milagre de Berna”. Os alemães, por sua
vez, triunfavam poucos anos após a sua derrota na segunda guerra. O capitão do
time, Fritz Walter, afirmou posteriormente: “o
triunfo nos deu a sensação de que éramos de novo importantes”.
Ao menos nos campos de futebol o nosso “complexo de vira-latas” começou a ser
superado em 1958 já que o Brasil, com uma equipe formada por craques do quilate
de Pelé, Garrincha, Nilton Santos e Didi, sagrou-se campeão mundial pela 1ª vez
na Suécia. Dentre os times vencidos pelos brasileiros estava a temida União
Soviética, país que, para espanto mundial, um ano antes havia enviado ao espaço
o primeiro satélite artificial, o Sputnik, deslanchando a corrida espacial. Nos
primórdios da guerra fria (disputa
geopolítica entre Estados Unidos, capitalista, e União Soviética, socialista),
especulava-se que os soviéticos apresentariam um futebol de laboratório, desenvolvido com métodos secretos de
treinamento. Nada disso se viu e – o negro – Pelé, com apenas 17 anos, passeou
nos campos suecos com seu vasto repertório de dribles, passes e gols,
alforriando definitivamente os negros para a prática do futebol por aqui. Nossa
população, vivendo o clima do otimismo propagandeado pelo governo de Juscelino
Kubitschek, cantava em coro nas ruas a marchinha “A taça do mundo é nossa / Com brasileiro, não há quem possa...”.
Bellini,
capitão em 1958, pioneiro no gesto de erguer a taça acima da cabeça
Tradicional
uniforme da União Soviética, um dos times mais temido na aurora da guerra fria. Utilizado até a copa de
1986, por causa do fim da URSS na década seguinte, é atualmente uma das camisas
da linha retro mais vendida. O CCCP, em português, quer dizer União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas
Garrincha,
craque da copa de 62, e Pelé, craque da edição anterior
Na próxima parte trataremos das copas ocorridas entre
1966 e 1982, período em que o mundo se encantou com o futebol-arte e se amedrontou com a guerra fria e os diversos tipos de ditaduras.
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