segunda-feira, 23 de março de 2015


“Eh, ô ô, vida de gado”.

“Patrão, o trem atrasou”.

 

Teones França – Historiador    (10/01/2015)

 

                Um dos sucessos do carnaval de 1941 no Rio de Janeiro, a marchinha-súplica “Patrão, o trem atrasou / Por isso estou chegando agora... / o senhor não tem razão pra me mandar embora!” indicava que era comum para o trabalhador já naquela época chegar atrasado ao trabalho por culpa do serviço mal prestado por esse meio de transporte.

                Passados mais de setenta anos, os trens seguem causando muitos transtornos aos que necessitam utilizar os vagões que andam sobre trilhos. Atrasos, superlotação, panes corriqueiras no meio do trajeto, veículos mal conservados são apenas alguns dos problemas enfrentados pelos passageiros, em sua maioria absoluta pobres, no caminho de casa ao trabalho, numa verdadeira aventura a bordo desses caixotes de ferro e aço.

                Conseguir chegar em casa apenas um pouco mais cansado do que estava após largar o “batente” cerca de três horas antes já é algo a ser comemorado, pois, como comprova o acidente do dia 5 de janeiro, ao se utilizar o transporte ferroviário existe a possibilidade concreta de sair-se gravemente ferido e pôr a vida em risco. Naquele dia, duas composições de trens da SuperVia bateram em Mesquita, sendo que uma delas estava parada!!! Um saldo de mais de duzentos feridos e muita reclamação pela demora no atendimento às vítimas. Além da dor física, muitos dos acidentados, sem proteção, ainda tiveram seus pertences roubados por aproveitadores. Uma triste e lamentável cena de horror.

                Até alguns anos atrás se culpava o mau serviço prestado nos trens pelo fato de ele ser estatal. Após a sua privatização, além de algumas maquiagens realizadas pela concessionária vencedora (hoje, a Odebrecht, sempre ela, detém a maior parte do capital do grupo), nada se alterou, ou melhor, alterou sim: o dinheiro arrecadado vai parar agora, sob a forma de lucro, nas mãos de poucos afortunados

                O transporte sobre trilhos, que seria uma ótima válvula de escape para o caótico sistema rodoviário brasileiro, segue sendo secundarizado em benefício dos grandes “tubarões”, donos das empresas de ônibus. Enquanto as tarifas aumentam mais do que a inflação anunciada, o serviço oferecido nos veículos sobre rodas também deixa muito a desejar, com frotas obsoletas, manutenção mal feita e poucos coletivos com ar-condicionado.

Obviamente, quem mais sofre com essa situação é a população mais carente que, como sempre, é tratada feito gado pelas autoridades públicas brasileiras. Alguns, mais coniventes, dirão: “mas, existem várias opções de transporte para o pobre!”. É verdade, vamos a elas: tem-se a alternativa de viajar no desconforto de ônibus calorentos e apinhados de gente, trafegando a 10 km/h nos cada vez mais extensos congestionamentos cotidianos; há também a opção de sofrer num trem igualmente desconfortável, ensaiando para voltar na próxima encarnação como sardinha enlatada; e, por fim, existe ainda a escolha mais recomendada pelos nossos políticos, por ser a mais saudável: atravessar as rodovias de bicicleta.

Contudo, apesar de “marcado”, seguimos sendo um povo feliz. (Até quando?).

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