domingo, 11 de maio de 2014

A PÁTRIA DE CHUTEIRAS! COPA DO MUNDO DE FUTEBOL E POLÍTICA: UMA RELAÇÃO HISTÓRICA (PARTE I / 5)

Teones França, historiador e professor da rede estadual RJ

Mito marcante de nossa cultura, a imagem do Brasil como um país de povo cordial e acolhedor, tendo no futebol o elo unificador de uma nação em harmonia tem sido questionada por manifestações de rua que, apesar de minoritárias até o momento, entoam gritos do tipo: “não vai ter copa!” ou “da copa eu abro mão. Quero mais dinheiro para a saúde e a educação!”. Questionando os altos gastos públicos com o evento e as exigências do “padrão-Fifa” em detrimento dos investimentos sociais, elas indicam que as disputas nesta competição que começa em junho extrapolarão as quatro linhas do campo e apontam para uma relação, nem sempre amistosa, entre futebol e política. Isso não é algo novo e exclusivo do nosso país. Ou melhor, essa relação – entre futebol e política – esteve presente em praticamente todas as dezenove copas realizadas até 2010. Através de um breve resumo sobre a participação brasileira em todos esses campeonatos, dividido em cinco partes, aprofundaremos essa discussão.

Nossa seleção antes das copas 
O primeiro jogo aceito de fato como sendo de uma seleção brasileira ocorreu em 1914. Isso porque nesse confronto amistoso contra o time inglês do Exeter City apenas jogadores brasileiros vestiram a camisa branca – a cor amarela só foi adotada em 1952 – do combinado formado por atletas do eixo RJ-SP e que venceu os ingleses por 2X0. 

1ª camisa utilizada pela seleção com a sigla da Federação Brasileira de Sports (depois CBD, atual CBF).

Camisa das 1as copas, com o símbolo da CBD

Após essa data, nossa seleção conquistou dois sul-americanos, em 1919 e 1922, ambos no Rio de Janeiro, tendo como principal craque nesses títulos o jogador paulistano Arthur Friedenreich. Mulato, filho de alemão, ele tinha como hábito passar muito tempo antes dos jogos alisando o cabelo na tentativa de diminuir os olhares enviesados do público, pois tinha certeza de que só lhe era permitido jogar em grandes clubes de elite e na seleção por ser descendente de europeu. 

Friedenreich

O ritual do atleta era compreensível porque naquele momento no Brasil negros não eram aceitos nos times considerados grandes e muito menos na seleção que representaria o país. Uma das exceções foi o time do Vasco, campeão carioca de 1923, fato que levou os vascaínos a sofrerem punições esportivas. Essa situação começou a mudar com a profissionalização no início dos anos 1930, que permitiu a proliferação de negros em nosso futebol e a caracterização definitiva de nosso estilo de jogo como fruto do malabarismo dos craques de ébano. Tal mudança fortaleceu mais um mito de nossa cultura: a de que vivemos numa democracia racial.

As copas do fascismo nos anos 1930
A 1ª guerra mundial e a destruição territorial e econômica da Europa que ela ocasionou atrasaram por alguns anos a disputa de um campeonato de futebol de caráter intercontinental. As Olimpíadas seguiram acontecendo, mas estas já ocorriam desde 1896 e, além do mais, envolviam vários esportes. Havia o temor, portanto, de que uma competição internacional de um único esporte, o futebol, fracassasse, o que impediria a sua continuidade.

Em 1930, a Fifa decidiu que havia chegado o momento, porém a Inglaterra – país que estabeleceu as regras do futebol moderno – achou por bem ficar de fora por discordar da tolerância da entidade esportiva com o futebol amador praticado na maioria dos países.

Benito Mussolini logo se prontificou para que a Itália fosse a sede da 1ª copa, com a intenção de que o evento servisse de propaganda à ditadura fascista, comandada por ele desde 1922. O Uruguai, contudo, propôs bancar todas as despesas de viagem e alimentação dos participantes e foi escolhido como sede. Em represália, a Itália boicotou o mundial, que teve poucos participantes – apenas 14 – já que muitos desistiram em função da crise econômica mundial que chegara ao ápice no ano anterior.

O Brasil participou sem os jogadores de São Paulo em função da briga entre a Confederação Brasileira de Desportos (CBD) e os paulistas. Com isso, craques como Friedenreich ficaram de fora e a nossa seleção foi eliminada na 1ª fase. O Uruguai, embalado pela conquista das duas últimas Olimpíadas – por isso, conhecido como Celeste Olímpica – sagrou-se vencedor.

Quatro anos depois, finalmente conseguindo sediar o mundial, o governo italiano sabia que esse era o momento para “mostrar ao universo o ideal fascista do esporte”, como afirmou na ocasião um dos generais de Mussolini, e a Itália sagrou-se campeã sem adversários à altura, mesmo porque o campeão anterior deu o troco e boicotou o torneio. O Brasil novamente enfrentou problemas, pois os times se recusaram a ceder seus jogadores para a CBD porque esta ainda defendia o amadorismo. A CBD acabou tendo que ceder e decidiu pagar salários aos convocados, porém, mesmo contando com craques do calibre do negro Leônidas da Silva, a seleção brasileira chegou tarde à Europa e, sem tempo para descanso, foi eliminada logo no primeiro jogo ao ser derrotada pela Espanha.

Jogadores italianos fazem a saudação fascista a Mussolini

Em 1938, num mundo já sentindo as primeiras turbulências da segunda guerra mundial, a Itália novamente sagrou-se campeã e seu capitão, Giuseppe Meazza, ao receber a taça, ergueu o braço e fez a saudação fascista em homenagem a Mussolini. A Alemanha nazista de Hitler, por sua vez, não conseguiu seguir o exemplo de seus parceiros italianos. Tentou sediar o evento para mostrar ao mundo a supremacia da raça ariana alemã – assim como fez dois anos antes nas olimpíadas de Berlim –, mas Jules Rimet, presidente da Fifa, logrou êxito em levar a competição para o seu país, a França. 
No Brasil, com a difusão do rádio, muitos conseguiram torcer por nossa seleção, mesmo que ao som de alto-falantes em praças públicas, já que ter rádio em casa não era para qualquer um. O governo ditatorial de Getúlio Vargas tentou tirar proveito da popularidade do selecionado brasileiro. O Brasil terminou a disputa em terceiro lugar, tendo perdido por 2X1 na semifinal para a campeã da competição e Leônidas da Silva foi o artilheiro, com sete gols marcados.

Leônidas em sua jogada tradicional, da qual foi precursor: a bicicleta.

O início da 2ª guerra paralisa o mundo e as competições esportivas. A próxima copa só seria realizada em 1950 e a população da sede escolhida, o Brasil, sofreria um dos maiores revezes da história do nosso futebol. Em contrapartida, se o início da década foi triste, ao seu final seríamos reconhecidos como o verdadeiro país do futebol. É esse o período analisado na próxima parte.

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