segunda-feira, 23 de março de 2015


“ISSO, ISSO, ISSO!”

A ATUALIDADE DO SERIADO CHAVES: INGENUIDADE E REALIDADE.

TEONES FRANÇA - HISTORIADOR- 30/11/14

 


                Morreu Roberto Gómes Bolaños.

                Dito assim parece apenas uma informação cotidiana anunciando o falecimento de uma pessoa desconhecida. À exceção dos obcecados pela TV Globo, no entanto, quando se acrescenta a esse obituário o epitáfio de que se trata do criador e intérprete do personagem principal do seriado Chaves, certamente a consternação amplia-se bastante já que mesmo os que não eram fãs do “menino do barril” nada tinham contra ele.

                Igualmente a muitos brasileiros, me ponho no rol daqueles que reclamavam junto ao SBT cada vez que o seriado era retirado da grade de programação; nesses últimos trinta anos a série mexicana está entre as poucas coisas que me prendem à frente da televisão. Nos idos de minha infância isso era algo compreensível, mas, tratando-se de um jovem senhor, rever de forma repetitiva os episódios exibidos desde o início da década de 1980 foge até ao meu próprio entendimento. Como encontrar nessa atitude explicação racional para além de um mero “complexo de Peter Pan”?

                A morte de Bolaños me levou a refletir a esse respeito e cheguei à conclusão de que não é tão difícil responder a essa pergunta.

                Há muito além da piada fácil e dos bordões repetitivos. O riso saía – e sai – frouxo em situações simples, construídas num momento distante da chatice do “politicamente correto”. As chacotas feitas a um menino obeso ou a uma idosa – que de tão feia é chamada de “bruxa” – soava ingênuo há três décadas. Uma ingenuidade castrada recentemente pelos (mal-humorados) arautos defensores da “correção”. Cabe destacar ainda a despreocupação em manter em diversas cenas dois personagens fumando cigarro ou charuto. Um cenário pouco parecido com a hipocrisia atual.

                Era – e segue sendo – fácil se identificar com as traquinagens naturais de crianças de oito anos interpretadas por adultos. Por sinal, apenas esse fato já demonstra que não estava entre os objetivos do programa ser totalmente realista, mesmo porque muitas das situações engraçadas em seriados de humor originam-se justamente nos exageros sobre a realidade. Como é chato vermos programas tolos tentando falar de coisas aparentemente sérias. Chaves, não. Pretendia ser bobo, e era mesmo, desde a sua proposta inicial. Mas, uma bobeira fruto da ingenuidade própria da infância.

                É notória a semelhança do menor abandonado, ávido por um sanduíche de presunto, com milhões de crianças espalhadas pelo mundo – assemelhando-se, assim, também com o Carlitos chapliniano. É totalmente plausível traçarmos um paralelo entre o cortiço onde acontecem os principais episódios e a situação precária de moradia de tantos e tantos latino-americanos. As dificuldades enfrentadas pelo professor Girafales ao tentar ensinar seus alunos também é algo bem real e atual. Rir da cruel realidade imposta (por quem?) aos mais necessitados – essa sim, uma das propostas de Bolaños.

                Foi exatamente essa questão social, latente em quase todos os episódios de Chaves, que me tranquilizou quando, adulto, passei a questionar por deixar-me entreter por um seriado infantil, da mesma maneira que também comecei a criticar a idolatria por Bolaños que me acompanhava, ignorando a passagem dos anos e o avançar da idade.

                A crítica social feita por Bolaños me bastava para justificar sem culpas minha presença à frente da TV. Não queria saber seu posicionamento a respeito da revolução mexicana e de Emiliano Zapata; pouco importava o que pensava sobre os zapatistas e o comandante Marcos; se votava no PRI; não interessava se emocionava-se diante dos murais de Diego Rivera e das pinturas de Frida Kahlo. Era melhor que eu não buscasse essas informações. Sabe-se lá se ele iria me desapontar e há poucas coisas tão deprimentes quanto o desapontamento de um fã para com seu ídolo quando se transpassa a fronteira entre ficção e realidade.

                Faz parte da vida. Infelizmente, morreu Roberto Gómes Bolaños. Contudo, Chaves sempre permanecerá vivo na memória de milhões de adultos e crianças que se encantaram e se encantam com as historinhas ocorridas em torno de um menino órfão, que foi adotado por uma senhora que morava num cortiço, na casa 8, e tornou-se abandonado ainda bebê após o falecimento dessa mãe adotiva. Mais que isso, Chaves seguirá sendo atual enquanto essa sociedade tão desigual continuar a existir. Portanto, os episódios de Chaves continuarão atraentes simplesmente porque milhões de Chaves seguem morando em barris, sonhando com um sanduíche de presunto neste exato momento.

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