“ISSO, ISSO, ISSO!”
A ATUALIDADE DO SERIADO CHAVES: INGENUIDADE
E REALIDADE.
TEONES FRANÇA -
HISTORIADOR- 30/11/14
Morreu Roberto Gómes Bolaños.
Dito assim parece apenas uma informação cotidiana
anunciando o falecimento de uma pessoa desconhecida. À exceção dos obcecados pela
TV Globo, no entanto, quando se acrescenta a esse obituário o epitáfio de que se
trata do criador e intérprete do personagem principal do seriado Chaves,
certamente a consternação amplia-se bastante já que mesmo os que não eram fãs do
“menino do barril” nada tinham contra ele.
Igualmente a muitos brasileiros, me ponho no rol
daqueles que reclamavam junto ao SBT cada vez que o seriado era retirado da
grade de programação; nesses últimos trinta anos a série mexicana está entre as
poucas coisas que me prendem à frente da televisão. Nos idos de minha infância
isso era algo compreensível, mas, tratando-se de um jovem senhor, rever de
forma repetitiva os episódios exibidos desde o início da década de 1980 foge
até ao meu próprio entendimento. Como encontrar nessa atitude explicação
racional para além de um mero “complexo de Peter Pan”?
A morte de Bolaños me levou a refletir a esse respeito
e cheguei à conclusão de que não é tão difícil responder a essa pergunta.
Há muito além da piada fácil e dos bordões
repetitivos. O riso saía – e sai – frouxo em situações simples, construídas num
momento distante da chatice do “politicamente correto”. As chacotas feitas a um
menino obeso ou a uma idosa – que de tão feia é chamada de “bruxa” – soava ingênuo
há três décadas. Uma ingenuidade castrada recentemente pelos (mal-humorados)
arautos defensores da “correção”. Cabe destacar ainda a despreocupação em
manter em diversas cenas dois personagens fumando cigarro ou charuto. Um
cenário pouco parecido com a hipocrisia atual.
Era – e segue sendo – fácil se identificar com as
traquinagens naturais de crianças de oito anos interpretadas por adultos. Por
sinal, apenas esse fato já demonstra que não estava entre os objetivos do
programa ser totalmente realista, mesmo porque muitas das situações engraçadas
em seriados de humor originam-se justamente nos exageros sobre a realidade.
Como é chato vermos programas tolos tentando falar de coisas aparentemente sérias.
Chaves, não. Pretendia ser bobo, e era mesmo, desde a sua proposta inicial. Mas,
uma bobeira fruto da ingenuidade própria da infância.
É notória a semelhança do menor abandonado, ávido por
um sanduíche de presunto, com milhões de crianças espalhadas pelo mundo – assemelhando-se,
assim, também com o Carlitos chapliniano. É totalmente plausível traçarmos um
paralelo entre o cortiço onde acontecem os principais episódios e a situação
precária de moradia de tantos e tantos latino-americanos. As dificuldades
enfrentadas pelo professor Girafales ao tentar ensinar seus alunos também é
algo bem real e atual. Rir da cruel realidade imposta (por quem?) aos mais
necessitados – essa sim, uma das propostas de Bolaños.
Foi exatamente essa questão social, latente em quase
todos os episódios de Chaves, que me tranquilizou quando, adulto, passei a
questionar por deixar-me entreter por um seriado infantil, da mesma maneira que
também comecei a criticar a idolatria por Bolaños que me acompanhava, ignorando
a passagem dos anos e o avançar da idade.
A crítica social feita por Bolaños me bastava para
justificar sem culpas minha presença à frente da TV. Não queria saber seu
posicionamento a respeito da revolução mexicana e de Emiliano Zapata; pouco
importava o que pensava sobre os zapatistas e o comandante Marcos; se votava no
PRI; não interessava se emocionava-se diante dos murais de Diego Rivera e das
pinturas de Frida Kahlo. Era melhor que eu não buscasse essas informações.
Sabe-se lá se ele iria me desapontar e há poucas coisas tão deprimentes quanto
o desapontamento de um fã para com seu ídolo quando se transpassa a fronteira
entre ficção e realidade.
Faz parte da vida. Infelizmente, morreu Roberto Gómes
Bolaños. Contudo, Chaves sempre permanecerá vivo na memória de milhões de
adultos e crianças que se encantaram e se encantam com as historinhas ocorridas
em torno de um menino órfão, que foi adotado por uma senhora que morava num
cortiço, na casa 8, e tornou-se abandonado ainda bebê após o falecimento dessa
mãe adotiva. Mais que isso, Chaves seguirá sendo atual enquanto essa sociedade tão
desigual continuar a existir. Portanto, os episódios de Chaves continuarão
atraentes simplesmente porque milhões de Chaves seguem morando em barris,
sonhando com um sanduíche de presunto neste exato momento.
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