segunda-feira, 23 de março de 2015



Temas-tabus

 Teones França – Historiador (18/01/2015)

                A intenção é neste espaço debatermos de maneira direta temas-tabus que a sociedade brasileira enxerga de maneira extremamente conservadora. Pesquisa divulgada pelo Ibope no dia 3 de setembro último apresenta alguns dados bem interessantes: 79% dos brasileiros são contra a legalização do aborto; mesmo índice de pessoas contrárias à legalização da maconha; 53% são contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo; enquanto que 83% posicionam-se favoravelmente à diminuição da maioridade penal para 16 anos. Três desses quatro índices apontam resultados acachapantes e que demonstram um posicionamento nítido da população do país no que se refere a esses temas.

                               

PARTE I: LEGALIZAÇÃO DO ABORTO

 

 


                Nas últimas semanas acompanhamos estarrecidos os casos de duas moradoras do Rio de Janeiro que tiveram suas vidas interrompidas quando tentaram realizar um aborto numa das muitas clínicas clandestinas espalhadas pelo nosso estado. Mesmo em cidades distintas elas padeceram da mesma tragédia: morreram no meio do procedimento cirúrgico e seus corpos foram abandonados na rua. Uma delas só foi identificada após exame de DNA já que seu corpo foi encontrado carbonizado.

                Parece mentira, mas situações como essas são comuns, simplesmente porque o aborto é considerado crime de acordo com o Código Penal brasileiro. Sendo assim, clínicas clandestinas como as que receberam essas duas vítimas, além de não darem a assistência médica devida não titubeiam entre as opções de serem criminalizados ou abandonarem o corpo em via pública. As leis brasileiras entendem que o aborto só deve ser permitido em caso de estupro ou de morte iminente da mãe. No entanto, essa regra só tem validade para as mulheres pobres porque, para aquelas que têm dinheiro, a interrupção da gravidez pode ser realizada numa clínica que, apesar de clandestina, possui estrutura e profissionais adequados para realizar procedimentos cirúrgicos seguros. Em geral, a relação entre custo e certeza de uma boa cirurgia é diretamente proporcional.

                Segundo um estudo realizado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, apenas em 2013 foram realizados cerca de 865 mil procedimentos ilegais de interrupção de gravidez. Anualmente, a rede pública de saúde tem aproximadamente 250 mil internações em decorrência de complicações pós-abortamento. É a 5ª causa de mortalidade materna! Certamente que a maioria é de mulheres pobres, sendo que muitas delas, meninas com idade entre dez e catorze anos. Portanto, antes de ser considerado crime a questão do aborto no Brasil deveria ser considerada um caso de saúde pública já que é algo que acontece de maneira recorrente, em grande quantidade e causa um sério impacto para a saúde da população.

                Não resta dúvida que é um tema bastante controverso e, por isso, há diversas opiniões a respeito. De acordo com o médico e escritor Dráuzio Varela, é possível identificarmos três linhas de pensamento coletivo sobre o tema. Há os que são contra a interrupção da gravidez em qualquer fase por entenderem que a alma se instala no momento da fecundação e, assim, independentemente do tempo de gestação o produto conceptual já é sagrado. Há também os que acreditam que até o terceiro mês de gravidez o feto apresenta um mínimo de atividade mental ou consciência e até esse momento o aborto deve ser autorizado. Por fim, existe o grupo mais pragmático e com pensamento menos religioso que entende que se os abortos acontecerão de qualquer maneira mesmo, proibidos ou não, melhor que sejam realizados por médicos e no início da gravidez.

                Como atestam a existência dos dois primeiros grupos, a religião está no centro desse debate. Se, de um lado, temos ainda o posicionamento arcaico da cúpula da Igreja Católica em recomendar a seus fiéis a não adoção de métodos anticonceptivos, do outro, observamos todo o poder que possui a bancada evangélica no Congresso Nacional que impede a aprovação de qualquer lei que descriminalize o aborto no Brasil, mesmo que não o torne legalizado. Tudo sempre feito supostamente em nome da vida e da responsabilização da mulher sobre seu corpo.

                Na realidade, não há quem possa ser a favor do aborto, mesmo as mulheres que já passaram por esse procedimento. Quem defende a sua legalização apenas quer impedir que mais mulheres morram nesses “matadouros” clandestinos.

                Para concluir este texto, Dráuzio Varela tem mais gabarito no assunto: “não há princípios morais ou filosóficos que justifiquem o sofrimento e morte de tantas meninas e mães de famílias de baixa renda no Brasil. É fácil proibir o abortamento, enquanto esperamos o consenso de todos os brasileiros a respeito do instante em que a alma se instala num agrupamento de células embrionárias, quando quem está morrendo são as filhas dos outros”.
 
 
 
 
Temas-tabu (2)
 
                Seguindo com a intenção de utilizar este espaço para debatermos de maneira direta temas-tabus que a sociedade brasileira enxerga de maneira extremamente conservadora. Pesquisa divulgada pelo Ibope no dia 3 de setembro último apresenta alguns dados bem interessantes: 79% dos brasileiros são contra a legalização do aborto; mesmo índice de pessoas contrárias à legalização da maconha; 53% são contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo; enquanto que 83% posicionam-se favoravelmente à diminuição da maioridade penal para 16 anos. No texto anterior analisamos a questão da legalização do aborto. Agora, na parte II discutiremos a questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
 
PARTE II: O casamento entre pessoas do mesmo sexo

 
É cada vez mais comum nas novelas da principal emissora de TV brasileira encontrar personagens homossexuais. Se os primeiros eram caricatos e se caracterizavam a partir dos estereótipos que constituem os gays para a maioria das pessoas – afeminados, rebolativos, com voz feminina e roupas extravagantes –, alguns dos mais recentes personagens expressam sua homossexualidade somente no âmbito de sua vida privada. Essa mudança denota claramente a tentativa dos autores desses folhetins em despertar nas pessoas uma nova forma de pensar a respeito desse assunto, visando a diminuição do preconceito contra aqueles que se sentem atraídos por pessoas do mesmo sexo.
Parcela considerável de brasileiros se considera agredida por esses personagens e entende que as novelas estão cumprindo um desserviço ao nosso meio social influenciando jovens a se tornarem gays. Porém, naturalizar a homossexualidade nos veículos de comunicação, não a escondendo debaixo do tapete, pode contribuir bastante para que várias vidas sejam salvas já que os homossexuais constituem um dos grupos que mais sofrem violência em nosso país. De acordo com a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, a cada hora um gay é agredido fisicamente no Brasil.
O casamento entre pessoas do mesmo sexo deve ser debatido nesse contexto. Além de expressar o amor contido na união de duas pessoas o casamento homossexual é antes de qualquer coisa um ato político que visa estimular outros casais a fazerem o mesmo e fortalecer a luta dos gays pela ampliação de seus direitos. Não nos esqueçamos que, segundo pesquisa recente, 53% dos brasileiros não concordam com o casamento gay.
Foi esse o motivo principal que fez com que no mês de novembro último fosse realizado no Rio de Janeiro o maior casamento homoafetivo do planeta com 160 uniões e uma festa para mais de 1500 convidados. Os organizadores do evento esperam contar com o apoio do governo estadual para realizar o próximo no Maracanã, com 300 casais.
Pelo menos 22 países do mundo já realizam casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Entre eles estão: Holanda, França, Inglaterra, Portugal, Espanha, Argentina e Uruguai. Nos Estados Unidos, em alguns estados também são realizadas as uniões. Alguns países, inclusive, até adaptaram esse direito em sua Constituição.
No Brasil, em 2011, o Supremo Tribunal Federal reconheceu o casamento entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar por analogia à união estável. As uniões passaram a ocorrer em doze estados: Alagoas, Sergipe, Espírito Santo, Bahia, Piauí, São Paulo, Ceará, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rondônia, Santa Catarina e Paraíba, além do Distrito Federal. No Rio de Janeiro, apesar de o Tribunal de Justiça ter diminuído a burocracia, ainda ficava a cargo de cada juiz decidir sobre os pedidos. Dois anos depois, no entanto, o Conselho Nacional de Justiça não apenas obrigou todos os cartórios do país a cumprirem a decisão do STF como também obrigou a conversão da união estável em casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Ao contrário da união estável, o casamento civil, por ser um contrato formal, concede mais direitos aos casados, tanto em vida quanto após a morte de um dos cônjuges.
Diante disso é salutar que indaguemos: por que as deliberações sobre esse tema vêm sempre do Poder Judiciário e, além do mais, por que dois anos após a primeira decisão nossos magistrados tiveram que agir de maneira mais contundente?
Simplesmente porque o Poder Legislativo sucumbe às pressões dos setores mais conservadores e, por isso, não há uma lei no Brasil que autorize o casamento gay. Sendo assim, muitos cartórios, sob essa alegação, se negavam a realizar a união. Há quase dez anos a então deputada Marta Suplicy apresentou um projeto no Congresso Nacional que se propunha a regularizar a união civil entre pessoas do mesmo sexo. No entanto, esse projeto não somente está engavetado, como há outro em tramitação que defende restringir o conceito de família apenas aos casais formados por homem e mulher.
O argumento de que duas pessoas do mesmo sexo não podem constituir uma família parece ser a justificativa principal daqueles que são contrários ao casamento homoafetivo, além, é claro, da questão religiosa – que sempre permeia essas ideias conservadoras – e de todo preconceito desferido contra o homossexual. E, assim, valores tradicionais, como a família, continuam sendo postos acima do maior valor que pode existir numa relação entre dois seres humanos: o amor.
 
 
Temas-tabu (3)
 
                Seguindo na lógica de utilizarmos este espaço para debatermos de maneira direta temas-tabus que a sociedade brasileira enxerga de maneira extremamente conservadora. Pesquisa divulgada pelo Ibope no dia 3 de setembro último apresenta alguns dados bem interessantes: 79% dos brasileiros são contra a legalização do aborto; mesmo índice de pessoas contrárias à legalização da maconha; 53% são contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo; enquanto que 83% posicionam-se favoravelmente à diminuição da maioridade penal para 16 anos. Já debatemos sobre o aborto e o casamento homoafetivo; a idéia agora é discutirmos a legalização da maconha.                             
 
PARTE III: A legalização da maconha
“Legalize já, legalize já!                Porque uma erva natural não pode te prejudicar”.
                Já se foi o tempo em que o grupo de rock Planet Hemp defendia praticamente sozinho, e em público, esses versos. Há 20 anos quando gravavam “Legalize já!” essa ideia não possuía ainda a adesão atual. Hoje, no meio científico, e até entre as pessoas comuns, cresce a cada dia o número de defensores da legalização da maconha. A erva vem deixando, assim, de ser bem vista apenas por aqueles que gostam de “fazer a cabeça”.
                A cannabis (nome científico da maconha) era amplamente utilizada em regiões da Ásia há mais de 5 mil anos como tratamento para diversas doenças. No século 19 era comum médicos venderem-na. Entretanto, uma convenção da ONU, realizada em 1961, proibiu seu uso mundialmente por considerá-la uma substância entorpecente.
                Nas últimas décadas começaram a se intensificar os estudos que apresentam os benefícios medicinais da maconha e a discussão sobre a sua legalização ressurgiu com muita força em diversas partes do mundo. A maioria dos países ainda não aceita o uso recreativo da erva, mas ano após ano aumenta o número dos que concordam em utilizar as substâncias químicas, como o THC e o canabidiol (CBD), presentes na cannabis, para o tratamento de diversas doenças e fabricação de remédios.
                Segundo os estudos a planta pode até não curar, mas tem o poder de retardar o avanço de doenças, controlar sintomas e complementar os tratamentos convencionais dos seguintes males: AIDS, hepatite C, epilepsia, Alzheimer, Parkinson, glaucoma, insônia, esclerose múltipla, asma, artrite reumatoide, síndrome de Tourette e doença de Crohn. No caso do câncer, a maconha seria útil para aliviar os efeitos colaterais da quimioterapia.
                Entre Israel, que foi o primeiro país do mundo a legalizar o uso médico da planta, e o Uruguai, que foi o último, vários outros já puseram, de forma diferenciada, em suas legislações a utilização da maconha para esses fins. Dentre eles: Canadá, Chile, Itália, Bélgica, Inglaterra, Espanha, Holanda e diversos estados norte-americanos.
                De acordo com pesquisa recente, 79% dos brasileiros são contrários à legalização da maconha. Esse debate esquentou este ano por aqui quando se tornou público o caso da menina Anny, de 5 anos, portadora de uma rara síndrome genética que a levava a ter até 80 crises de convulsões epiléticas por semana. Ao usar um óleo à base de CBD, sem qualquer efeito entorpecente, teve suas crises zeradas em poucas semanas. A substância havia sido comprada pelos pais em um laboratório dos Estados Unidos e enviada ao Brasil ilegalmente, mas a remessa seguinte foi retida pela Polícia Federal, pois derivados da maconha são proibidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resultado: as crises retornaram. Após muita briga, na Justiça e em público, a família conseguiu uma ordem judicial e Anny tornou-se a primeira paciente brasileira a ter autorização para importar um medicamento à base de maconha.
                A situação, no entanto, talvez esteja começando a mudar. Em outubro último, uma Comissão do Senado aprovou um relatório que permite a importação de derivados da maconha para pacientes de doenças graves e especifica melhor a diferenciação entre usuário e traficante de drogas. No entanto, até ser aprovado no Congresso o relatório ainda percorrerá um longo caminho. Em dezembro, o Conselho Federal de Medicina aprovou resolução autorizando a prescrição do CBD para crianças e adolescentes epiléticos que não respondam bem aos tratamentos convencionais. Porém, somente psiquiatras, neurocirurgiões e neurologistas poderão fazer a prescrição.
                Sem dúvida, estamos ainda muito longe da legislação uruguaia, aprovada há pouco mais de um ano que, com o objetivo de acabar com o poder do narcotráfico, permitirá, a partir de 2015, que os cigarros de maconha sejam vendidos em farmácias no Uruguai.
                É verdade que a maioria dos usuários de maconha em nosso país utiliza a planta de forma recreativa e não para usos medicinais. Contudo, diante do fracasso da luta governamental contra o tráfico e do prejuízo que esta causa a milhões de trabalhadores subjugados nas comunidades em que os traficantes se escondem, a legalização da planta, acompanhada de uma campanha educacional, talvez seja a melhor solução. Lembremos que foram justamente campanhas como essas que reduziram drasticamente o número de fumantes de cigarros no Brasil.
 

 


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