terça-feira, 24 de junho de 2014

EM NOME DA NAÇÃO! FANTASIAS E REALIDADES DO NACIONALISMO BURGUÊS NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO.

Teones França – Historiador     (23/6/14)

 


                Acompanhar a Copa de futebol tem nos permitido observar o orgulho nacional expresso em cânticos de amor à pátria e hinos entoados à capela com fervor exacerbado. Em plena era da chamada Globalização ficamos intrigados sem saber até que ponto o sentimento de amor nacional é realmente verdadeiro e o quanto ele pode ser contraditório no mundo posterior à guerra fria, onde vivenciamos, ao menos na aparência, a sensação de um globo único, sem repartições.

                Para compreender melhor o presente é sempre salutar irmos ao passado em busca das raízes históricas dos processos contemporâneos. Nesse caminho identificamos que o sentimento de amor à pátria é algo que pode ter tido origem com a formação dos estados nacionais europeus em fins da Idade Média. Naquele momento, a unificação de vários territórios nacionais num único grande país era algo extremamente importante para os rendimentos da nascente burguesia que, dessa forma, passou a pagar impostos a um único rei, necessitar de apenas uma moeda para realizar suas transações comerciais e alcançar mais prestígio numa época que ainda não valorizava tanto o dinheiro.

                Tendo em vista que unificar várias nações em uma única não era algo tão simples, guerras e casamentos entre reis foram as estratégias mais utilizadas para conquistar a aceitação e a unidade da população dentro das fronteiras delimitadas para os novos países. É a partir daí que passam a surgir os principais símbolos em torno dos quais se assentarão as bases do nacionalismo moderno: bandeiras, hinos e língua única. Esta última nem sempre foi de fato aceita, apesar da imposição dos governantes, e os primeiros nem sempre foram respeitados a contento. Prova disso é a Espanha, que até hoje não tem a sua unidade nacional muito bem resolvida, vide os conflitos separatistas dos povos basco e Catalão; assim como a gama de países que surgiram a partir da desintegração da Iugoslávia e da União Soviética no início dos anos 1990. Ou seja, o sentimento nacional, de pertencimento a uma nação, não cabe necessariamente dentro das fronteiras de um país. Estas em algumas vezes são amplas e, em outras, pequenas demais.

                No caso brasileiro a unidade nacional começou a fazer parte dos objetivos de nossa elite de maneira mais detida após a independência em 1822. A fragmentação da América espanhola em vários países após se livrar do domínio europeu era algo que amedrontava a classe dirigente brasileira, não por nutrir um sentimento nacional, mas por almejar obter melhores dividendos econômicos com a manutenção da unidade daquilo que fora a América portuguesa (Brasil). Com as guerras separatistas violentamente derrotadas, valores nacionais precisavam ser divulgados para se educar a população, mesmo que de maneira autoritária, e se alcançar o sentimento de pertencimento à nação brasileira.

                Para isso, era imprescindível a criação de uma bandeira, de um hino e de heróis. Se ao período imperial (1822-1889) coube manter o território unido a ferro e fogo, a República, após 1889, se incumbiu da divulgação dos valores nacionais. Já que nossa população via com bons olhos os valores imperiais, a bandeira manteve-se quase a mesma do Império de D. Pedro, com o acréscimo do globo azul, das estrelas representando as federações e da frase “Ordem e Progresso”, retirada do ideal dos militares positivistas que tinham muita influência no país no início do período republicano. O hino também teve suas origens no tempo imperial. À música, composta logo após a independência e idolatrada pelo povo, foi adequada uma letra no início do século XX num concurso realizado pelo governo republicano. Já quanto aos heróis a figura de Tiradentes era a que mais se adequava a esse panteão, pois sua trágica morte na forca seguida pelo esquartejamento de seu corpo era bem propícia à sua elevação a mártir da nação e à invenção de sua imagem análoga a de Jesus Cristo caminhando para a crucificação.

                Entretanto, apesar de serem bastante divulgados nas escolas infantis, esses valores não conseguiram ser incutidos nos corações e mentes das gerações seguintes de uma forma totalizante. Sendo assim, eles não estão inseridos no nacionalismo brasileiro de maneira uniforme e o sentimento de pertencimento à nação não é tão forte em algumas regiões. Os gaúchos, por exemplo, têm como característica o culto à bandeira de seu estado com mais fervor que à bandeira brasileira, resquício da derrotada Revolução Farroupilha, de intenções separatista, ocorrida entre 1835 e 1845. Tal fato só enfatiza mais a certeza de que o nacionalismo é antes de tudo um sentimento fabricado.

                Ao final da guerra fria, com a fragmentação da União Soviética e com a reunificação alemã o termo globalização começou a ser utilizado a todo instante para caracterizar o cenário mundial desde então. Mas a ideia de uma aldeia global, onde os valores nacionais deveriam ser pouco valorizados não condiz com o nacionalismo identificado no surgimento de novas nações e no orgulho de um povo diante de sua bandeira e da execução de uma música num simples jogo de futebol.

                O sentimento exacerbado de amor à pátria observado nos noventa minutos de duração do jogo torna-se, contudo, tanto quanto fantasioso quando no dia-a-dia a maioria das pessoas abre mão de tradições nacionais – até mesmo a própria língua – e anseia pelo consumo de valores culturais de outras nações que não a sua. Apenas a título de ilustração podemos citar em nosso país a mudança de hábitos alimentares nacionais em prol de um hambúrguer do Mc Donald’s, a popularização da calça jeans e do terno com gravata num clima tropical, as diversas músicas em inglês que cantamos diariamente numa quantidade certamente maior do que as cantadas em português, a comemoração do Halloween etc., sem contar que só ouvimos o hino nacional em jogos de futebol e mesmo assim só o cantamos com fervor em jogos da seleção. Parece que apenas nesse momento lembramos que nascemos no Brasil e mesmo assim é algo que esquecemos fácil caso nossa seleção não se sagrar vitoriosa.

                Nesse sentido, mais uma vez, só podemos concluir que o nacionalismo nada mais é do que um sentimento fabricado originalmente pela burguesia quando se fortalecia enquanto classe social, o que não impede que as pessoas sigam se sentindo mais confortáveis quando agrupadas dentro de fronteiras ao lado daqueles que possuam valores culturais mais próximos aos seus. No entanto, apesar de ser um mero sentimento o nacionalismo não é inofensivo. Criou e segue criando sérios problemas para a humanidade.

Em nome da pátria várias atrocidades foram cometidas ao longo da história: guerras mataram e seguem matando milhões; em nome da nação (Grande Alemanha) o nazismo convenceu o povo alemão de que o extermínio de outros povos era necessário já que são arianos e, portanto, os melhores entre os seres humanos; não é por outra razão, senão pelo sentimento nacional, que a xenofobia impera atualmente na Europa no expurgo de imigrantes, que acirrarão a concorrência no mercado de trabalho, e na proliferação de atos racistas. Nesse aspecto, é irônico observar tantos negros compondo as seleções de futebol dos principais países europeus, talvez seja o preço que tenham que pagar pela exploração colonialista sobre a África no século XIX.

                É racional que num jogo de futebol escolhamos um time para torcer e que essa escolha quase sempre recaia sobre aquele que seja composto por jogadores que estejam mais próximos de nosso círculo social. O que é irracional é considerar como traidor da pátria os que numa copa do mundo não torçam pelo seu país de origem; da mesma maneira que se considere como antipatriota os que defendam outras cores que não as da bandeira sob a qual nasceram. Na verdade, não há o que estranhar já que nacionalismo e irracionalidade são bastante compatíveis.

 

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